Acerca da reorganização dos Cuidados Hospitalares na Região Oeste

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No dia 24 de Fevereiro de 2012 escreveu-se uma página de História nas Caldas da Rainha quando mais de 2 mil pessoas envolveram os dois Hospitais da Cidade – num abraço simbólico. Todos perceberam que Caldas da Rainha está perante um dos maiores desafios e encruzilhadas de sempre e de cujo resultado dependerá o seu futuro. A voz dos que se manifestaram e os legítimos interesses de todos os que são servidos pelos seus dois Hospitais, não podem ser esquecidos.
É por causa desse enorme desafio que decidimos levantar também a nossa voz, a voz de quem se dedicou de alma e coração aos dois Hospitais e não pode ficar indiferente, nem calado perante a inadequação de algumas das propostas oficiais apresentadas.
Nunca é demais lembrar que as Caldas da Rainha tem uma vocação que, em contínuo, remonta aos finais do século XV, época em que a Rainha D. Leonor aqui fundou a primeira unidade de Portugal com as características dos Hospitais que hoje conhecemos, dando início à história hospitalar portuguesa. Juntamente com a criação do Hospital de Todos os Santos e das Misericórdias, a Fundação do Hospital Termal foi o primeiro passo de uma verdadeira reforma da assistência em Portugal, facto que deve merecer o maior respeito e valorização por parte das autoridades da Saúde no nosso País.
Os caldenses sentem que o seu Centro Hospitalar, pelo trabalho profícuo e empenhado que tem desenvolvido, merece, na actualidade, o seu honroso passado, o qual inclui um conjunto de contributos e memórias que figuram na História dos Hospitais Portugueses, no qual se insere o avanço de soluções arquitectónicas e ecológicas, incluindo processos de trabalho do antigo Hospital de Santo Isidoro, precursor do Hospital Distrital das Caldas da Rainha.
Trata-se de referências que devem ser citadas sempre que é oportuno incentivar a nossa consciência histórica, lembrando a originalidade da Fundação da comunidade caldense, que tem procurado merecer, ao longo dos Séculos, o legado e a vocação que, afinal, a identificam.

INICIATIVA DA ARS É UMA “AFRONTA”

A iniciativa da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, intitulada “Proposta de Reorganização da Região Oeste. Cuidados Hospitalares” vem não só afrontar as longas e enraizadas tradições hospitalares das Caldas da Rainha, mas igualmente contrariar todos os anteriores documentos de planeamento hospitalar procedentes do Ministério da Saúde, respeitantes aos dois Hospitais da Cidade. Tratando-se de um organismo regional não se compreende que venha dizer o contrário do que sempre têm sido as opções do nível superior de planeamento do Ministério da Saúde, tanto na Lei, como em documentos produzidos pelo antigo Departamento de Estudos e Planeamento e agora pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), onde aquele foi integrado. Lembramos que a ARSLVT apresenta a sua proposta sem fundamentação convincente, no domínio do planeamento.
Quanto ao Hospital Distrital, o documento da ACSS intitulado ‘Contributos para a Reforma Hospitalar’, datado de Outubro de 2011, diz quanto ao CHON: «Este CH destina-se a 175 000 habitantes. Fez-se recentemente um estudo detalhado de um novo Hospital Oeste Norte que substituísse os três hospitais actuais.» Ora, os dados de planeamento mantêm-se inalterados: não houve mudança de população servida pelo CHON, nem alteração da responsabilidade que lhe está atribuída, em termos de cuidados a prestar.
Neste último aspecto, a Rede de Referenciação Hospitalar de Urgência/Emergência, mantida em vigor, desde 2001, atribui às Caldas da Rainha o nível de Urgência Médico-Cirúrgica, e disso não podemos abdicar, prescrevendo para esse nível, o seguinte:
«Os hospitais com Serviço de Urgência Médico-Cirúrgica devem dispor de:
• Medicina Interna
• Cirurgia Geral
• Ortopedia
• Anestesiologia
• Cardiologia
• Neurologia
• Oftalmologia
• ORL
• Urologia
• Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente
• Bloco Operatório
• Imuno-hemoterapia
• Diálise para situações agudas
• Imagiologia (Radiologia convencional, Ecografia simples, TAC)
• Patologia Clínica (devendo assegurar todos os exames básicos).»

