Crónica do Québec (Canadá) – Os nossos indignados

0
447

Desde o passado dia 15 de Outubro e um pouco à imagem do que tem acontecido noutras grandes cidades do Ocidente, o centro de negócios de Montreal acordou com cerca de três centenas de «indignados» acampados em plena Praça Vitoria. Maioritariamente jovens, alguns acompanhados pelos respectivos bebés. Note-se desde já, que nestas latitudes, a temperatura noturna oscila entre os 5 e os 7 graus positivos, por vezes acompanhados de chuva e vento.

Ao contrário do que se pode ver noutros locais, a actuação das forças policiais tem-se pautado por uma «não actuação»,  o que de certa forma tem surpreendido alguns dos «campistas», que, verdade seja dita, tudo têm feito para que a situação se mantenha calma. A palavra de ordem, no interior do acampamento improvisado é a de manter o espaço limpo, como é norma nas cidades canadianas. Para o efeito, na base da estátua da rainha Vitória até foi instalado um cinzeiro gigante, que é limpo regularmente. As necessidades básicas eram efectuadas nos comércios da zona, com a complacência dos respectivos proprietários. Rapidamente no entanto, esta situação foi corrigida pelas autoridades municipais através da instalação no local de dois WC químicos, daqueles que normalmente se usam nos estaleiros de construção civil (ignoramos se os leitores sabem do que se trata, pois honestamente não nos lembramos de alguma vez os termos visto em Portugal). E mais ainda, como estamos em pleno século XXI, neste momento, os campistas já têm acesso à internet sem fio, no local. Como dizia um trabalhador dum dos escritórios da zona, trata-se de um grupo de anarquistas, mas anarquistas organizados e que fazem parte da sociedade global. Uns menos jovens, outros sem-abrigo, mas a grande maioria jovens adolescentes que, como noutras épocas, querem mudar o Mundo que vêem à sua volta.
Mas, se no tempo da nossa juventude em Portugal, ou na vizinha Espanha, os inimigos a abater eram fáceis de identificar e davam pelo nome de Salazar/Caetano ou Franco, e noutros países que já viviam em democracia, o alvo eram os burgueses e os capitalistas, grupos estes que na altura, já há muito tinham sido arredados do poder nos «paraísos comunistas» para além da cortina de ferro, e dos quais apenas «conhecíamos» o que nos era impingido pela propaganda marxista, que entre muitíssimas outras coisas, ditava que, o sistema capitalista acabaria por se desintegrar a partir do seu interior, devido às enormes clivagens entre ricos e pobres.
A história diz-nos afinal, que foram os sistemas comunistas, que, salvo uma ou duas excepções que todos conhecemos, implodiram, e o capitalismo democrático com todos os seus defeitos, que os tem e em grande número, ainda perdura. É no entanto óbvio que terá de se auto-reformar.
Os inimigos destes manifestante são hoje difusos e difíceis de identificar. Mas como mencionava um jovem consultor em telecomunicações, que participa no acampamento desde o início do mesmo, a população dos países ricos do Ocidente, não pode continuar a aceitar que os membros da classe política, e que os dirigentes da alta finança pública e privada (aqui os políticos ainda não desceram aos níveis que atingiram em Portugal) beneficiem de remuneraçôes exageradamente obscenas, quando comparadas, com os proventos médios dos seus semelhantes, e mais grave ainda, que muitos milhões de trabalhadores anónimos continuem a não ter o suficiente para alimentar e educar condignamente os seus filhos.
Há pouco mais de um ano ninguém esperava que os tiranos do Médio Oriente fossem caindo uns após os outros como um baralho de cartas. Quando a juventude duma dada sociedade entende mudar o que na sua opinião está errado, não tenhamos dúvidas que essa mudança acontecerá mesmo. E a história ensina-nos que quanto mais longo fôr o periodo de insatisfação, mais graves serão as consequências da mudança. O que virá a seguir eles não sabem, nem tão pouco estão preocupados com isso.
Entretanto numa destas manhãs, no acampamento de Montreal, e apesar ou talvez por causa, dos frios sete graus de temperatura, enquanto os cheiros a incenso substituiam os da marijuana noturna, e duas jovens, ainda ontem adolescentes, praticam yoga com os pés nus sobre a relva do grande jardim do centro financeiro de Montreal, a massa de trabalhadores corre apressada para a azáfama dos escritórios, que continuam a fazer girar a grande metrópole canadiana, um senhor de fato e gravata, e cabelos grisalhos, enquanto encoraja os campistas, deixa alguns frutos em frente de uma tenda, e grita para os presentes:
– Continuem! A vossa causa é justa, e  sobretudo manifestam-se de forma civilizada, sem violência e com dignidade!
Ou ainda, como dizia uma habitante de Montreal de origem francesa, que repetia:
– Não foi para isto que orgulhosamente participei na revolta de Maio 68. Vou passar mais nove horas encerrada no meu escritório, como uma idiota. Ganho um salário mais que suficiente, tenho um carro, uma casa e uma vida invejável. Mas não tenho qualquer esperança num Mundo Melhor para os meus filhos. O Mundo por que lutei na minha juventude, e que foi usurpado por uns tantos oportunistas e outros arrivistas da minha geração. Gostava que os jovens de hoje, no mínimo,tivessem a esperança que eu pude ter, na minha juventude, mas que os dirigentes da minha geração não souberam transmitir! Envergonho-me de fazer parte da geração que pela primeira vez dirá:  «Os meus descendentes vão viver pior do que eu vivi»!

J.L. Reboleira Alexandre
jose.alexandre@videotron.ca