Raul Proença é um pensador universal que tem sido esquecido

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Amílcar Coelho
Amílcar Coelho, doutorado em Filosofia, fez uma abordagem ao pensamento de Raul Proença

Nascido nas Caldas da Rainha, Raul Proença foi um dos maiores pensadores portugueses, mas actualmente está quase esquecido, considera Amílcar Coelho, doutorado em Filosofia e director do Centro de Formação de Professores de Alcobaça e Nazaré.
“É um pensador universal, com uma actualidade extrema”, defende, evocando o facto do pensamento de Raul Proença estar ligado à condição humana e com uma exigência ética e metafísica muito profunda.

Na sua opinião, Raul Proença já pensava contra “estes aprendizes de feiticeiros que encontramos todos os dias quando ligamos a televisão”.
As declarações foram feitas a 2 de Outubro durante uma acção de formação promovida pelo Centro de Formação de Associação de Escolas Centro-Oeste, no âmbito de um ciclo de conferências evocativas do centenário da implantação da República.
Segundo o director do centro, Nicolau Borges, os professores não poderiam deixar de assinalar este momento histórico, analisando a República de uma perspectiva multi-disciplinar.
Até 13 de Novembro estão a decorrer uma série de conferências com abordagens às várias temáticas, da Arte à Filosofia.
Amanhã, 9 de Outubro, a responsável do arquivo da Casa-Museu dos Patudos, Laurinda Paz, irá estar no CCC para uma conferência sobre José Relvas, o homem que proclamou a República, a 5 de Outubro de 1910, da varanda da Câmara Municipal de Lisboa.
Nesta acção de formação certificada, inscreveram-se cerca de 100 professores, à semelhança das outras conferências que têm-se realizado.
Raul Proença na Raul Proença

A conferência sobre o escritor e jornalista caldense foi a única que se realizou na Escola Secundária Raul Proença, exactamente porque considerarem ser a melhor forma de o homenagear.
A escola também está a assinalar o centenário da República com uma série de exposições, nas quais está em destaque a figura de Raul Proença.
No entanto, o conferencista do dia 2 de Outubro lamentou que esta escola não tenha um grupo de investigação sobre o seu patrono.
Amílcar Coelho referiu que ao pegar nesse dia num livro de Raul Proença que faz parte do espólio da biblioteca escolar, percebeu que tinha sido o primeiro a folheá-lo porque este ainda estava intocado. “É uma edição horrível e quando se lê a primeira vez as páginas precisam de ser soltas. Este livro está ainda na sua ‘virgindade’ absoluta”, comentou o docente.
“Espero que esta conferência suscite o interesse naquilo que o Raul Proença tem para dar, que é uma fonte riquíssima do pensarmos por nós próprios”, afirmou.
Segundo o investigador, os textos de Raul Proença, que tem uma obra vasta, são sempre fluidos, simples e ao mesmo tempo profundos. “Ele nunca abandona o seu espírito crítico, no sentido de fundamentar e dar razões, rejeitando os dogmas”, explicou.
Amílcar Coelho debruçou-se sobre os pensadores da I República durante a sua tese de Mestrado que teve como tema António Sérgio. “Tenho muitas dúvidas se Raul Proença não é um pensador muito mais profundo do que o próprio António Sérgio”, considera.
Embora Raul Proença seja mais conhecida por outras questões, o professor quis dar a conhecer o seu pensamento filosófico.
“Nos tempos em que estamos a viver precisamos ainda mais de uma ‘trincheira’ que resista aos dogmas e ao pensamento feito”, como fez Raul Proença.
Amílcar Coelho contou como Raul Proença leu, na sua versão original em alemão, os textos do filósofo Friedrich Nietzsche sobre a teoria do Eterno Retorno.
Em alternativa a uma concepção linear do tempo, no qual esperamos sempre que as nossas acções tendam para um momento final perfeito, Nietzsche desenvolveu um modelo “que questionava a ordem das coisas”.
Segundo o conferencista, Nietzsche defendia que o tempo “não é a duração para o triunfo do Bem e que a realidade tem muitas verdades”.
Esta teoria, a partir do qual Raul Proença viria a escrever um ensaio filosófico com o mesmo nome, terá inspirado uma filosofia e uma moral imanentes à condição contingente mortal do homem.
“Temos a necessidade de fazer o ‘jogo da vida’, tocados pela sua imprevisibilidade”, tal como uma criança que joga à bola a partir de certas regras, mas fruindo do facto do resultado ser imprevisível.
“O Eterno Retorno é a sucessão das coisas que se repetem, num sujeito activo e inteligente que procura em cada sucessão ser o elemento que as faz diferir”, concluiu Amílcar Coelho.