Mulheres mostram que trabalho e competência não têm género

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Joana Sá a dirigir um ensaio da banda filarmónica da Sociedade Musical e Recreativa Óbidos, onde é maestrina há pouco mais de um mês

Há profissões de homens? Gazeta das Caldas mostra quatro exemplos de mulheres que se distinguem em profissões que ainda estão muito associadas ao masculino e onde são reconhecidas pelos seus pares

Em 70 anos, a Sociedade Musical e Recreativa Obidense (SMRO) sempre teve maestros a dirigir a sua banda filarmónica… até recentemente. Há pouco mais de um mês que Joana Sá é a maestrina daquela filarmónica e a orquestra juvenil, cargos que acumula com o de diretora artística.
Foi precisamente em bandas filarmónicas que Joana Sá começou a aprender música. Fez o ensino articulado de música e o curso profissional de instrumentista de sopro na Academia de Música de Alcobaça e, em 2016, ingressou na universidade, onde se licenciou em Saxofone, seguido de um mestrado em Ensino da Música, em Saxofone e Música de Conjunto. Atualmente com 25 anos, reparte o seu tempo entre a pós-graduação em Direção de Banda, que está a frequentar em Leiria, a SMRO, o ensino e concertos.
“O principal é fazer música e partilhar esta paixão de várias formas”, sintetiza a caldense que sempre sentiu curiosidade pela direção musical.
Ser mulher e música não é incomum, mas uma mulher à frente de uma banda filarmónica é um caso raro na região e único, até à data, na SMRO. “É um meio ainda muito masculino mas não foi por isso que me senti impedida de fazer a candidatura”, conta Joana Sá. Nas formações ou cursos de direção de orquestra é normalmente a única rapariga e, por vezes há algum comentário, “mas são exceções”, diz, acrescentando que foi “muito bem recebida” e está perfeitamente enquadrada na banda de Óbidos.
A dirigir cerca de 40 músicos, de várias idades, Joana Sá quer dar continuidade ao bom trabalho que tem vindo a ser feito, mas também colocar o seu cunho pessoal. “Quero mostrar, principalmente às gerações jovens, que a música é um caminho que podem seguir e que não há limites de género nem de idade”, realça.
O currículo da Joana foi um dos 40 currículos (único feminino) recebidos pela direção da sociedade musical e acabaria por ser o selecionado. “É um sinal dos tempos”, diz o presidente da SMRO, José Aires, fazendo notar que pretendem que a música seja inclusiva e que traga todos, independentemente do género, e que também possa ultrapassar limitações físicas ou psíquicas que as pessoas tenham.

Ensinar a degustar vinhos

O vinho é uma paixão de Marisa Rosa. É com gosto que a escanção ensina o que sabe aos seus alunos

Marisa Rosa é atualmente a única mulher na equipa técnica da Escola de Hotelaria e Turismo do Oeste (EHTO) e ensina no curso de Restauração e Bebidas. É também Escanção, ou seja, especializou-se na área dos vinhos, pois não queria ser apenas empregada de mesa. Pretendia interagir mais com os clientes. “sugerindo um vinho ou um restaurante”, contou a formadora, de 41 anos, de Porto de Mós. Formou-se na Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra e trabalhou em hotéis com o da Quinta das Lágrimas (Coimbra) ou no The Vintage House Hotel, no Douro, onde estagiou e começou a fazer provas de vinho. Foi desafiada para chefiar equipas, em ambientes maioritariamente masculinos e de gente mais velha. Aos 24 anos já dirigia brigadas tendo recusado o posto de sub-chefe uma vez por achar que era cedo. Aceitou o desafio após ter feito formação em Liderança e Gestão e, de sub-chefe passou a Escanção, numa altura em que já trabalhava no Sheraton do Porto. “Nunca houve discriminação de género e, enquanto responsável por uma brigada, era chamada aos Recursos Humanos para esclarecer alguma situação que não tivesse corrido bem”, especificou.
“Em cada garrafa há uma história que leva um cliente a conhecer uma cultura e uma região”, disse. E ainda é algo que, com consumo moderado, “ aproxima as pessoas e proporciona o convívio”. Marisa Rosa integra um projeto familiar, uma loja de vinhos na Marinha Grande, e divide responsabilidades, há sete anos, com uma irmã e uma prima. A área dos vinhos ainda é sobretudo masculina mas já se provou que as mulheres “têm um sentido bem apurado e adequado a esta área. Acabámos por quebrar essa barreira que existia”, rematou Marisa Rosa. O chef Luís Tarenta, responsável pela área de Cozinha da EHTO, trabalha com Marisa Rosa. Conta que a sua colega não é fã de burocracia mas “a dedicação e o empenho em tudo o que faz supera isso”. Além do mais, diz que Marisa Rosa é reconhecida pelos colegas do meio “como muito boa escanção”. Para Tarenta, Marisa Rosa consegue passar aos alunos “a motivação e a curiosidade sobre o mundo dos vinhos”.

