Maria Celeste Samagaio Rehn – uma história feliz na Suécia

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Gazeta das Caldas - Emigração
Maria Celeste vive na Suécia há 51 anos e todas as semanas recebe a Gazeta das Caldas

A primeira vez que pisou solo sueco foi ao sair do avião, um pequeno bimotor que a trazia desde Copenhaga, de onde, por sua vez, tinha vindo de Paris. E de Nice. E do Estoril. Maria Celeste estava em lua-de-mel, a viver um sonho de fadas e chegava, com o marido, à terra que passaria a ser sua. Vive lá, na Suécia, há 51 anos.

Quando era adolescente, Maria Celeste jogava o Jogo dos Postais e tinha correspondentes estrangeiros. Era aquilo que mais se assemelhava hoje às redes sociais. Os meninos e as meninas da sua geração trocavam cartas com correspondentes de outros países. Maria Celeste tinha-os na Alemanha, em França e na Suécia. E o Jogo dos Postais era muito divertido porque havia listas de endereços para os quais se enviavam postais ilustrados, recebendo depois outros de países distantes.
Para a jovem Maria Celeste Samagaio era até uma forma de praticar o seu francês, inglês e alemão que aprendera na alínea de línguas do 7º ano do curso dos Liceus no Externato Ramalho Ortigão.
Filha de um funcionário da FNPT (Federação Nacional dos Produtores de Trigo), Maria, “nascida e baptizada nas Caldas da Rainha”, como fez questão de dizer à Gazeta das Caldas, entrou na 1ª classe em 1948, com apenas seis anos. Estudou sempre no Ramalho Ortigão e só de lá saiu no 7º ano. O Ramalho Ortigão ficava então, na rua Miguel Bombarda e mais tarde junto à Garagem Caldas na rua Capitão Filipe de Sousa.
Em 1958 Maria Celeste Samagaio vai estudar para Lisboa. Primeiro para a universidade, para cursar Germânicas, mas não gostou. Mudou-se então para o ISLA (Instituto Superior de Línguas e Administração) onde fez o curso de tradutora-intérprete.
Mas por esta altura, e entre os magotes de cartas entregues pelo carteiro no âmbito dos intercâmbios com correspondentes (chegavam a ser 15 cartas por dia), há um que se destaca e que começa a fazer discretamente o seu caminho até se tornar praticamente o único. Chama-se Jan Rehn, é sueco, e num belo Verão pede autorização para vir visitar a sua correspondente portuguesa às Caldas da Rainha.
O que aconteceu a seguir resume-o hoje Maria Celeste: “os meus pais acharam graça, ele veio cá e a partir daí continuou a vir mais vezes até que me levou. Mas já casada!”.
O casamento realizou-se nas Caldas da Rainha em Julho de 1967. Da Suécia, além do noivo, só veio a irmã, cunhada de Maria Celeste, que a partir de agora passa a chamar-se Maria Celeste Samagaio Rehn. A lua de mel foi no Estoril Sol e depois numa viagem sem pressas para o Norte, com escala em Nice e Paris.
“Era tudo novo para mim, até o andar de avião pela primeira vez. Mas também foi dura a despedida, a família que veio dizer-me adeus ao aeroporto, as lágrimas nos olhos, os meus pais que não sabiam quando voltariam a ver-me”.

A PONTUALIDADE SUECA

Foi no dia 30 de Julho que aterrou na terra que hoje também chama sua – Malmö, a terceira maior cidade da Suécia. “O que me marcou foi ter a família toda do meu marido e amigos à nossa espera no aeroporto. Eu não sabia quem eram e, à moda portuguesa, dei dois beijinhos a toda a gente quando afinal ali o hábito era apertar a mão”. Foi o primeiro choque cultural, de muitos que se seguiram, mas aos quais Maria Celeste diz que se habituou. Um deles era a pontualidade. Ninguém chegava atrasado a nenhum encontro, ao contrário do que acontecia (e acontece) em Portugal.
Mas havia mais diferenças. “Na Suécia não se aplicava o provérbio português do ‘amigo do meu amigo, meu amigo é’, as pessoas são mais reservadas e não se entra facilmente no círculo de amizades. Enfim, isto hoje em dia, como os jovens suecos viajam mais, já não se aplica. E depois havia outra diferença grande com o Portugal dos anos sessenta que era uma certa liberdade nos costumes que era muito avançada. Aquilo não me chocava, mas demorei a aceitar”. Para isso contribuiu um conselho em jeito de provérbio que o seu pai lhe dizia: ‘em Roma sê romana´.
Em termos de qualidade de vida, a Suécia era naquela época, e ainda hoje, um dos melhores países do mundo para se viver e a jovem caldense usufruiu de tudo isso. Mesmo Malmö (a terceira maior cidade sueca a seguir a Estocolmo e Gotemburgo) é uma cidade bonita, com parques enormes e ruas limpas. “Aquilo no Verão é lindíssimo. Depois os dias começaram a ficar mas pequenos e em Outubro começou a nevar. Em Novembro já praticamente não se vê o Sol e em Dezembro os dias são tão pequenos que parece que é sempre noite. Mas não fiquei deprimida. Eu gostava, e ainda hoje gosto, de viver na Suécia”.
Durante 20 anos Maria Celeste não trabalhou. O ordenado do marido, que era mecânico de precisão numa fábrica de máquinas de escrever e calculadoras, mais as regalias (impensáveis para Portugal naquele tempo) do Estado Social sueco, permitia-lhe uma boa qualidade de vida.
Nascem os três filhos: Mikael, Helena e Anna. Hoje, a descendência já vai na terceira geração e Maria Celeste e Jan já têm seis netos.

