Caldense defendeu com distinção tese de mestrado sobre o eurocepticismo suíço

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Chama-se António Vieira, é caldense e tem 26 anos. Vive em Basileia, na Suíça e defendeu recentemente uma tese sobre o Eurocepticismo Suíço, na Universidade Nova de Lisboa na qual obteve 19 valores.
No seu estudo o jovem, que trabalha numa editora on-line de revistas cientificas, identificou os motivos que levam os suíços a não querer aderir à UE.
António Vieira que é um “europtimista” não prevê para breve o seu regresso a Portugal, embora confesse que sente saudades do mar e da sua Foz do Arelho.

GAZETA DAS CALDAS – O que faz actualmente?
ANTÓNIO VIEIRA –
Trabalho para uma editora chamada MDPI, que publica mais de 70 revistas científicas online, cujos artigos são de livre acesso, ou seja, são disponibilizados ao leitor de forma gratuita e este não tem que efectuar qualquer subscrição ou pagamento.
Eu sou editor assistente para uma das revistas mais importantes de que actualmente dispomos, o International Journal of Environmental Research and Public Health.

GC – Porquê o tema do eurocepticismo suíço na sua tese?
AV –
Há vários anos que desenvolvi um grande interesse pelas questões europeias e pela forma como a União Europeia se formou e desenvolveu. De certa forma sempre fui um eurófilo por acreditar que união faz a força e que os vários países da Europa teriam a ganhar em estabelecer mecanismos de partilha e cooperação. Este interesse pela Europa levou-me a escolher Bruxelas, na Bélgica, e dita Capital da Europa, como destino de um ano académico em mobilidade (ao abrigo do Programa Erasmus) enquanto frequentava a minha licenciatura. Aí tive o primeiro contacto real com uma Europa multicultural e diversificada, ao conviver diariamente com pessoas de diferentes nacionalidades e culturas, e aprendendo sempre algo de novo todos os dias. Esta experiência marcou-me por ver na UE a possibilidade de haver este profícuo intercâmbio de europeus.
Mais tarde, e ao frequentar o Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais – Especialização em Estudos Europeus, vi a possibilidade de poder abordar e procurar perceber um dos temas que sempre me intrigou: por que razão a Suíça, estando no centro da Europa, se mantém isolada e fora da União Europeia?

GC –
O que o fez partir para esta investigação?
AV –
Ao pensar na Suíça via um país multicultural e tão diverso que, a meu ver, seria um candidato por excelência a pertencer à União Europeia. No entanto, este país sempre se mantivera à parte do projecto de construção europeia, e de tudo aquilo que ia ouvindo ou lendo não tinha sequer intenções de aderir à UE. Quis por isso finalmente perceber a razão de tal eurocepticismo por parte do povo suíço.

Ao iniciar a minha investigação, percebi que a ideia usualmente transmitida de que a Suíça não quer aderir à UE por já ser um país rico – não precisando por isso de fazer parte da UE – não é assim tão linear.
Da literatura que comecei a ler, vários autores faziam referência à existência de elementos específicos aos suíços e que seriam incompatíveis com a UE, algo que considerei bastante interessante de explorar, e que me levou a centrar a minha investigação na correlação entre a identidade nacional e o eurocepticismo suíços.

GC – A que conclusão chegou?
AV –
A principal conclusão é que a população suíça desenvolveu uma identidade nacional muito específica, de foro político, e que o eurocepticismo suíço acaba por ser o receio de que uma instituição política como a UE venha destruir as bases democráticas e de participação activa da sua sociedade.
A Suíça é um dos países mais democráticos do mundo, onde a população dispõe de tantos instrumentos de participação e decisão que acaba por ser um elemento activo na tomada de decisões políticas.
Os cidadãos suíços podem, por exemplo, contrariar uma decisão tomada pelo Parlamento Federal, exigir a realização de referendos e apresentar propostas legislativas, tudo isto de forma vinculativa, ou seja, é sempre a vontade da população que prevalece. É aliás curioso verificar que enquanto na Suíça qualquer alteração à Constituição tem obrigatoriamente de ser sujeita a referendo, em Portugal é o caso oposto, não podendo as alterações à Constituição ser sujeitas a referendo.

