Negócios de Património

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Saikiran Datta
investigador

O mercado imobiliário é um campo de jogo para o oportunismo económico e a especulação, onde, por meros lucros, o rico património é vendido ou abatido. Como uma feira da ladra ou um matadouro! Para além das propriedades agrícolas, a mercadoria inclui campos sem trigo, florestas queimadas e ribeiras sem água, que espelham a realidade rural. Vendem-se ruínas recorrendo a narrativas nostálgicas ou promessas de ‘paraíso comercial’.
Um imóvel rural é um chamariz para o citadino e o estrangeiro investirem. Atendendo às novas ideias de conforto e luxo, a riqueza arquitectónica e histórica é subvalorizada. Os imóveis restaurados raramente obedecem o original e o autêntico. No uso de materiais, o cimento e o betão substituem a argamassa de cal e areia e o vigamento de madeira tradicionais. Infelizmente, restam poucos mestres-pedreiros alentejanos que sabem construir, à moda antiga, as abobadilhas de tijolo. Entre eles um nonagenário que, embora hoje cego, possui um olhar para a perfeição. Simular uma parede falsa em pedra ou xisto não expressa nostalgia, muito menos enaltece o imóvel. Raras são as construções que preservam um lagar de varas, cujo engenho se deve aos romanos. Despedaça-se a história para primar um bar ou uma sala de jogos. É esta a mentalidade prevalecente – compradores sem sensibilidade e vendedores sem consciência.
Novos problemas – a escassez da água e os fogos florestais – afligem o mundo rural. O êxodo deixou vulnerável uma parcela da nossa identidade. Uma aldeia-fantasma transmontana, disponível por um milhão de euros, não deixa de ser uma relíquia patrimonial.
Os símbolos da nossa identidade cultural procuram novos donos nesta descarada ‘hasta pública’. Enquanto um mosteiro ou convento vale entre 2 a 3 milhões de euros, uma encantadora quinta histórica regional que inclui termas e ruínas romanas e que deveria ter sido utilizada para o bem público embornala a astronómica quantia de 4.7 milhões de euros.
Uma propriedade latifundiária, recentemente alvo de negócio, possuía na periferia um forno comunitário, suspeito de pertencer ao período romano. Outrora um símbolo de coesão social, o uso do forno representava certos privilégios de que usufruíam as comunidades rurais, mediante o respectivo foral, face ao monopólio real, senhorial e eclesial. Tão importante era a arte de cozer pão que na antiga Roma, segundo Gaio (Instituições:1.34), um latino que exercesse “durante três anos o ofício de padeiro, trabalhando não menos de cem módios de trigo por dia” conseguiria, ao abrigo da Lex Visellia, o direito Quiritário (a cidadania romana).
Habituados aos estilos de vida citadinos, já esquecemos os simples prazeres de viver numa casa rural. Os valiosos bens patrimoniais, anunciados nestes negócios imobiliários milionários, nem sequer deveriam ser objectos de comércio, privando-nos de um legado histórico-cultural comum. ■