A COMUNICAÇÃO

Se nos primeiros anos o casal luso-sueco continua a falar o inglês, a língua com que trocaram cartas e namoraram, em breve Maria Celeste começa a aprender o sueco. Não é um idioma fácil. “Mas eu, como sabia inglês, francês e alemão, e acho que o sueco é um cocktail daquelas línguas, acabei por conseguir. E depois também tinha estudado latim e há muitas palavras que vêm dessa língua”, conta.
Ainda assim, há um pormenor delicioso que ainda hoje Maria Celeste recorda da sua sogra. Para poder comunicar com a futura nora, a senhora tinha aprendido inglês num curso nocturno e isso valeu-lhes a possibilidade de comunicação nos primeiros anos.
Quando nasceu o primeiro filho, Mikael, este começou por ouvir o pai falar-lhe em sueco, a mãe em português e os pais a falar inglês entre si. Mas em breve a caldense acabaria a dominar perfeitamente a língua nativa.
Em 1988 Maria Celeste, então com 46 anos, é convidada para dar aulas de português aos filhos dos emigrantes. Na altura havia operários portugueses da antiga Lisnave que tinham ido obter formação no estaleiros de Malmö e que acabaram por ficar. As mulheres portuguesas trabalhavam numa fábrica de meias. Os filhos, na escola e nos jardins de infância, puderam assim ter aulas de português.
Mais tarde Maria Celeste tira um curso de educadora de infância e exerce a actividade durante algum tempo. E fazendo jus à sua formação académica, faz também alguns trabalhos de intérprete, sobretudo de sueco para português.
O casal Rehn está hoje reformado e vem duas vezes por ano a Portugal. Fica entre um e dois meses e só não estão seis meses em cada país porque fazem falta para ajudar os filhos com os netos. Portugal é, para toda a família, um país onde todos gostam de voltar. Desde o pai, Jan, aos filhos e aos netos. E um dos filhos tem até um site em sueco dedicado à terra da sua mãe – Caldas da Rainha. Um site que ele alimenta com as notícias da Gazeta das Caldas que a mãe, assinante, recebe todas as semanas em casa. “É o meu elo de ligação com Portugal e com as Caldas. Gosto muito de ver as novidades todas as semanas”, diz.
“Os meus filhos adoram isto e falam um bocadinho de português. O suficiente para se desenrascarem. E o meu marido também gosta muito de cá estar”, conta. “Na verdade, quando chegamos a Portugal ou à Suécia sentimo-nos como se estivéssemos a chegar a casa”.
A facilidade em viajar não é a mesma agora do que nos anos sessenta e setenta. Logo em 1967, o pai de Maria Celeste, Fernando Samagaio, foi passar o Natal com a filha à Suécia. A mãe, que também se chamava Maria Celeste, não foi porque tinha medo de andar de avião.
Nos 51 anos que leva a viver na Suécia (mais do dobro dos que viveu nas Caldas da Rainha), esta caldense diz que nunca se sentiu vítima de qualquer atitude discriminatória. Coisa que já não acontece a muitos estrangeiros, sobretudo refugiados, mas também como resultado de comportamentos de não integração.
“É uma matéria complexa. A enchente de refugiados… foram demasiados em tão pouco tempo. Chegaram a entrar milhares por dia e o impacto é muito grande. Mas há aqueles que procuram integrar-se, aprender a língua, estudar, ter um trabalho e os outros que não fazem nada por eles e anda ali só por andar. Não defendo que se devam fechar as portas aos refugiados, mas acho que tem de haver maior controlo”.