“Na UE as decisões são tomadas pelas elites políticas, longe dos cidadãos, e sem grande legitimidade”

GC – Significa isso que os cidadãos suíços têm uma voz bastante activa?
AV –
Os suíços têm uma voz activa a vários níveis, votando e decidindo projectos legislativos, não só ao nível nacional, mas também regional e local. Todas as semanas existe uma nova iniciativa popular ou um referendo a ser lançado algures na Suíça, o que demonstra como estes cidadãos decidem realmente o seu futuro e o espaço que os rodeia.
Estes são apenas alguns exemplos de como a vida política e cívica activa se encontra impregnada na definição do próprio cidadão suíço, e de como faz parte da sua identidade. Ao encarar tal sociedade, acaba por ser natural que os suíços não desejem entrar na UE onde, muitas vezes, as decisões são tomadas pelas elites políticas, longe dos cidadãos, e sem grande legitimidade.
A desconfiança face à UE é comprovada pelos vários estudos efectuados à população, que acredita num impacto negativo sobre as suas estruturas políticas caso haja uma adesão à UE. E numa época onde a UE atravessa uma das suas crises mais profundas, não só ao nível económico mas também político, é com naturalidade que o eurocepticismo suíço tenha atingido o seu valor mais elevado de sempre. Assim, a razão pela qual a população suíça não deseja aderir à União Europeia vai muito mais além da simples assumpção de que é por razões meramente económicas.

GC – Acha que jamais a Suíça quererá entrar na UE?
AV –
A curto e médio prazo é praticamente certo que não queiram aderir à UE. Por várias vezes têm demonstrado que querem seguir uma via diferente e rejeitam por completo a ideia de o seu país fazer parte da UE num futuro próximo. Acredito, por isso, que nem na próxima década a Suíça venha a fazer parte da UE.
Já a longo prazo, acredito que a situação possa mudar.
O surgimento de novas potências mundiais só demonstra que o mundo está em constante mutação e que as grandes economias actuais, de entre as quais a Suíça, não têm o seu lugar garantido. Entrar na UE e fazer parte de um grande bloco europeu poderá, no futuro, representar uma maior garantia de crescimento económico e prosperidade interna. Mas mesmo aí, note-se que seria mais uma questão de “ter de” pertencer à UE do que realmente “querer”.

GC – Com os acordos bilaterais os suíços têm já as vantagens de estar na UE sem, contudo, o país ser um estado-membro. Concorda?
AV –
Sem dúvida alguma que os acordos bilaterais trouxeram imensas vantagens à Suíça, sobretudo ao nível económico. Aliás, não é por acaso que após a sua implementação o número de suíços defensores da adesão diminuiu, pois os acordos acabaram por lhes dar praticamente tudo aquilo que queriam da UE, ou seja, uma aproximação ao mercado europeu sem no entanto perder a sua autonomia. Muitos suíços defendem estes acordos pois acreditam que estes permitem manter a independência da Suíça. Uma ideia que não é tão linear assim, pois na verdade o país encontra-se bastante dependente da UE, adoptando muitas vezes a legislação europeia de forma a garantir a compatibilidade dos seus produtos no mercado europeu. Nesse ponto, acabaria por ser mais vantajoso fazer parte da UE e ter influência na forma como a legislação europeia é estabelecida, do que simplesmente adoptá-la posteriormente sem poder efectuar alterações.
É por isso que não existe uma forma de relacionamento perfeita que garanta só vantagens ao país. Com os acordos bilaterais a Suíça tem de facto várias vantagens, mas também acaba por ter algumas desvantagens. Ainda assim, e de entre as várias possibilidades (total isolacionismo, via bilateral ou adesão), actualmente a via dos acordos bilaterais acabará por ser aquela que mais satisfaz os desejos dos suíços, ao manter a sua autonomia o mais intacta possível sem perder o contacto com os parceiros da UE.

GC – Nota que existe xenofobia por parte dos suíços em relação aos seus imigrantes, em particular aos portugueses?
AV –
Infelizmente a imigração é uma das questões que, a meu ver, mais negativamente marca a sociedade suíça. A elevada percentagem de imigrantes causa bastante desconforto e preocupação junto da população local, e é usual haver uma certa adversidade face às comunidades estrangeiras. E isso pelas mais variadas razões, desde a questão da perda de empregos e aumento da criminalidade, até à ameaça de que no futuro não existam mais verdadeiros suíços, filhos de suíços. O nacionalismo tem, aliás, vindo a ganhar espaço na Suíça, e com ele uma atitude xenófoba face ao estrangeiro. A comunidade portuguesa, ainda que seja das mais numerosas, não é aquela que, a meu ver, será a mais afectada por este sentimento xenófobo.
Acredito que as comunidades vindas da ex-Jugoslávia e da Turquia, por exemplo, sejam mais alvo de atitudes xenófobas, possivelmente por serem culturalmente mais distantes e por não terem uma tradição de imigração tão enraizada como a portuguesa.

