Lembrar é tornar visível o que já não o é

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Em cada um dos nossos dias a lembrança tem um papel muito importante. Para dar um exemplo vem-me à ideia o falecimento há cerca de um mês do Júlio César Afonso Soromenho Romão. Fazendo um percurso que me antecede a mim mesma, o Casino do Parque das Caldas estava com uma esplanada cheia e muitas pessoas conversando e rindo e felicitando o recém chegado. Era o Júlio que chegara do Porto com o seu canudo de Engenharia de bonita nota e com um futuro promissor. Entre outros jovens estava a Aldinha que se licenciara em Filologia Germânica e era filha do Presidente da Câmara da cidade. Pouco tempo depois, o casamento do Júlio e da Aldinha era anunciado e até há pouco tínhamos por hábito ver os dois sempre juntos desprendendo uma bonomia e gentileza inexcedíveis. Com facilidade se agrupavam e conversavam gerando grupos de amizades que nas noites quentes dos verões das Caldas animavam e divertiam o picadeiro e os cafés do Parque sob o fundo musical dos concertos que até ao 25 de Abril se realizavam no coreto com o maestro e padrasto do Júlio a reger a orquestra.
O exemplo frisante que o Júlio nos deixa é o da dedicação ao trabalho e a ligação forte que sempre manteve à sua terra natal.
Começou o Júlio por ingressar na CP como Engenheiro Civil onde fez várias especializações dada a multiplicidade das actividades que aí exerceu. Como atento que era, os seus estudos estavam sempre devidamente documentados pelo conhecimento das terras e locais a que se referiam e deste modo o Júlio na CP conheceu o País de norte a sul. A sua avaliação da rede ferroviária levava-o não raramente à preocupação pela conservação ou ampliação de ramais dado o empenho que tinha pelas populações e locais. O Júlio não foi apenas um engenheiro de mérito reconhecido na especialidade de transportes ferroviários onde ocupou altos cargos de direcção e de planeamento. Foi Presidente da Comissão de Fiscalização do Metropolitano de Lisboa e esteve ligados aos estudos da ligação de caminho de ferro que atravessa a Ponte 25 de Abril ligando-a à rede nacional. Autor de vários projectos mereceu louvores publicados no então Diário do Governo. Numa palavra, foi um Engenheiro prestigiado da CP e do Metropolitano de Lisboa.
Além desta actividade profissional de Engenheiro civil, teve incursões na política de Portugal democrático. Filiado no CDS, foi membro da Assembleia Municipal de Lisboa durante três mandatos, tendo sido distinguido com a medalha de ouro de mérito Municipal. Quando o Partido lhe pediu para ser candidato à Presidência da Câmara de Caldas da Rainha, com plena consciência de que seria extremamente difícil ganhar a eleição, não hesitou em aceitar o convite, como obrigação de militante responsável, e foi com grande firmeza e entusiasmo que se bateu durante a campanha eleitoral.
Dominava-o simultaneamente uma notável preocupação ecológica. Homem de trato fino cultivava amizades em todos os sectores da sociedade. O casal Soromenho Romão frequentou assiduamente os concertos da Gulbenkian pois eram melómanos exigentes e não perdiam qualquer oportunidade de estar presentes em concertos e outras manifestações de arte.
Homem culto, cativava não só pela sua bondade mas pela sua sensibilidade e amor às causas justas. Com o seu cachimbo era companhia sempre bem aguardada na “grande mesa” no mês de Agosto, juntamente com os seus colegas, amigos e conterrâneos ali à sombra dos plátanos do Parque D. Carlos onde dissertava sobre todos os acontecimentos do dia. Era com humor e ironia que dissecava todos os assuntos que eram a nossa espuma de verão…
Esta lembrança do Júlio é a que permanece na nossa memória e faz com que ele continue entre nós.

Teresa Brandão