Rainha em calda – Rainha em calda

0
837
Gazeta das Caldas
Maria João Melo

Para este ciclo que inicio como cronista procurei encontrar um título que usasse o trocadilho como figura de estilo através de uma analogia com o nome da nossa sede de concelho. Apoiei-me na semelhança fonética de duas palavras de categorias morfológicas iguais.
Achei que, dado ser uma estreia, o devia justificar revelando que a inspiração que assistiu a este jogo verbal teve o intuito de tornar ambíguas expressões homónimas e, simultaneamente, indiciar o tom da abordagem dos futuros momentos de escrita que, desta maneira, determinei animar. Será então a rainha de uma cidade submersa em calda que se dirigirá ao leitor para o estimular por um lado, e por outro, o consolo de quem, com duplo sentido, assim se expressará.
Teve origem na exploração etimológica das palavras Caldas (da) e (em) calda, cujo efeito se obteve partindo do pressuposto que o leitor detém esse conhecimento.

Ainda assim, valerá a pena mencionar o significado da palavra “calda” que corresponde ao líquido incolor engrossado obtido pela fervura de água com elevado teor de açúcar dissolvido. Geralmente acompanha doces, pudins, compotas, frutas e que serve para conservar os alimentos. No caso conserva, sem alterações de monta até aos dias de hoje, estados de espírito e claro, a respetiva monarquia. Tem obtido resultado sobre as memórias e as gentes destes lugares. Infelizmente, não tem obtido o correspondente efeito de preservação no desígnio dos ambientes aquíferos nem na requalificação das estruturas mais antigas da cidade.
É à calda que mais vulgarmente se recorre para permitir preservar as propriedades organolépticas dos alimentos tais como, a aparência, a cor, a textura, o odor e o sabor, assim como, o seu valor nutricional. Depois, é preciso selar hermeticamente a mistura numa lata ou num frasco, de preferência no vácuo, para o que se aconselha verter e enrolhar a mistura enquanto ainda quente.
Aqui a calda não será vertida fria, será cálida.
O período em que os alimentos em calda se conservam em boas condições depende de outros fatores como, a adequação do estado de maturação do alimento a ser conservado, a quantidade de umidade que ele acumulou, a exposição ao ar e a qualidade dos produtos usados na preparação.
Já acerca das virtudes misericordiosas da nossa rainha não nos restam dúvidas. Só é pena que, na atualidade, a sua devoção social não compadeça maior número de corações.
Mas animemo-nos! A rainha estar lacrada em calda não será, porventura, mau sinal. Pelo menos, quiçá um dia, é passível de poder ser desenrolhada, coada das calmarias. Poderemos escorrer-lhe o tempo em que esteve submergida num ambiente de águas paradas para, a submeter a outro elemento primordial, ficando exposta a um vento de mudança que lhe sopre um novo e requalificante alento a tempo de lhe revitalizar a pioneira missão.
Nesse intento de a resgar do estado de preservação inócuo, deixo a promessa que à benemérita Leonor de Avis assim como, aos que foram os seus domínios e atuais habitantes, lhes dedicar esta atividade que, sem recorrer nem a corantes, nem a emulsionantes ou conservantes, terá preocupações ecológicas, sustentáveis e, sobretudo, mais adequadas e conscientes do espaço e das variedades sociais do contexto do nosso tempo cronológico.
Para que, de vez, lhe salte a tampa e se liberte do tempo psicológico a que tem estado remetida.

rainhaemcalda@gmail.com