GC – O eurocepticismo suíço é homogéneo em todo o território suíço? Consta que os francófilos são mais próximos do projecto europeu do que os germanófilos.
AV –
O eurocepticismo suíço não é de todo homogéneo. A disparidade interna é enorme, ainda que historicamente haja de facto uma maior aproximação da comunidade francófona à UE do que a comunidade germanófila. Vários factores contribuem para que os francófonos sejam mais favoráveis. Por exemplo, a maior proximidade cultural da Suíça à França do que à Alemanha (tal é evidente, por exemplo, ao nível da língua, com a Suíça francófona a falar o francês padrão, enquanto na Suíça alemã se utilizam dialectos por vezes bastante distantes do alemão padrão) ou o facto de a comunidade francófona, ao já ser minoritária (representa cerca de 20% da população total) não ver na UE uma ameaça à sua posição no país, enquanto a germanófila (mais de 60% da população total) encarar como uma ameaça à sua posição predominante.
Mas actualmente há muitos factores que influenciam o eurocepticismo suíço, e que vão para além do factor linguístico. Cada vez mais, factores como a localização, a idade e a instrução têm influência no eurocepticismo suíço.
Tendencialmente, a população que viva nos cantões interiores da Suíça e em zonas rurais, que tenha um nível de escolaridade mais baixo e que seja mais idosa será mais eurocéptica. Por outro lado, os defensores da adesão à UE são mais frequentemente habitantes nos cantões vizinhos aos países da UE, vivem em centros urbanos e tem um nível de escolaridade mais elevado.
Mas até dentro do próprio eurocepticismo existem diferenças, pois as pessoas são contra a adesão à UE por diferentes razões. Na verdade, a grande maioria nem é contra à UE em si, e até é favorável a um projecto de construção europeia. Os eurocépticos verdadeiramente contra a existência da UE acabam por ser uma facção minoritária da população.
A larga maioria é somente contra a adesão pois não está de acordo com a forma como a UE foi estruturada e temem os impactos negativos que a mesma terá no seu país. São, por isso, acima de tudo, defensores do seu próprio país e da sua individualidade face a uma UE, que se encontra, a seu ver, mal estruturada, e não opositores à ideia de uma união europeia em si.

“A Suíça necessita de uma Europa forte e seria erróneo pensar que ficaria a ganhar em ver a Europa em crise”

GC –
O principal parceiro comercial suíço é a UE. É do interesse da Suíça uma Europa economicamente forte ou, pelo contrário, a Suíça pode “brilhar” no meio de uma Europa em crise?
AV –
A Suíça necessita de uma Europa forte e seria erróneo pensar que ficaria a ganhar em ver a Europa em crise. Aliás, a própria Suíça teve de adoptar medidas decorrentes da crise da zona euro, pois a valorização do franco suíço face ao euro começou a prejudicar as exportações suíças para os países da UE. Mesmo assim, o crescimento económico da Suíça para o ano de 2012 foi revisto em baixa, em parte devido à crise na Europa. Como referi há pouco, a dependência económica da Suíça face aos países da UE é muito elevada – tanto ao nível das importações como exportações -, e esta para garantir a sua prosperidade económica necessita que também os parceiros europeus mantenham uma certa estabilidade.
Não nos podemos esquecer que apesar de a Suíça ser uma potência mundial, é ainda assim um país de pequenas dimensões, com recursos naturais escassos, e em muito dependente das suas importações e exportações. Um prolongar da crise económica europeia acabará por se fazer sentir na própria economia suíça e colocar em causa a sua prosperidade. Como tal, os suíços apenas terão a ganhar se a Europa ultrapassar esta crise. Pelo contrário, terão muito a perder se o impasse continuar e a crise económica se mantiver.

Saudades, sobretudo do mar


GC – Gostaria de publicar este seu trabalho académico?
AV –
A dissertação recebeu recomendação para publicação por parte do júri que a avaliou e, claro, seria um prazer enorme ter este trabalho publicado. Em especial porque acredito que pode servir de inspiração e exemplo para a introdução de instrumentos políticos que permitam aos cidadãos ter um papel mais activo na sociedade. É bom que também os portugueses tenham a consciência de que o actual sistema político com o qual convivemos – onde praticamente apenas temos uma voz activa somente aquando das eleições – não é o único modelo de organização exequível. Também é possível que haja uma implementação de modelos onde a população desempenha um papel activo, decide e apresenta propostas. A consciencialização de alternativas, para o qual espero que o meu trabalho contribua, poderá ser mais um passo para a democratização do nosso sistema político.

