Compaixão e liderança

0
529

FotoPaulaCarvalhoUm dos aspetos mais relevante da investigação neurocientífica, numa perspetiva de evolução e preservação da espécie é a importância de fatores como, a empatia, a capacidade de vinculação e de envolvimento emocional e afetivo. Nesta linha de vivências importantes, no que respeita à dimensão social dos humanos, encontra-se a capacidade de viver a compaixão. Vivência complexa, que transcende a empatia e difere da pena, pois implica não só identificar e reconhecer o sentir do outro, mas manter a ligação, o vínculo e não ficar apenas como testemunha, constituindo uma das ferramentas fundamentais da espécie humana no encontrar, modos de sobrevivência e adaptação às vicissitudes do meio. A coisa global obriga à consciência das nossas vulnerabilidades. Catástrofes naturais, sociais, políticas, económicas e financeiras, fazem parte do caldo existencial do planeta. Vezes demais percebe-se que muitas delas são consequência do uso desastroso dos recursos e dos diferentes sistemas referidos.
Fala-se de inovação, criatividade e excelência. O problema é que também vezes demais, se confunde a excelência com a EXCELência, em que o mundo é visto exclusivamente através de cálculos e indicadores em folhas de EXCEL. Aquilo que deveria ser uma boa ferramenta de trabalho, passa a ser um livro sagrado, impondo indicadores e objetivos como mandamentos divinos. Como se não se aprenda e perpetue a ilusão de que é possível controlar e domesticar a realidade, levando novamente a consequências desastrosas. As ferramentas servem para tentar adequar as soluções à dignidade e preservação das pessoas e da natureza, e não o contrário. Porque, do mesmo modo que já se provou que é a inteligência emocional, aquela que nos torna verdadeiramente pensantes e criativos, o mesmo se passa com o modo como gerimos a nossa relação com os outros. À inteligência social, contrapõe-se a estupidez social.
Serve hoje esta conversa, para falar das Equipas Comunitárias de Saúde Mental do CHO, constituídas por psicólogas. Na altura em que escrevo esta crónica, estas pessoas estão, pela 3ª vez num período de 5 anos, sem enquadramento institucional formal, sem poderem trabalhar. Espero que a situação esteja ultrapassada dentro de pouco tempo, mas isso não invalida a estupidez que tem abundado neste processo, exemplificativo duma liderança EXCELente.
Como explicar que, um projeto inovador de Saúde Mental, financiado a 100% durante 24 meses, sob o compromisso formal de ser mantido posteriormente pela instituição e em que, durante este período foi feito projeto de criação do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do CHON, formalizado com a publicação em D. República de 23 de Maio de 2011, tenha sido deixado cair, como se todo o processo tivesse sido uma leviandade? Como explicar que se atuasse como se as diretrizes do Ministério da Saúde e do Plano Nacional de Saúde Mental, fossem conversa fiada? O registo é o do abuso por parte de quem conhece e tira partido das fragilidades políticas e burocráticas dos sistemas, num funcionamento em que o exercício do poder de uns, se faz impunemente à custa de tentativas de castração e coisificação de outros. Em tempos de nova liderança do CHO, esperemos que o registo mude. As neurociências têm vindo a comprovar que, aspetos tradicionalmente considerados como piegas e conversa caritativa, estão afinal na base da capacidade criativa e de sobrevivência dos humanos. A realidade atual mostra-nos por exemplo, com toda a obscenidade do que se passa no mundo da chamada alta finança, no mundo em que pessoas e recursos são tratados como meras estatísticas, que a ciência tem razão… Infelizmente histórias, em que pessoas são tratados sem dignidade, são inúmeras. Por isso esta crónica é dedicada a todas as Susanas, Sílvias, Celestes, Mafaldas e Mónicas, bem como às pessoas para quem diretamente trabalham, os seus doentes.

Paula Carvalho
paulatcarvalho@gmail.com