De pequenino…

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Estava a começar a rever o texto sobre Escoffier, outro vulto da grande cozinha francesa. Gosto de fazer as coisas atempadamente para poder rasurar, reescrever, apagar e voltar a escrever.

E dei comigo a pensar que no fim de semana da próxima publicação das minhas escrevinhices na Gazeta, faz anos o Diniz.

Como declaração de interesses sempre lhes digo que as Caldas, apesar de todas as bondades que nela muitos lhe vêm, foi terra que atravessei quando a família ia almoçar a Alcobaça, ao Trindade, para comer o frango na púcara que, sei-o hoje, é a versão, em “branco”, do coq au vin dos gauleses.

Nesses tempos “aprendi” que os pêssegos eram os de Alcobaça, bem com a ginja!

Quis o destino, os astros ou qualquer outro poder, para mim oculto, que, na ressaca – longa e deprimente – da minha viuvez, viesse a conhecer uma caldense, considerada de “boas famílias” – se é que isso ainda significa alguma coisa – e esse “conhecimento” resiste até hoje.

Por força das “obrigações”, ditas conjugais, enfrentei, talvez mais vezes do que me apetecia, os rigores da terra, com os incómodos meteorológicos decorrentes.

Cheguei a tentar construir uma ligação física, operacional e duradoura mas, má sorte ou erro meu, não atingi esse desiderato.

Vai fazer quatro anos, “apareceu” o Diniz, o neto mais velho da “minha” senhora.

Confesso, ainda, que os primeiros tempos – com as constantes mudanças de fraldas, o perfume dos cócós, e quejandos – impedem o desvelo e o encanto “esperados”, apesar de o infante não ser do meu sangue. Mas isso é mais para os psi do que para o simples gastrófilo que me considero.

Veio um dia e chegou a altura do Diniz abandonar as papinhas e começar a usar os dentes!

Estou, ainda hoje, arrependido do devaneio de tentar proporcionar à minha filha, em igualdade temporal de circunstâncias, como primeira refeição sólida, um lavagante cozido – que ela não venceu, pela textura da carne – mas fez as delícias da mãe…

Os tempos são outros – a austeridade é “vigilante” – e, também por isso, resolvi mudar de menu. A escolha, sem audição prévia de pediatras e dietistas, recaiu numas ovas de robalo, dos que me abasteço na “minha” Caparica. A “patroa” cozeu as ditas ao vapor, com duas flores de bróculos – pessoalmente não acho graça nenhuma ao dito – e a caminho da mesa.

Eis-me perante a grande dúvida: cospe ou não cospe?

A textura da ova, descascada, intrigou-o; houve uns segundos que esperei o pior; e pure mastigou, engoliu e disse: quero mais.

O avô emprestado deve ter feito uma de espanto e o Diniz, que é bilingue, exclamou: yam, yam!

Tinha começado, com sucesso, a aprendizagem.

A despropósito: escreveu Oleboma (António Maria de Oliveira Belo,

fundador da Sociedade Portuguesa de Gastronomia, epicurista por natureza, um dos maiores gastrónomos portugueses e um dos grandes impulsionadores da culinária nacional, fazendo a primeira recolha do receituário tradicional português, personagem de que já me ocupei):

“As costas portuguesas, tão ávida e audaciosamente cobiçadas pelos pescadores estrangeiros, dão-nos peixes, crustáceos e mariscos de uma variedade e de um sabor como não existem certamente em muitos outros mares do globo…”

 

João Reboredo

 

joaoreboredo@gmail.com