Descentralização da cultura?

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Nestes últimos tempos muito se tem ouvido falar de descentralização da Cultura. Infelizmente, não no ponto de vista do entendimento prático que os ministros Malraux (gaulista) e Lang (socialista) lhe conferiram em França, em que assumia o perfil de uma rede pública assumida pelo Estado, mas sim na perspectiva mais rasteira (justa palavra no seu duplo sentido de sem voo e com truque) espalhada pelos governantes Poiares Maduro e Passos Coelho.
Em boa verdade, não se trata de nenhuma descentralização mas de uma desconcentração, cuja propaganda mascara o objectivo principal visado: o governo, e por consequência o Estado, através do decreto-lei 30/2015 de 12 de Fevereiro, pretende, tão só, sacudir a água do capote, transferindo para as Autarquias a gestão de equipamentos e infraestruturas culturais, sem o imprescindível acompanhamento cabal das respectivas verbas, eximindo-se assim ao ónus de responsabilidade que o devia obrigar em áreas identificadas – museus, bibliotecas, teatros, salas de espectáculos, galerias e sítios classificados. A esta vertigem de descomprometimento, abrangendo também as áreas da Educação, Saúde e Segurança Social, razia que põe em causa a universalidade das funções sociais do Estado, consagrada constitucionalmente, acresce a redução do investimento público, a sonegação de meios e comprovada má-fé, por parte do Poder Central, na delegação de competências. Mais do que o acréscimo destas novas competências, o Poder Local necessita sobretudo de ver asseguradas as condições (não apenas financeiras) que possam garantir o cumprimento das missões essenciais que já lhe estão cometidas. Aos severos cortes infligidos ao sector da Cultura (75% desde 2011, prova do desprezo dos decisores políticos) somam-se agora as reduções orçamentais impostas aos municípios, os quais passam a gerir, com constrangimentos previamente estabelecidos, aquilo que deveria permanecer na esfera do Poder Central.
Em Caldas da Rainha, debaixo de fogo da mira governamental, estão os Museus. A Liga dos Amigos do Museu José Malhoa e o Grupo de Amigos do Museu da Cerâmica considerou, em exposição dirigida ao Presidente da Câmara, a eventual municipalização daquelas instituições como uma despromoção e uma desqualificação, tendo em conta a importância nacional que lhes assiste. A Vereação, caso queira demonstrar alguma coerência, terá que recusar a proposta do governo, tal como fez no sector da Educação. Porque nem se consegue perceber como é que uma Câmara que se revela incapaz de dinamizar o complexo de Museus que construiu, autênticas mastabas cuja vida decorre na paz sepulcral dos túmulos, conseguirá a proeza de incorporar então os da tutela do Estado, mais a mais sabendo-se que estes necessitam de obras e se debatem com gravíssimos problemas de subfinanciamento, que levam a que o seu orçamento fique quase esgotado no final do 1º trimestre.
Sobra o CCC, edificado com recurso a dinheiros públicos, cujo custo rondou os 18 milhões de Euros, e que deveria ser um instrumento de Serviço Público, dado serem os nexos duma programação muito mais do que um mero agendamento de calendário. A este propósito e porque se constata um errático modelo de gestão e aspectos algo obscuros nos seus estatutos, que conviria esclarecer, o deputado municipal da CDU, no exercício das suas funções, formulou, em Janeiro, um conjunto de questões que permanecem sem resposta. Este eloquente silêncio diz muito sobre um manifesto défice de transparência.

José do Carlos Faria
jcrffaria@gmail.com