Vou ali já venho… – A minha cidade é uma instalação

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Parece uma praga. A cidade invade-se de rabiscos feios, inestéticos e berrantemente agressivos, feitos de tinta permanente.
Se a isso se acrescentar as lojas fechadas e os prédios devolutos… Parece que vivemos num cenário suburbano de filme série B. É o nosso Westernurbano depressivo.
Como é típico das séries B, o guião não é lá muito criativo, nem muito complexo. Temos uma cidade, que parecia destinada a bem crescer, dotada de imenso potencial, geográfico, histórico, cultural, turístico, económico… Tanta fartura estimula a ganância. E eis que surgem os vilões, disfarçados de bons e de defensores da terra. Rapidamente ocupam os postos de decisão e comando, mestres da manipulação e da demagogia. Apimbalhou-se a cultura, atintaram-se as mentes em proximidades brejeiras de copos de vinho, teceram-se as teias dos amigos, favores e telhados de vidro, em que o silêncio e a conivência passam a ser regra e ouro. A inteligência colectiva vai estupidificando, vai-se fazendo de conta que não se percebe e que não se vê. Mas a coisa vai crescendo, vai-se instalando, e parece que se fica à espera dum herói, qual cowboy solitário, que venha salvar a cidade. Como eternos infantes que precisam dum papá de pulso forte e que decida por eles… e vão-se enfiando carapuças e barretes. Tal como os chapéus, e recordando um Vasco, mas Santana, dá vontade de gritar: Chapéus há muitos… seu palerma! …
A cidade da saúde, entretanto, transforma-se na capital do risco, e arrisca perder-se na rede especulativa dos interesses individuais e ser riscada do mapa do vale a pena conhecer e vale a pena viver.
Os gatafunhos nas paredes, quais cicatrizes chocantes, obrigam a ver o feio, e sublinham a fluorescente, o estado de abandono, negligência e impunidade que por aqui se vive…
Garatujas, prédios a cair, urbanizações inacabadas e abandonadas, trânsito e estacionamento caóticos nas zonas nobres do burgo, termas fechadas, pavilhões a ruir, lixo… Isto é mesmo uma Balbúrdia no Oeste… só que este filme não é cómico e não se prevê um final mesmo nada feliz. Habitará alguém no palácio municipal? Estarão fechados para balanço? Ou com crises digestivas, provocadas pela ingestão forçada do menu imposto: chocos com tinta, cozinhados em azeite virgem de oliveira?
Os chocos vêm com tinta, mas apresentam-se requentados, sem frescura alguma, e as águas também, cada vez mais CHOcas e águas de bacalhau… Apre! Que raiva! Há mesmo que ficar chocado com tanta incompetência e pobreza de espírito. No meio das múltiplas fusões, fundiram-se-lhes certamente os neurónios, e entraram em estado confusional… E a cidade à mercê, mais ferida, mais frágil, mais feia, menos feliz…
Querida rainha, a tua cidade ameaça transformar-se numa instalação, numa metáfora da estupidez humana.

Vou ali já venho…

Leonor Tornada
leonor.tornada@gmail.com