Crónica do Québec (Canadá) – Em busca duma cerveja numa tarde de Domingo

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De novo e uma vez mais de volta a este magnífico país, depois duma rápida visita de sete dias ao oeste lusitano, e não havendo nada de especial a dizer, no que, ao nosso país de acolhimento diz respeito, mas não querendo também, ser mais um dos muitos arautos da desgraça que aparecem por aí em todas as tribunas, lembrámo-nos de mais uma caricata situação por que passámos na véspera da viagem de regresso, e que serve apenas para acentuar a amplitude das diferenças nas formas de estar, de viver e de funcionar, das duas sociedades que melhor conhecemos.

Uma que peca eventualmente pelo excesso de zelo, de organização (como tanto gosta de repetir a nossa companheira) e de hábitos de trabalho dos seus habitantes e outra que, apesar dos apelos constantes da camada dirigente, insiste em guardar vícios antigos, que se reflectem na repetição de múltiplas oportunidades perdidas e sempre acompanhadas por renovadas promessas de não se permitir no futuro, (quanto mais distante melhor…), o que de errado se fez no passado recente. Promessas ocas afinal.
Voltemos então àquele fim de manhã de Domingo, do dia 2 de Outubro. Enquanto se fechavam as malas para a longa viagem transatlântica do dia seguinte, é-nos proposto pela nossa companheira, aproveitarmos o magnífico dia de Sol, na pachorrenta calma do amplo terraço do apartamento no centro das Caldas, e em vez de irmos almoçar entre a confusão domingueira dos restaurantes da zona, como prevíramos na véspera, prepararmos uma refeição simples e rápida que degustaríamos na calma do nosso pequeno e silencioso espaço caldense.
Adoptámos a sugestão de imediato, mas um pequeno problema surgiu. Como o frigorifico já estava a descongelar desde a noite anterior, prevendo vários meses de inactividade, e como a temperatura ambiente ultrapassava alegremente os 30 graus centígrados, a refeição teria obrigatoriamente de ser acompanhada por uma boa cerveja fresquinha, que não tínhamos. Estando já mentalmente a caminho de Montreal, de imediato decidimos dar um salto à loja da esquina para comprar a bebida, como fazemos desde há cerca de 35 anos em situação similar, no nosso país de adopção.
Olvidando que o nosso espaço físico ainda era Caldas da Rainha, descemos as escadas do prédio e dirigimo-nos calmamente a um dos supermercados da ampla alameda, excepcionalmente livre de carros, que termina na estação dos comboios, quando os há, e que já nos servira algumas vezes durante as nossas diversas estadias na cidade. Depois de um curto passeio de alguns minutos a pé, ao chegarmos à porta do estabelecimento, encontrámos a mesma encerrada. Decepcionados, ficámos uns segundos mirando o interior, calmo e escuro e sem qualquer movimento. Era óbvio que ainda não estávamos em Montreal, ou na nossa pequena cidade de Longueuil, onde a qualquer hora do dia ou da noite, este género de pequena necessidade se satisfaz rapidamente, sem qualquer esforço, e no respeito dos direitos de todos.
Mas afinal o hiper-mercado estava mesmo ali ao lado, e se tivéssemos vindo de viatura, em menos de três minutos estaríamos lá. Voltámos ao nosso prédio, agora com o passo um pouco mais apressado, pegámos no carro, e fomos até à grande loja, que felizmente estava aberta, e dispunha da tal cervejinha bem fresquinha, que iria acompanhar o nosso almoço de Domingo.
Uma vez à mesa, o tema da conversa, como não poderia deixar de ser, foi a pequena aventura que constitui a compra de uma simples cerveja fresca nas Caldas numa tarde de Domingo de Outubro, com um Sol abrasador, que mais adequado seria ao pretérito mês de Agosto. No Canadá, a satisfação deste tipo de necessidade, pode ser realizada numa das chamadas lojas de conveniência, ou dépanneur, como aqui se diz, nos quais o serviço nos é facultado por apenas um ou uma funcionária, geralmente um dos proprietários do espaço, ou por um jovem estudante que vai ganhando uns trocos para as despesas pessoais. Pode até estar aberto 24 horas por dia, ou, como aí, num grande espaço comercial que funciona até às 23 horas diariamente. Estes, a partir de determinadas horas e em dias feriados, ou Sábados e Domingos, funcionam obrigatoriamente com pessoal reduzido, exactamente para não afectarem em demasia a actividade dos pequenos comércios.
Em Portugal, tudo se passa exactamente ao contrário. Os pequenos espaços, numa atitude de desrespeito pelos clientes, encerram as portas, e os grandes espaços funcionam normalmente. Será que, da próxima vez que necessitarmos de uma cerveja ou doutra coisa qualquer, voltamos a pensar na pequena loja vizinha da nossa casa, ou decidimos pegar de imediato na viatura, e nos dirigimos ao hiper-mercado. Cremos que levantar a questão, é responder-lhe.
Numa altura em que a crise económica se faz sentir de forma premente, não haveria forma de manter este tipo de mercados abertos ao Domingo, criando com isso mais alguns postos de trabalho, mas racionalizando obviamente os custos de operação, apenas com a presença dum número mínimo de funcionários, que poderiam, tal como aqui, ser jovens estudantes, (ou será que estes, como no nosso tempo, continuam a gozar anualmente três meses de férias grandes?) necessários à satisfação das necessidades básicas dos clientes? Ou vamos continuar a lutar por causas antecipadamente perdidas, acompanhadas por muitas manifestações de rua, com apelos que soam muito bem, mas ninguém ouve? Honestamente, sendo conhecedores dos hábitos dos povos ibéricos, vamos pela segunda opção.

J.L. Reboleira Alexandre
jose.alexandre@videotron.ca

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