Em Óbidos, 90% dos hotéis estão fechados

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Praia D’El Rey Marriott decidiu encerrar as portas a 15 de novembro e lançou uma campanha de promoção | Praia d'El Rey

Carlos Martinho, presidente da associação comercial Óbidos.com e empresário da hotelaria, faz retrato negro do setor em Óbidos, onde grandes e pequenas unidades lutam para sobreviver

A hotelaria vivia um momento de grande fulgor no Oeste, com o turismo a apresentar números recorde a toda a linha no ano passado. Contudo, de um momento para o outro a pandemia de covid-19 surgiu como um retirar de tapete a um setor que representa uma grande fatia da economia e do emprego da região. Desde março as quebras são incomportáveis para as unidades hoteleiras e muitas delas já preferem estar de portas fechadas do que manter a máquina em funcionamento a gerar despesa.
Óbidos é uma referência do setor na região em termos de unidades de hoteleiras, mas também em número de unidades e de camas e é, também por isso, um reflexo do panorama que se vive na região e por todo o país.

Das principais insígnias com presença no concelho obidense, apenas o Evolutée Hotel não suspendeu atividade

Sem reservas que justifiquem a abertura, hotéis como o Praia D’El Rey Marriott, Josefa D’Óbidos e as Pousadas do Grupo Pestana estão de portas fechadas, o mesmo acontece com outras unidades de dimensão mais pequena.
“Em Óbidos, 90% dos hotéis estão fechados e os restaurantes entretanto irão começar a fechar”, afirmou à Gazeta das Caldas o presidente da associação comercial Óbidos.com, Carlos Martinho, também ele empresário de hotelaria. O mês de novembro foi “para esquecer, como deverá ser o mês de janeiro”, completou.
As unidades acabam por gerir os recursos e abrir em ocasiões em que é expectável que haja alguma procura. “Grande parte vai tentar abrir em dezembro”, com iniciativas centradas na atração do turista do mercado nacional, que “é a única hipótese”, refere Carlos Martinho.
Acresce que, “em circunstâncias normais, o mês de janeiro não é bom, mas em pandemia será um mês zero”. Carlos Martinho adianta que o hotel que gere, o Josefa de Óbidos, “vai voltar a fechar no mês de janeiro” e, até agora, só tem “reservas para março”, confidenciou, notando que se vive “um dia de cada vez”.
Esse poderá, de resto, ser um mês com alguma retoma para o setor, um ano depois da pandemia se ter instalado em Portugal. O Praia D’El Rey Marriott também arrancou este mês com uma campanha de promoção para os clientes que façam reservas agora para essa altura do próximo ano.

Quebras acentuadas
Em relação às quebras de procura e faturação, Carlos Martinho realça que são quase totais. “Rondam os 90%. Nos meses de julho, agosto e setembro trabalhou-se mais ou menos, deu para as despesas, mas ficou na sombra dos últimos anos”.
O empresário não tem dúvidas em afirmar que o layoff é o que tem permitido manter os negócios. Ainda assim, lamenta que não existam mais apoios e incentivos à hotelaria e à restauração, numa época em que “não há dinheiro a entrar, só a sair, há quase um ano”.
Carlos Martinho critica, ainda, que o Estado utilize os últimos meses de faturação para definir apoios e não o período homólogo do ano transato. “Tenho conhecimento de alguns empresários que não se irão candidatar, porque se tratam de valores irrisórios”.
Relativamente a despedimentos, na Josefa de Óbidos o empresário não despediu ninguém e crê que na região, quem tem contrato, se tem mantido, mas para aqueles cujos vínculos terminaram não houve uma renovação. Por outro lado, há uma quebra na contratação de serviços.

Readaptar
Duarte Cardim, food & beverage manager no Royal Óbidos Spa & Golf Resort, não tem dúvidas em apontar este como “o pior período de existência” da hotelaria, assim como “o seu maior desafio, que passa por não ter clientes estrangeiros”, vitais para o setor, o que obrigou a unidade a centrar-se no mercado nacional.
O responsável afirma que, no Evolutee Hotel, a palavra de ordem foi “readaptar”. A unidade hoteleira tem marcado presença em feiras internacionais para chegar a clientes do mercado do turismo do golfe e ao mercado MICE (conferências, incentivos, encontros e exibições), com resultados palpáveis. “Tivemos sucesso e bastante procura”, afirma.
Dada a pouca procura de clientes provenientes da União Europeia, o empreendimento direcionou igualmente a sua oferta para o mercado dos casamentos.
Readaptar inclui igualmente ajustes realizados nos espaços, para garantir o cumprimento das normas de segurança na realização de conferências e reuniões. “Temos empresas a alugar várias salas de diferentes hotéis, para conseguir juntar o número que desejam de pessoas, e assim cumprindo com as regras, ajudando ao mesmo tempo o setor hoteleiro”, acrescenta.