Quanto ao Hospital Termal Rainha Dona Leonor, há que lembrar os seguintes factos:
A Lei de Bases da Saúde reconhece a hospitalização termal ao mesmo nível da restante hospitalização, ao estabelecer no nº.3 da sua Base XXXIX o seguinte: «Compreendem-se na hospitalização privada não apenas as clínicas ou casas de saúde, gerais ou especializadas, mas ainda os estabelecimentos termais com internamento não pertencentes ao Estado ou às autarquias locais.»
O Hospital Termal é, contudo, um Hospital Central Especializado, legalmente classificado como tal desde 1962 e está desde sempre integrado no SNS. (Não se compreende, assim, que a ARSLVT nem sequer o inclua na lista dos Hospitais da Região Oeste e que o refira como fazendo parte do Hospital Distrital).
O último documento de planeamento ainda em vigor porque aprovado nas suas conclusões, por despacho ministerial, é o Relatório do Grupo Interdepartamental para o Estudo e Proposta de Medidas de Recuperação do Hospital Termal Rainha D. Leonor, de 1984, em cuja composição participou a própria Câmara Municipal das Caldas da Rainha. Este documento define a Hidrologia Médica como a base da actividade do Hospital, a partir das indicações terapêuticas da sua Água Mineral Natural, atribuindo-lhe, por essa razão, as especialidades de Reumatologia (com cirurgia reumatológica, em ligação com a Ortopedia do Hospital Distrital) e de Medicina Física e de Reabilitação.
O Hospital Termal foi devidamente considerado no Relatório do Grupo Técnico para a Reforma dos Hospitais, apresentado ao Senhor Ministro da Saúde no final de Novembro de 2011, sendo proposta a avaliação das «oportunidades que permitam potenciar competências específicas, como é o caso do Hospital Termal Rainha D. Leonor, nas Caldas da Rainha».
Ora, para pôr de lado reiterados documentos de planeamento e de tradições enraizadas, fortíssimos teriam que ser os fundamentos e, diríamos, que muito graves teriam que ser os factos. Só alterações profundas nos pressupostos em que assentam as instituições, poderiam a tal obrigar. Mas não é este o caso, pois não se alterou até à data, nenhum dos pressupostos que justificaram cada um dos hospitais das Caldas da Rainha.
O Hospital Distrital das Caldas mantém intacta a sua área de influência e o Hospital Termal mantém o valor da Medicina que pratica e o potencial económico que representa.

SÃO POSSÍVEIS OUTRAS ALTERNATIVAS À FUSÃO DOS HOSPITAIS DO OESTE

Como portugueses e patriotas estamos na primeira linha de combate a todo o euro mal gasto, seja na Saúde, seja em qualquer outra actividade do Estado. Todavia, há que afirmar claramente que a solução avançada pela ARSLVT não é a única a merecer ser considerada, pois o Oeste não é uma região homogénea, nem fechada em si mesma. De facto, é possível desenhar e estudar outras alternativas à fusão dos Hospitais do Oeste, quer a Sul, quer a Norte, quer a Oeste, quer ainda no recurso a Unidades Locais de Saúde. Sublinhe-se ainda que a própria solução da fusão Torres/Caldas já sofreu alterações significativas desde a sua apresentação inicial, provando a sua natureza volátil e predominantemente política, sem uma base técnica aceitável de planeamento, que a sustente. Não esqueçamos ainda que é em Lisboa que se faz sentir o principal impacto da criação dos dois novos Hospitais de Loures e VF de Xira, nada se sabendo do que, neste contexto, a ARSLVT propõe para a Capital.
Perante a perspectiva de criação de um novo Centro Hospitalar, impõem-se que as resoluções a tomar sejam as mais correctas, considerando a qualidade e a humanização que devem presidir à prestação de cuidados de Saúde, seu principal desígnio. Toda a racionalidade a implementar neste domínio, tem que respeitar os princípios que prevalecem no exercício da Medicina, pelo que as decisões devem ser ponderadas e consentâneas com os valores que lhes são inerentes.
O HD das Caldas da Rainha possui um grau de diferenciação irreversível, localizando-se numa área privilegiada, a norte da Região Oeste. De acordo com os conceitos emanados da Organização Mundial da Saúde, satisfaz todos os critérios que definem a implantação de uma unidade hospitalar diferenciada, nomeadamente, os de irradiação e população base. A sua atracção não reconhece fronteiras concelhias, nem distritais, gerando uma procura confortável para justificar plenamente a sua existência, as responsabilidades que lhe estão atribuídas e a capacidade técnica instalada.
A garantia de que serão respeitadas as boas condições de acolhimento dos Utentes do actual CHON, constitui um imperativo categórico, considerando, inclusive, os aspectos de adequada proximidade quanto à prestação dos cuidados assistenciais de que carecem.
Quanto ao Hospital Termal é profundamente lamentável a coincidência de se propor o seu encerramento no ano em que se comemora o V Centenário do “Livro do Compromisso”, assinado pela própria Rainha D. Leonor em 18 de Março de 1512, do qual existe um exemplar original, no acervo documental da nossa venerável Instituição. Para entender o seu papel actual basta considerar as imensas necessidades de metade da população portuguesa, portadora tanto de doenças do foro respiratório, como do foro reumatismal, para se poder entender o carácter atentatório da proposta do seu encerramento, tanto no que diz respeito à Medicina, como à Economia do país. Perante a imensidade de Doentes que podem beneficiar dos tratamentos hidrológicos nas Caldas da Rainha, será que o Ministério da Saúde não tem expediente suficiente para facilitar e promover o acesso de escassos 5000 aquistas, os necessários para reequilibrar a gestão do Hospital, sem recurso ao Orçamento do SNS? Não acreditamos que seja possível tamanho erro.