GC – Pensa seguir para doutoramento?
AV –
Actualmente não está nos meus planos seguir para doutoramento. Este último ano em que tive que conciliar a vida profissional com o mestrado foi muito intenso e exaustivo.
Agora desejo concentrar-me no meu emprego e em alguns projectos profissionais e pessoais que tiveram de ser adiados. Após a experiência que tive oportunidade de vivenciar com a realização da dissertação de mestrado, ganhei ferramentas e um conhecimento que gostaria de aplicar, de forma mais prática, antes de prosseguir para doutoramento. Assim, e não pondo completamente de parte de o fazer no futuro, actualmente as prioridades serão outras.

GC – Gostaria de leccionar?
AV –
Sim, teria um grande gosto em poder leccionar e de poder partilhar os conhecimentos que fui adquirindo ao longo dos últimos anos, especialmente ao nível da política europeia. Também, e após o estudo da sociedade Suíça, gostava de poder contribuir de forma activa para a promoção e implementação de mecanismos de participação política.

GC – Como é actualmente o seu relacionamento com as Caldas?
AV –
As Caldas da Rainha serão sempre a minha cidade, independentemente de onde viva. Apesar de ter somente 26 anos, já tive a oportunidade de viver em diferentes países (Bélgica, Eslovénia e agora Suíça), mas sempre que regresso a Caldas sinto-me verdadeiramente em casa. Nasci nesta cidade e tenho por ela um carinho muito especial. A minha família vive em Caldas e por regresso sempre a Portugal para férias. É nas Caldas que passo grande parte desse tempo.

GC – Pensa regressar a Portugal definitivamente?
AV –
O pensamento de um dia regressar a Portugal encontra-se naturalmente presente a cada dia que passa, pois uma parte do que nos define acaba por sempre estar ligada ao nosso país de origem. Espero que sim, que um dia possa regressar a Portugal e aproveitar tudo aquilo que o nosso país de muito bom também tem para nos oferecer. A perspectiva é de, no entanto, nos próximos anos ainda ficar pela Suíça.

GC –
Como é viver na Suíça? Há melhores condições de vida?
AV –
A Suíça dispõe, de facto, de um nível de qualidade de vida muito elevado. Quando abordamos temas como a segurança, o ambiente, a mobilidade, o mercado de trabalho, etc. a Suíça dispõe de óptimas condições que garantem um nível de vida acima da média europeia e mundial. Como tal, e em vários aspectos, viver na Suíça tem de facto as suas vantagens.
Mas o conceito de melhores condições de vida é mesmo assim algo subjectivo, e será importante referir que, como em qualquer país, também existem as suas desvantagens e os seus pontos fracos. O povo suíço não é tão afectuoso quanto o português e o custo de vida é também bastante elevado.

GC – Tem hobbies? A que se dedica?
AV –
Os meus hobbies vão variando um pouco conforme a situação e da disponibilidade que vou tendo. Neste momento, por exemplo, um dos meus hobbies tem sido aprender alemão – a língua que se fala no cantão onde vivo – de forma autodidacta, pois nunca aprendi a língua e somente a partir de 16 de Janeiro começo a ter aulas do idioma.
Também gosto muito de escrever sobre actualidade europeia e por isso tenho mantido um blogue com pequenas notícias sobre assuntos europeus de índole positivista, com o intuito de dar a conhecer uma faceta muitas vezes ignorada da Europa (oselodaeuropa.blogspot.com/ – apesar de não o actualizar há mais de um mês, fruto da pouca disponibilidade que tenho tido, espero voltar a escrever para o mesmo em breve).

GC – Do que tem mais saudades?
AV –
Apesar de quando se está longe serem várias as coisas das quais se sente falta, vou nomear as três principais. Antes de tudo, família e amigos, e de poder partilhar a minha vida com eles. Também há os aspectos próprios à nossa cultura, como a gastronomia, o café, a vida social, etc. que para mim são impossíveis de igualar aqui.
Por último, tenho muitas saudades do mar, e por isso a Foz do Arelho tem também para mim um significado muito especial. Não há nenhuma vez que visite Portugal sem ir pelo menos uma vez ver o mar.