Crónica do Québec (Canadá) – 1 de Julho, dia do Canadá e… de mudanças no Québec

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No dia 1 de Julho, o Canadá festejou mais um dia nacional. Neste dia toda a actividade produtiva do país faz uma pausa de 24 horas, mas, se como este ano, se tratar duma Sexta-Feira, no Sábado seguinte não há ponte. Para muita gente será um dia de trabalho igual a outro dia qualquer. Mas para uma larga fatia dos habitantes do Québec, este feriado não é no entanto um feriado como os outros.

É que depois de 1975, por curiosidade o ano que marca o nosso primeiro contacto com estas paragens, quando no final do mesmo em Dezembro, aterrámos no acabadinho de inaugurar aeroporto de Montreal-Mirabel, um dos melhores na altura mas agora encerrado.  Como dizíamos, até áquele ano toda a barafunda que as gentes do Québec vivem agora no primeiro dia de Julho de cada ano, viviam-na então no dia 1 de Maio.
Referimo-nos à mudança de casa, e sobretudo à população que vive em casas arrendadas mas igualmente aos proprietários, que preferem normalmente entrar nas suas novas residências no dia 1 de Julho. Esta mudança de Maio para Julho, teve origem em legislação desse mesmo ano de 1975, com o intuito de  evitar à população estudantil a necessidade de mudar de estabelecimento escolar durante o ano lectivo, resultando daí que actualmente, praticamente todos os contratos de aluguer residenciais tenham a validade de 1 ou 2 anos, com início a 1 de Julho e término a 30 de Junho. A situação, comum em Portugal, das pessoas viverem toda uma vida num mesmo local que às vezes vai  passando de pais para filhos, é aqui praticamente inexistente, sobretudo no que diz respeito aos cerca de 50% de quebequenses que continuam a viver em casas alugadas, e, casos há, em que as pessoas não ficam mais de um ou dois anos no mesmo local.
Como resultado desta forma de viver, as empresas de mudanças neste período, fazem negócios de ouro e cobram-nos tarifas exorbitantes, chegando por vezes o aluguer dum pequeno camião  a custar mais de $280.00 dólares por hora se por algum motivo imprevisto houver a necessidade de solicitar o prolongamento do aluguer inicialmente programado,   reservado e garantido com um depósito monetário.
Todo este processo deveria em princípio funcionar da melhor forma, pois até ao fim do mês de Março de cada ano, todos os inquilinos são obrigados a avisar os respectivos proprietários da intenção de guardar ou abandonar o local que ocupam. Uma vez que tudo está devidamente previsto , na manhã do dia 1 de Julho, e se foi essa a sua escolha, já o antigo rendeiro deverá ter libertado os locais, para que o próximo ocupante do espaço possa usufruir do mesmo e para o qual de forma geral, já pagou anteriormente o primeito mês de renda, ou deu um depósito equivalente a pelo menos  50% desse montante. Na teoria era assim que as coisas se deveriam passar, mas infelizmente, por vezes  tal não acontece.
Como uma das nossas locatárias mais problemáticas tinha desde o dia 1 de Março último, manifestado a intenção de não renovar o seu contrato de arrendamento, a meio da semana passada tivemos o cuidado de a contactar, para sabermos se se tinha organizado para libertar o seu apartamento, e a resposta foi de que não haveria problema. No entanto, por precaução, no dia 30 de Junho ao fim da tarde fizemos-lhe uma visita, e o que temíamos estava ali à nossa frente. Perante a nossa estupefacção, ao vermos a casa com o aspecto de quem está para ficar por ali indefinidamente a Sonya voltou a dizer que não haveria problema. Sem perdermos a calma, relembrámo-la, de que tanto ela como o seu filho de 11 anos teriam de abandonar o local dentro de menos de 24 horas, pois os novos rendeiros no dia seguinte e como a lei prevê, às 10 horas da manhã precisavam do apartamento. Não há problema monsieur Alexandre, amanhã de manhã vou-me embora. Como poderia a pobre realizar o que acabava de nos dizer se nenhum dos seus haveres, incluindo fogão, frigorífico e máquinas de lavar e secar, que enchiam por completo o T2 que fora a sua casa nos últimos 3 anos, estava minimamente preparado para a necessária mudança.
Já há muito tempo que sabíamos que a Sonya, mãe solteira, se ocupava o melhor que podia do Jonathan (aluno aplicado que apesar de contar apenas 11 primaveras,  já é mais responsável do que muitos adolescentes), sofria de alguns problemas existenciais, e, não só estava afastada da família mais próxima, como os proventos que recebia do Rendimento Social de Inserção, (a que nós chamamos Bem Estar Social, ou apenas BS) não lhe permitiam alugar o necessário  camião para efectuar a mudança a que se obrigara.  Para não entrarmos em qualquer ilegalidade, contactámos a polícia, que confirmou o que esperávamos:
– O senhor não a pode pôr na rua, e tem que se entender com os seus novos rendeiros. Antes de terminar, o agente da autoridade ainda nos diz que se obtivessemos o acordo da Sonya, comprovado no mínimo por uma testemunha, poderíamos colocar todos os seus haveres em local seguro até que ela se organizasse.
Os novos inquilinos,  jovem casal ainda sem filhos, com menos de 30 anos,  são o oposto da Sonya. Os dois no mercado de trabalho, e, como acontece com a maioria deste tipo de jovens, optam por viver alguns anos  como locatários, até amealharem os 25 ou 30 % necessários para a entrada inicial no pagamento duma futura casa, a que chamarão sua.
Não precisámos de ouvir o último conselho do polícia duas vezes, e às 9 horas da manhã do dia feriado, acompanhados pela nossa companheira e por uma das colaboradoras, lá estávamos  no nosso imóvel, esperando calmamente a chegada dos novos ocupantes do espaço, tendo-lhes de imediato exposto o problema. O jovem casal quase teve pena de nós e, calmamente, debaixo dum sol escaldante,  com a ajuda dos cerca de oito acompanhantes, entre familiares e amigos, começaram a descarregar o camião que deveriam devolver à companhia de aluguer dentro de 90 minutos, sem o que, a próxima hora lhes custaria os acima mencionados $280.00 dólares. Nós, ao vermos todos aqueles jovens e menos jovens em acção, dirigimo-nos a um dos responsáveis do grupo, dizendo-lhe de imediato que apesar de apenas terem  pago metade da renda de Julho, se aceitassem a nossa proposta considerávamos esse mês totalmente pago. Seriam eles, com a nossa ajuda, quem iria empacotar, encaixotar  e retirar de casa todos os haveres da Sonya. Como o interesse era recíproco, aceitaram a proposta e a «pobre» Sonya lá se conseguiu ver livre dum problema, para o qual jamais teria solução.  Ao fim da tarde, os novos rendeiros estavam instalados. A Sonya contactara entretanto uns familiares que a ajudavam no transporte de algumas coisas, enquanto nós guardamos ainda por alguns dias, num local adjacente à casa, os maiores electrodomésticos.
Sendo esta uma situação que raras vezes acontece, e perante a não solução proporcionada pelas autoridades policiais, foi para nós mais uma experiência de vida, que nos obrigou a agir na altura, mas nos custou algumas centenas de dólares.