O presidente da Associação Comercial dos Concelhos das Caldas da Rainha e Óbidos, João Frade, teme que o aumento do IVA para a taxa máxima de 23% na restauração, que consta da proposta do Orçamento do Estado de 2011 entregue na segunda-feira à Assembleia da República, possa levar a despedimentos e ao encerramento de vários estabelecimentos neste sector.
Na sua opinião, os comerciantes ver-se-ão obrigados a aumentar os preços dos produtos por causa do aumento da taxa de 13% para 23%. Este facto, somado ao aumento das matérias-primas e ao menor poder de compra dos portugueses, poderá fazer diminuir muito o consumo nestes estabelecimentos. “Isso levará ao despedimento de funcionários, porque os comerciantes poderão não ter capacidade para manter todos os actuais, e ao encerramento de alguns estabelecimentos”, disse à Gazeta das Caldas.
Segundo João Frade, os comerciantes terão que ter alguma estratégia nos preços que venham ou não a aumentar para acompanhar a subida da taxa do IVA. Há produtos simbólicos, como o café, que poderão manter-se ao mesmo nível “como forma de manterem os seus clientes”.
Dos mais de 800 associados da ACCCRO, cerca de um terço são cafés, restaurantes e bares. “É um sector que tem muito peso na economia e que dá muitos empregos”, salientou João Frade.
O dirigente associativo acha que as medidas que estão a ser tomadas vão levar a uma grande redução do consumo no país e que, não será só o sector da restauração, mas sim todo o comércio que se irá ressentir.
Na passada terça-feira Gazeta das Caldas falou com alguns comerciantes (ver caixa), alguns dos quais ainda não sabiam que o aumento já constava do Orçamento de Estado. Com mais ou menos esperança no futuro, os empresários da restauração das Caldas querem continuar o seu negócio.
Perda de receitas de 1,8 mil milhões de euros
A Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) também já avisou que a subida do IVA na restauração poderá levar à extinção de cerca de 120 mil postos de trabalho e à perda de receitas na ordem de 1,8 mil milhões de euros.
A direcção da AHRESP já solicitou uma audiência ao primeiro-ministro, Passos Coelho para debater este tema. Em declaração à agência Lusa, o secretário-geral da associação, José Manuel Esteves, disse que só depois desta audiência a associação irá tornar pública a sua posição sobre o aumento do IVA na restauração e anunciar eventuais formas de luta.
Antes de se confirmar o aumento, a AHRESP emitiu um comunicado em que avançar com a possibilidade “ponderar e reflectir na tomada de medidas que possam levar à não cobrança dos eventuais aumentos do IVA, como exercício do direito à indignação”, assim como realizar um protesto designado “Dia Nacional Sem Restaurantes”.
Henrique Santos –La Piazza Pizzaria
“É um choque. Esperava que o aumento não avançasse, mas é o país que temos.
Nós praticamos preços acessíveis nas refeições, mas se isso acontecer vou ter que aumentar de acordo com a taxa do IVA. As matérias-primas que utilizamos para fazer as massas e as pizzas são caríssimas em Portugal. Por exemplo, eu estive na Alemanha durante muitos anos e lá comprava-se 125 gramas de mozzarella por 49 cêntimos, mas em Portugal pagamos 1,19 euros. O meu fornecedor diz que a viagem é mais longa…
Continuo a ter o mesmo número de clientes à hora do almoço, mas nota-se que ao jantar há menos pessoas a comer fora.
Tenho quatro funcionários a tempo inteiro e a pizzaria não poderia funcionar com menos”.
Norberto Marcelino – restaurante Sabores D’Itália
“O que nos vale é que temos muitos clientes estrangeiros, mas veremos se eles continuam a vir depois de termos que aumentar os preços por causa da subida da taxa do IVA.
Vamos ter que repercutir essa subida no preço final e esperemos que os clientes não se afastem. Vamos ter que apresentar alguns pratos ‘mais em conta’.
As pessoas estão com menos poder de compra e nós ainda temos que aumentar os preços?
A seguir ao comunicado do primeiro-ministro sobre os novos cortes notámos logo menos clientes. Notou-se logo que houve uma quebra psicológica nas pessoas.
O restaurante tem seis funcionários a tempo inteiro, incluindo eu e a minha mulher, e mais um a meio-termo. Se diminuir muito o número de clientes, provavelmente seremos obrigados a despedir. Não há hipótese, não faço milagres.”
António Monteiro – restaurante Camaroeiro Real
“Recebi a notícia da subida do IVA sem surpresa, mas muito apreensivo. De certo que isso não será benéfico, nem irá resolver problema nenhum em termos de futuro.
Tinha alguma esperança que houvesse bom senso e que não se fosse por esse caminho.
Já há menos pessoas a irem aos restaurantes porque tiveram cortes nos ordenados e agora vão tirar directamente, aumentando o IVA na restauração.
Antes já se notava uma quebra substancial no número de refeições que servimos. No nosso caso é uma quebra de 20% em relação há um ano e a tendência é a piorar.
Isto faz com que nós nos reajustemos. Vamos cortando em pessoal e em muita coisa, até onde pudermos.
Há cerca de quatro meses tivemos que despedir dois funcionários e neste momento temos 10 pessoas a tempo inteiro, em virtude da carga horário do restaurante.
Como toda a gente, vamos ter que aumentar alguns produtos, mas ainda estamos a meditar sobre isso.
O que também pode prejudicar bastante este ramo são os estabelecimentos que para manterem os clientes baixam muito os preços e acabam por perder dinheiro”.
Lurdes Vitória – Pastelaria Doce Pecado
“Ainda não sabia que estava decidido a subida do IVA e fiquei agora muito surpreendida. Vai ser muito mau para os restaurantes e cafés, ainda esperava que essa medida não avançasse. É uma má notícia para toda a gente.
Vou ter que fazer reflectir esse aumento do IVA no preço final dos nossos produtos. Ainda vou fazer contas para ver quais os preços é que poderei manter.
Tenho duas funcionárias a tempo inteiro, para além de mim, a trabalhar na pastelaria. Posso ter que reduzir no pessoal, vamos ver o que acontece para o ano. Até agora o número de clientes tem-se mantido.”
José Elói – Restaurante e Café Maratona
“Eu não estou muito alarmado com isso, mas ainda tenho que me informar melhor com o meu contabilista.
Provavelmente essa diferença terá que ser comportada pelo cliente, porque eu não terei condições de suportar esse aumento de 13% para 23% no IVA.
Depois, por causa disso, não poderemos fazer os aumentos relativos a todos os outros aumentos que existem todos os anos. Há dois anos que não conseguimos mexer nos preços, embora tudo aumente de ano para ano. As nossas margens de lucro estão sempre a descer.
É um período difícil e temos que tentar aguentar o negócio. Somos 16 pessoas aqui a tempo inteiro, no restaurante, café e cozinha. Eu acho que vou conseguir manter todos os postos de trabalho.
Estou mais preocupado com as obras previstas para a praça 25 de Abril (construção do parque de estacionamento subterrâneo)”.
José Bernardo – Café Q Doce
“Ainda não sabia que a subida do IVA tinha sido decidida e acho que nem queria saber. Isto vai prejudicar muito a restauração.
Vou ter que fazer as minhas contas e saber se vou aumentar ou não os preços. Enquanto puder suportar mantenho os preços, mas as margens de lucro já são muito pequenas. Assim deixamos de poder sequer sobreviver.
Há seis meses tive que despedir a única funcionária que tinha e agora sou só eu e a minha esposa aqui a trabalhar. Já não justificava ter aqui uma funcionária porque o negócio baixou um bocado”.