Cidadãos enchem auditório para ouvir falar de democracia participativa

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A conferência contou com a participação de Ana Costa Leal, António Cândido de Oliveira, António Curado e Amélia Sá Nogueira

A necessidade de escutar a cidadania e de uma vivência plena da democracia a nível local, foram algumas das ideias chave deixadas pelos oradores da conferência promovida pelo Conselho da Cidade

A cada quatro anos os cidadãos elegem os representantes para a Assembleia da República e também para o governo local, através das eleições autárquicas. E o que acontece à cidadania durante esse período em que não se vota? António José Seguro, investigador e professor nas áreas sociais e políticas, considera que a participação dos cidadãos deve ser estimulada, de modo a reforçar o controlo democrático dos poderes.
O ex-secretário-geral do PS lembrou que, ao contrário do que acontece com a Assembleia da República, a Assembleia Municipal não tem poderes para destituir o executivo municipal. No poder local, “a assembleia e o executivo têm igual legitimidade, pelo que a vida do executivo não depende da assembleia” e, embora precise desta para lhe aprovar o orçamento, o executivo tem grande espaço de manobra para poder governar.
Por outro lado, o presidente da Câmara “não pode ser destituído politicamente”, a menos que os membros da sua lista se demitam e isso obrigar a uma nova eleição, sublinhou o antigo dirigente socialista no debate promovido pelo Conselho da Cidade.
Na conferência sobre Demoracia Participativa, que lotou o pequeno auditório do CCC na noite de 30 de novembro, António José Seguro realçou que “escutar a cidadania é uma cultura política própria, de democratas que consideram que esta não é apenas o voto de quatro em quatro anos, mas o envolvimento do maior número de pessoas que tenham contributos a dar para o bem do seu concelho”.
A cidadania pode ser incentivada com os cidadãos usando da palavra nas sessões públicas de Câmara e da Assembleia Municipal, assim como através de petições, de orçamentos participativos, referendos locais, emitindo opiniões nas redes locais, na comunicação social e através do associativismo.
Deve haver também, do lado do governo do município, esse incentivo no sentido de auscultar as opiniões dos cidadãos e de os ouvir.
“Não se trata apenas de colocar no sítio da internet da Câmara um campo a dizer “dê a sua opinião” e, de vez em quando, ir lá um funcionário ver as opiniões”, disse o socialista, revelando que os cidadãos são desincentivados à participação pública quando pensam que a sua opinião não é ouvida.
Para António José Seguro, quanto maior for a participação mais qualidade tem a democracia e será mais exigente o trabalho dos eleitos.
Questionado pela plateia sobre como incentivar a participação e reduzir a abstenção, o investigador falou da necessidade do exemplo, que tem de vir de cima, e que há razões de várias ordens: política, social e económica, que levam as pessoas a não exercer esse direito. Aos “desiludidos”, aconselhou a irem sempre votar, ainda que seja em branco, dando um sinal claro ao sistema do seu ponto de vista.
Já o envolvimento das mulheres na política em Portugal é difícil porque esta é “muito feita no masculino, muito agressiva”. “A politica em Portugal é muito condicionada pela forma como se discute futebol, as trincheiras e as trincheiras. É penalti se for a favor do meu clube, não há critério”, disse, arrancando fortes aplausos da plateia.
O orador mostrou-se favorável ao reforço dos poderes da Assembleia Municipal e da possibilidade desta destituir o executivo através de uma moção de censura construtiva. “O sistema eleitoral funcionaria da mesma forma e a assembleia municipal, com uma maioria distinta de eleitos diretamente poderia, caso encontrasse um executivo que substituísse o que estava, poder fazer essa alteração”, explicou.
Na sua opinião é fundamental que as pessoas sintam que há uma preocupação genuína, por parte dos eleitos, em atender o seu problema. “É essa cultura que considero que a Câmara das Caldas tem condições para poder iniciar e, inclusivamente, ser um exemplo no nosso país, se for feita de forma planeada, estruturante e estruturada”, manifestou.

