«O Colecionador de Erva» de Francisco José Viegas

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Depois de «O mar em Casablanca» em 2009, Francisco José Viegas (n. 1962), editor, jornalista, cronista e poeta com livros editados no Brasil, Itália, França Alemanha e República Checa, surge com esta ficcão recente («8 de Abril de 2003») no qual o inspector Jaime Ramos envolve toda a sua equipa: Isaltino de Jesus, José Corsário, Olívia, Jacinto, Dulce e Vasco.
Quase dobrados os 60 anos, Jaime Ramos julga saber o que é a idade («a idade não é o tempo que passou; é o tempo que resta») e, por isso, desabafa: «desperdicei a minha vida com mortos que não me pertenciam. Fiquei mais velho e mais desapontado». O ponto de partida e o grande desafio à capacidade do inspector são três cadáveres (Arkadi Tarasov, Mikhail Polianov, uma mulher africana) cuja morte é preciso deslindar mas a boa memória de Jaime Ramos é apenas pessoal: «Não está ao serviço do país, não pertence ao Estado. Custou muito a conservar, custou muito a reter, está cheia de vícios.»

O Portugal do livro é um país onde o nome das famílias aguentou todas as revoluções e todos os terramotos desde 1834 e onde há cada vez mais «negócios vivos, viagens-relâmpago a Angola, de onde vem dinheiro, cada vez mais dinheiro». Um país onde os jornais mudaram muito: «Já não há os horários dos comboios, os resultados da terceira divisão ou das distritais só aparecem à terça-feira , já não há aquele quadro com a partida dos navios do porto de Leixões, os preços dos produtos agrícolas no mercado, há menos anúncios sobre gente desaparecida. Desapareceu de casa de seus pais.» Mas, mesmo assim, muitas raparigas fogem: «Porque a vida é curta e as raparigas querem vivê-la depressa. O pai ressona de noite no quarto ao lado. Os irmãos são gente desconhecida. As mães podem ser ciumentas ou, se não forem ciumentas, são injustas, impacientes, fazem concorrência. O namorado é uma parte bandido e uma parte aventureiro» Este é um Portugal entre a esquerda dos operários («tão justos, tão honestos, tão preciosos e amáveis – e tão duros, inflexíveis, sábios, resolvidos») e uma direita de famílias: «Os filhos fumam cedo demais, recusam ir às aulas suplementares de Matemática, chegam tarde a casa, trazem droga nos bolsos, bebem álcool, roubam pequenos objectos de casa, imitam personagens de televisão e vidas do cinema.»
Bem no centro desta ficção, o título do livro: «ele, engenheiro, era penas um colecionador de erva que, de cidade em cidade, consoante a ordem decidida com meses de antecedência, distribuía códigos, números, amostras – e às vezes, encomendas postais que Luís Ferreira não podia enviar por correio». Impassível, o poster de Teófilo Cubillas continua na secretária de Jaime Ramos, sempre, passando ao lado de todas as histórias, ele que veio substituir Pavão morto em pleno estádio no minuto 13 da jornada 13 frente ao Vitória de Setúbal em 1973.

(Edição: Porto Editora, Capa: Sofia Barbosa, Imagem: Subbotina Anna)

José do Carmo Francisco