Em busca do vencimento líquido…

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Uma das principais preocupações dos empregadores é a atração e a retenção de talento. Constrangimentos contratuais à parte, uma das principais formas de o conseguir é através da oferta de condições financeiras favoráveis ao trabalhador, sendo que muitas vezes no momento da contratação negoceiam-se valores líquidos a atribuir ao invés da retribuição mensal ilíquida.
Cumpre-nos analisar em que medida esta negociação e fixação em valores líquidos pode constranger a relação laboral para futuro.
Em primeira análise, existe uma dificuldade prática de integração do trabalhador. Vejamos:
Quando um trabalhador é contratado para um determinado posto de trabalho, para uma categoria profissional concreta, vai integrar-se na maioria dos casos numa determinada equipa já existente. Esta equipa é constituída por vários profissionais com categorias e antiguidades díspares, e cada um tem já as suas condições contratuais definidas. Pois bem, a chegada de um novo elemento obriga-nos ao esforço comparativo para garantir que cumprimos o princípio de trabalho igual, salário igual.
Caso contrário, ao resolver um problema (falta de mão de obra), criamos outro (discriminação interna).
Ultrapassada esta questão, passamos ao problema da gestão administrativa do salário, como garantir que o valor líquido negociado será atingido mensalmente. Ora, para estarmos em sintonia, convém relembrar que o salário líquido implica o valor que o trabalhador vai receber de facto, já expurgado de todo o tipo de descontos (IRS e Segurança Social) e, se a Segurança Social é uma percentagem fixa, já o IRS depende dos rendimentos em si, pelo que implica efetuar simulações.
Por outro lado, ao negociar um valor líquido a empresa não pretende aumentar o custo médio do trabalhador. Façamos um parêntesis:

Um trabalhador custa em média mais 25% do que o valor bruto que lhe é atribuído (subsídios e complementos, 23,75% de segurança social, mais seguro, medicina no trabalho, segurança no trabalho) e recebe 14 meses apesar de só trabalhar 11 meses. Assim, para cumprir o pagamento do salário mínimo (€580,00 em 2018), um empregador estará a suportar em média cerca de €845,00/mês.
É aqui que entram as soluções – aparentemente – milagrosas: ajudas de custo, km’s, tickets, “cartão dá”, prémios. Problema: caso estas quantias, algumas das quais isentas, não visem efectivamente a finalidade legal são consideradas retribuição e como tal um direito adquirido do trabalhador, sujeito a descontos e devido 14 meses, o que poderá implicar o pagamento de retroactivos aos trabalhador e o ressarcimento dos descontos que não foram efectuados, acrescidos claro dos processos contraordenacionais e inerentes aplicações de coimas. Podendo em última instância, estar perante uma situação de crime de fraude fiscal.
Em 2018 assistiu-se a um “apertar do cerco” em termos de fiscalização conjunta das entidades oficiais, em concreto da Autoridade para Condições de Trabalho e a Segurança Social, o que leva a crer que a tendência será cada vez mais fazer o cruzamento de dados e procurar situações irregulares nestas matérias, pelo que se exige um maior cuidado por parte dos empregadores.

Catarina Gregório Luís
Advogada na Lacerda Dias & Associados- Sociedade de Advogados, R.L