O lado “afetivo” da democracia
António Cândido de Oliveira, docente universitário e especialista em política local, começou por falar do lado “afetivo” da democracia, destacando o amor pela nossa terra (democracia local) e pelo nosso país ( democracia nacional).
“Se não tivermos afeição, amor pela nossa terra, dificilmente nos importaremos com os seus problemas, com os seus anseios e nos interessaremos pela política local e, com ela, pela forma mais rica de a viver que é a democracia”, afirmou.
Numa intervenção focada na democracia local, António Cândido de Oliveira destacou que em democracia o poder pertence aos cidadãos, que o podem exercer através da democracia direta, representativa ou participativa.
“Sem participação o poder fica na mão de poucos e a democracia como poder dos cidadãos sai enfraquecida”, disse o orador, acrescentando que a democracia local assenta na informação, debate, deliberação, execução e avaliação. E existem, na sua opinião, aspetos que podem tornar mais forte a participação dos cidadãos, como é o caso dos sítios dos municípios na internet, que “precisam, em geral, de uma revolução. Eles devem ser locais onde encontramos a informação que pretendemos e não lugares de propaganda”, sustentou.
Para além de informarem os munícipes com “clareza e objetividade”, os sítios municipais devem reservar um espaço de relevo para as assembleias municipais, bem como para os grupos municipais, com autonomia sobre os conteúdos a colocar.
Referindo-se aos partidos políticos, defendeu que devem ser abertos e exemplo de democracia, na sua organização e funcionamento, procurando renovar-se através de novas filiações. Também os movimentos de independentes devem ser modelo de funcionamento democrático, acrescentou.
António Cândido de Oliveira mostrou-se crítico do Orçamento Participativo, no moldes em que é feito, pois apenas contempla uma pequena parte do orçamento geral do município, e considera que este deve ser um momento em que os cidadãos ficam a saber quais são e de onde vêm as receitas do município e para que se destinam.
Perante uma sala repleta, o orador falou ainda da importância dos meios de comunicação local, nomeadamente a imprensa, e da educação para a cidadania como forma de contribuir para o aumento da participação cidadã.
Também presente na conferência, o presidente da Câmara das Caldas da Rainha, Vitor Marques, corroborou da necessidade de refletir sobre a democracia participativa, considerando que “estamos muito amorfos”. O autarca, eleito pelo movimento Vamos Mudar, considera que muito desse trabalho começa nas escolas, que têm de ter uma formação diferente, valorizando uma cultura mais participativa.
A iniciativa contou ainda com a participação da presidente do Conselho da Cidade, Ana Costa Leal, e do médido e também membro desta associação, António Curado, como moderador do debate. ■

 

Apresentadas perto de 400 ideias para as Caldas

Iniciativa do Conselho da Cidade decorreu em menos de um mês e registou uma forte adesão

Amélia Sá Nogueira apresentou os resultados da iniciativa promovida pelo Conselho da Cidade

Incentivar à participação e reforço da cidadania ativa foi o pressuposto que esteve na base da iniciativa do Conselho da Cidade que, em menos de um mês, obteve perto de 400 respostas com ideias para as Caldas. O resultado dessa recolha, via e-mail, facebook e presencial, foi apresentado por Amélia Sá Nogueira, socióloga e membro do Conselho da Cidade, na conferência promovida por esta associação para a cidadania.
As ideias e propostas foram distribuídas por 10 categorias temáticas, sendo que a do ambiente e limpeza reuniu mais de 30% do total de sugestões apresentadas. Em segundo lugar aparecem as ideias para eventos e cultura, seguido de mobilidade e infraestruturas, depois segurança; participação e integração; habitação; apoios sociais e saúde; tecnologia e comunicação; trabalho e emprego; e outros.
No que respeita ao ambiente e limpeza foi sugerida a criação de um pequeno percurso de arborismo no Parque ou Mata, micro bosques urbanos, promoção de uma bolsa de “padrinhos” para manutenção dos espaços verdes, colocação de árvores na Avenida, a distribuição de sacos para o lixo com desenhos das crianças das escolas, entre outras. Ao nível da tecnologia e comunicação, foi apontada a criação de uma app que possibilite reportar situações de crime ambiental ou abandono de animais; fazer das Caldas uma smart city ou melhorar a qualidade de acesso à internet em algumas zonas da cidade e nas freguesias.
No campo da mobilidade, transportes e infraestruturas, os cidadãos propuseram a criação de um parque de campismo para visitantes caravanistas, a colocação de uma estrutura de vidro na Praça da Fruta para melhorar as condições físicas dos vendedores e clientes, a criação de uma rede de transportes funcional que ligue as freguesias e a cidade e equipamentos lúdicos para bebés e crianças com mobilidade reduzida.
Entre as diversas ideias para a área dos eventos, animação e cultura, estão a realização de um encontro anual de fotógrafos amadores, a identificação das esculturas na cidade, criação de um arquivo histórico-fotográfico das Caldas, ou a realização de uma feira bianual de cerâmica.
Amélia Sá Nogueira destacou a participação dos cidadãos, bastante mais elevada do que tinham registado em 2016, altura em que dinamizaram a primeira iniciativa deste género, e deixou o desafio para a criação de um mecanismo para que a sociedade civil possa continuar a dar as suas ideias. Tal como aconteceu em 2016, o caderno com as perto de 400 ideias para a cidade, foi entregue ao presidente da Câmara. ■