AS NOSSAS PROPOSTAS

Levantamos, pois, a nossa voz em defesa dos Hospitais das Caldas da Rainha por um imperativo de consciência e de cidadania. Dado, porém, que não queremos ficar apenas numa posição crítica e de indignação e convictos de que a sensatez tenderá a vencer no final, avançamos com as seguintes propostas:
– Que seja reconhecido todo o esforço de planeamento do Ministério da Saúde realizado no passado, relativamente a cada um dos Hospitais da Cidade das Caldas da Rainha e reafirmadas as opções assumidas.
– Que a solução que vier a ser tomada para o Hospital Distrital assente num estudo que avalie as condições de viabilidade económica, na relação entre a produção, o financiamento e os custos de exploração, tendo em conta a situação aflitiva em que o mesmo se encontra, face ao deficit acumulado.
– Que a estrutura organizacional e gestionária a adoptar no futuro, tenha a sua sede nas Caldas da Rainha, tendo por base a dimensão e diferenciação do seu Hospital e a referência da população servida.
– Que a estrutura clínica e de gestão tenha em conta o documento elaborado pelo signatário, Mário Gonçalves, apresentado à Assembleia Municipal das Caldas da Rainha, o qual teve como base o Programa Funcional para a remodelação e ampliação do HD das Caldas da Rainha, datado de 1996, então elaborado por uma equipa da Divisão de Acreditação e Auditoria da Direcção Geral da Saúde (DGS).
– Que o Hospital Termal seja mantido no SNS e nele tenha pleno aproveitamento. Para tanto deverá o Ministério da Saúde continuar a promover a acreditação científica, clínica e económica, do uso da sua Água Mineral Natural e facilitar o acesso de Doentes aos cuidados nele prestados, de forma a retomar a autonomia económica que já teve.
– Que a gestão do Hospital Termal tenha as características de autonomia necessárias ao pleno aproveitamento das suas potencialidades.
– Que, em paralelo às decisões imediatas de sobrevivência, seja tomada uma iniciativa de concessão dos Pavilhões do Parque (existindo já trabalho útil realizado), de forma a criar condições de captação de uma procura termal de maior poder económico do que a procura maioritária tradicional do Hospital.
Os signatários dispõem-se a contribuir, graciosamente, para qualquer estudo, acompanhamento  ou acção que vise o êxito das soluções que vierem a ser aprovadas,  por forma a assegurar a defesa dos superiores interesses locais, regionais e nacionais, relacionados com os dois Hospitais da Cidade das Caldas da Rainha.

Mário Gonçalves

(Ex-Presidente do CA do CHCR)

Jorge Varanda

(Ex-Administrador Delegado do CHCR)

Vasco Trancoso

(Ex-Presidente do CA do CHCR)

* Subtítulos da responsabilidade da redacção