O sonho do futebol

Catarina Lopes trocou neste inverno o futebol português pela Finlândia, onde é jogadora e treinadora profissional

Desde pequena Catarina Lopes acompanhou o pai, Luís Lopes, no Beneditense, e a relação com a bola cresceu com ela. Começou a jogar nas escolinhas do clube. Nos iniciados, quando as equipas deixam de ser mistas, passou para o futsal, mas era o futebol que a chamava e um estágio nas seleções jovens validou o sonho. Fez uma carreira de ascensão no A-dos-Francos, no Sporting sagrou-se campeã nacional e foi 15 vezes internacional pelas Sub-19.
Em Portugal é difícil ser profissional no futebol feminino, mas isso não deteve Catarina Lopes, que ingressou na licenciatura em Treino Desportivo, na Escola Superior de Desporto de Rio Maior, para se tornar treinadora. Aos 24 anos, tornou-se a primeira mulher a treinar uma equipa masculina na Divisão de Honra distrital de Leiria, no seu Beneditense, onde já assumira a coordenação técnica de todo o futebol.
“Sou treinadora de futebol, é esta a minha profissão e estou disposta a agarrar qualquer oportunidade, desde que me desafie e me possibilite crescer a todos os níveis”, conta. A missão era difícil, salvar o clube da descida em apenas 5 jornadas, e ficou a apenas um ponto do objetivo.
Treinar uma equipa de homens “não foi diferente de treinar agora os Sub-12”, diz. “A aceitação foi natural, até porque grande parte deles já me conhecia e sinto que acreditaram no meu trabalho”, sublinha. No início deste ano, deu mais um passo na carreira, com a oportunidade de ir para o Ekenas IF, da Finlândia, como jogadora e treinadora de formação.
Catarina Lopes nunca sentiu “desvalorização ou sobrevalorização por ser mulher”, mas está ciente que, “num desporto ainda considerado por muitos, para homens, não tenho, nem terei vida facilitada”.
Mantém aspiração de ser jogadora profissional “em vários países, se possível em Portugal”, e como treinadora, “sonho disputar as melhores competições, de preferência no masculino”. Se neste momento isso “é algo difícil”, “sei que, para quebrar barreiras, é preciso quem acredite que é possível quebrá-las”, remata.

A vigilância no feminino

Maria João Pinto é vigilante numa empresa de segurança privada há quatro anos e considera que fazem falta mais mulheres nesta área

Maria João Pinto é vigilante numa empresa de segurança privada há quatro anos. “É engraçado, porque num mundo maioritariamente masculino, foi o único sítio onde não sofri preconceito, porque sou licenciada em Direito e quando acabei a licenciatura, engravidei e a barriga começou a crescer e não me renovaram contrato no local onde trabalhava. Fui a várias entrevistas em diferentes sítios e não me davam hipótese pelo facto de ir ser mãe, ao contrário do que aconteceu aqui”, conta. “Num mundo masculino, com entrevistadores homens eu vinha com pouca esperança, mas surpreendi-me, porque aceitaram sem problemas, fiz a formação grávida, a empresa permitiu-me tirar os seis meses de licença e comecei depois a trabalhar”, recorda. “Hoje em dia as mulheres, em termos de capacitação, estão em pé de igualdade com os homens. Se se dedicar, uma mulher faz o mesmo trabalho que um homem”, nota, acrescentando que “não há mais mulheres nesta área porque existe alguma reticência, não porque as empresas não contratem”. Defende que “fazem falta, porque conseguem dar perspetivas diferentes de trabalho, de resposta a situações e de trabalho em equipa”. Entre outros episódios caricatos nesta profissão, já tentaram arrombar a porta do CCC à noite, enquanto lá trabalhava. A maior dificuldade, “não como mulher, mas como mãe”, são os horários noturnos e aí vale-lhe o facto de “ter uma boa rede de apoio”. É que, enquanto vigilante, reencontrou um amor antigo, o caldense António Jesus, que é diretor de segurança na mesma empresa, a GIS Segurança Privada, com a representação no Oeste. Entre os 38 vigilantes, há cinco mulheres, a primeira em 2014 e cada vez mais. “Ainda temos clientes que não querem mulheres como vigilantes, mesmo que não o digam diretamente, mas geralmente não existe essa questão”, revela António Jesus. Tal ocorre especialmente junto de uma faixa etária mais alta. “No trabalho de segurança, não há postos para homens e para mulheres, existem competências pessoais”, realça. “A grande diferença nota-se na organização dos locais, são muito mais organizadas”, explica. ■