“Além dos hotéis, em Óbidos os restaurantes entretanto também irão começar a fechar. Novembro foi para esquecer e janeiro também deverá ser”
Carlos Martinho

“Com a conjuntura pandémica procuramos segmentos alternativos, como por exemplo o dos casamentos.”
Duarte Cardim

“A situação é preocupante. Além da falta de apoios, o Estado restringe
a circulação do único mercado emissor, o nacional”
Luís Cruz

Apesar destes reajustes, Duarte Cardim afirma que o impacto da pandemia na atividade do hotel é “avassalador”. A expectativa de perda anual ronda os 50% em relação a 2019, mas “só não é pior, porque tivemos excelentes meses de janeiro, agosto e setembro”, este último alavancado pela receção de uma prova internacional de golfe, o European Tour. O gerente acrescenta que muitas reuniões agendadas foram adiadas para 2021, “isto se existir na altura condições para a sua realização”.
Nesta unidade, não houve ainda necessidade de equacionar a suspensão de atividade, mas Duarte Cardim nota que, “neste momento, não podemos dar nada como garantido”. “A intenção é de não fechar, vamos tentar “sobreviver” aos próximos meses, tendo a consciência de que vão ser tempos difíceis”.
Duarte Cardim alinha com Carlos Martinho em relação à falta de “verdadeiros apoios” à hotelaria e restauração, “que realmente ajudem as empresas a sobreviver”, uma vez que os que têm sido disponibilizados até esta altura não cumprem esse propósito.


Muitos dos hotéis podem nem reabrir

“A maior parte dos hotéis da região vai encerrar totalmente até fevereiro, para diminuir os custos da operação, e muitos podem não reabrir”, afirma Luís Cruz, CEO da empresa MH Group e membro do Conselho Fiscal da Associação da Hotelaria de Portugal (AHP), à Gazeta das Caldas.
Luís Cruz fala de uma situação “preocupante, pois não existe um vislumbre do términus da pandemia”. Acresce que “os custos fixos dos hotéis são extremamente elevados, e além da falta de apoios estatais para os sectores mais afetados (hotelaria e restauração), que foram os motores do crescimento do país nos últimos anos, ainda coloca restrições à circulação do único e principal emissor neste momento, o mercado português”.
O empresário realça que “os hotéis são dos locais mais seguros em termos de prevenção da covid-19, investiram muitíssimo em equipamentos para segurança dos hóspedes, e de facto todo este trabalho não se reflete junto do hóspede, pois ele não existe “.
Luís Cruz diz que “apesar dos bons anos que a indústria tem vivenciado, o período foi marcado por forte investimento, de forma a adequar as unidades às necessidades e espectativas do cliente atual”, pelo que agora a “hotelaria está a passar por um período muito difícil”.
No caso do grupo MH, nos últimos quatro anos, houve um investimento de cerca de 18 milhões de euros na renovação da sua oferta e existiam outros projetos em curso que “neste momento necessariamente ficaram em standby”.
O grupo tem neste momento o MH Peniche aberto, tendo encerrado em novembro os hotéis MH Atlântico e MH Dona Rita e ainda o Supertubos Beach Hostel. A quebra anual do grupo situa-se na ordem dos 52% de janeiro a novembro, mas existiram meses como abril e maio em que a faturação foi de 0€ e novembro a quebra foi na ordem dos 90%.
O MH tem 82 funcionários. Luís Cruz afirma que “a política da empresa sempre foi a manutenção dos postos de trabalho”. O empresário realça que não realizaram nenhum despedimento, nem se prevê que tal aconteça. “Apenas não renovamos alguns contratos que se estabelecem normalmente no verão, e contraímos as contratações sazonais a níveis mínimos “, contou.

Trabalhar o curto prazo
No Caldas Internacional Hotel a realidade não é muito diferente. O hotel esteve em lay-off durante o período de confinamento e reabriu em julho perante um cenário completamente diferente do que se verificava antes.
Em linha com as restantes unidades, o mês de agosto trouxe clientes, embora em número mais reduzido do que em anos “normais”. Mesmo em outubro a unidade registou quebras na ordem dos 50%.
Já em novembro, as quebras só não foram mais acentuadas porque em 2019 já tinha sido um mês de fraco movimento. Além disso, a abertura de novos espaços comerciais nas Caldas da Rainha contribuiu para que a atividade no hotel não diminuísse de forma mais brusca. Mas houve uma mudança de padrão. As restrições à circulação das pessoas trava o turismo interno. Por isso, enquanto antes o período mais forte era o fim-de-semana, agora é durante a semana, uma vez que se tratam de clientes que estão nas Caldas em trabalho.
De resto, em períodos de fim de semana prolongado, como foi o caso deste, o hotel opta por fechar quando não tem reservas, gerindo dessa forma os recursos humanos.
Esta novo paradigma, assim como a incerteza que existe em relação ao futuro mais imediato faz com que os hotéis acabem por ter que trabalhar com a realidade que têm a cada dia. No Caldas Internacional Hotel, por esta altura do ano passado já a capacidade para o final de ano estava esgotada e havia muitas reservas de grupos a partir de março. Dezembro também não terá as festas de Natal que traziam turistas, pelo que os próximos meses não se antevêm fáceis.