Crónica do Québec (Canadá) – «Montréal, ville de festivals»

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Como escrevíamos há duas semanas, estamos em pleno Verão. Com a chegada dos primeiros dias  de Agosto entramos na fase final do, curto mas intensamente vivido Verão de Montreal.  Toda esta época festiva tem o seu início,  se assim se pode dizer, com a corrida de Fórmula Um na ilha artifical de Notre-Dame, edificada entre as águas  do rio São Lourenço, com a terra retirada do mesmo nos anos sessenta do século passado, aquando da construção do túnel que liga a grande metrópole à margem Sul. Uma das obras mais emblemáticas da Expo 67. Assim,  durante o segundo fim de semana de Junho de cada ano, o grande circo dos automóveis assenta arraiais na cidade, que de um momento para o outro é invadida pelo Jet Set internacional, para gáudio do comércio local, sobretudo da indústria hoteleira.
Ainda o roncar agressivo mas melódico  dos motores está presente nos nossos ouvidos, quando logo a seguir, entre finais de Junho e os primeiros dez dias de Julho, são outros os sons que fazem vibrar as gentes da terra. Entramos no chamado Festival de Jazz de Montreal, considerado por muitos o maior festival musical, a nível mundial, da actualidade. Durante  duas semanas, os espectáculos sucedem-se ininterruptamente. Muitos em palcos exteriores, nas diversas artérias, para o efeito fechadas à circulação automóvel, da cidade, onde artistas oriundos dos cinco continentes oferecem as suas prestações com entradas livres para todos. Outros há, que se produzem nas inúmeras salas locais. De entre estas,  e pela importância que reveste para a nossa cidade, somos obrigados a mencionar, a Place des Arts de Montreal. Verdadeiro palácio dedicado às artes, ao teatro e à música,  situado em pleno centro da grande cidade e composto por inúmeras salas de espectáculos, edificado ao longo dos anos sessenta do século XX, é ainda hoje o maior complexo artístico e cultural do Québec e do Canadá.

Além deste enorme complexo temos ainda um sem número de locais dispersos pela cidade, onde diariamente, durante o festival, artistas de diversas nacionalidades oferecem as suas prestações. Portugueses como Dulce Pontes ou os Madre Deus, na sua época áurea, fazem parte do restrito grupo de artistas lusitanos que por cá passaram, e que ofereceram a todos nós, quebequenses e canadianos, o que de melhor se faz em termos de música portuguesa.
Chegados aqui, alguns leitores perguntarão, mas o que têm a Dulce Pontes e a Teresa Salgueiro a ver com o jazz. Nada, ou muito pouco,  efectivamente. É que durante todo o festival, o número de autênticos grupos de jazz que nele participam, acabam por ser uma ínfima minoria.  Apesar do nome, este festival é acima de tudo um evento festivo, repleto de diversas sonoridades, durante o qual os quebequenses esquecem os pequenos problemas do dia a dia, e dão azo a que os canadianos de língua inglesa digam com toda a razão, que a nossa cidade é a cidade canadiana com maior  joie de vivre, escrito assim mesmo em francês, pois trata-se duma daquelas expressões cuja tradução altera a essência.
Ainda com o festival de jazz a decorrer inicia-se o Festival do Fogo de Artifício.  Desde 1985,  entre o meio de Junho e meados de Agosto de cada ano,  todas as noites de Sábado e ainda algumas quartas-feiras à mesma hora,  tem lugar, no maior parque de atracções do Québec,  La Ronde, situado na Ilha de Sainte-Hélène, a alguns metros do local onde se situa a pista de Fórmula Um, impreterivelmente às 22 horas inicia-se  um espéctaculo músico-pirotécnico. Nessas noites, com chuva ou sem ela, encerra-se ao tráfego uma das pontes que liga Montreal à sua margem Sul, e empresas de pirotecnia vindas de todos os continentes, oferecem aos presentes, variados e coloridos espectáculos de fogo de artifício, onde cada um tenta oferecer o melhor do seu reportório, num ambiente feérico de música, fogo e água, sob o olhar e os ouvidos atentos dum júri,  que no final, em autêntica apoteose oferecerá o Júpiter, prémio da melhor prestação, definida em função da qualidade das peças pirotécnicas bem como da riqueza das côres apresentadas, a que se alia a sincronização derivada da simultaneidade dos efeitos sonoros e dos elementos pirotécnicos, condicionados pela  escolha do tipo de música que acompanha todo o processo. O júri deverá ainda  ter  em consideração, a densidade e a constância do programa, isto é, não só a quantidade mas igualmente a qualidade do fogo,  bem como a originalidade do espectáculo apresentado por cada empresa de pirotecnia.
Também aqui,  é regular  a presença  de empresas portuguesas, e num dos primeiros anos de apresentação destes espectáculos, os portugueses ficaram na memória de todos, pois, se normalmente cada apresentação  tem  a duração de trinta minutos, naquela noite, e  devido a um qualquer imponderável  que acabou por dar azo a que o fogo dos portugueses rebentasse  todo duma vez,  provocando uma explosão  sonora que se fez ouvir num raio de muitos quilómetros. Devido ao caricato da situação, e ao facto de tudo não ter passado dum susto para os espectadores, este incidente  não impediu que, salvo raras excepções, como aconteceu neste Verão,  ano após ano empresas lusas façam parte do evento.
Caso para dizer, que o nosso Verão é curto,  mas intenso  e cheio de actividades para todos os gostos e para  todas as bolsas. A partir de finais de Agosto é a famosa, rentrée, e de novo o vocábulo da língua de Molière é o que melhor define o recomeço duma vida de trabalho  que atravessará os duros meses de Inverno, sempre à espera que os  quentes dias  de Junho e Julho, regressem de novo.