FOLIO & FOLIA

0
176

José Ramalho
ator & marionetista

Por estes dias decorreu o FOLIO, Festa Internacional da Literatura ocupante das muralhas de Óbidos, preenchendo o mapa das letras nos múltiplos alfabetos, com esmero e vivacidade, capaz de mobilizar cerca de 60.000 visitantes.
A palavra esvoaçou por Óbidos, construindo novos horizontes, provocando imaginários, imprimindo à vila um desafio labiríntico a cada visitante, face à riquíssima oferta, na procura de qual o programa mais apetecido e possível de ser saboreado. Com o FOLIO, vem Óbidos afirmando com crescente maturidade, que a Arte comemorada em modo de Festa, torna-se acessível e despida das vestes formais com que tantas vezes se apresenta, tornando-se distante. O deambular dos “leitores” pelos templos das letras, nos mais variados formatos – livros, conversas, espectáculos, exposições – onde as ideias foram lidas, tornou estes peregrinos necessariamente pensadores-livres e no regresso aos seus casulos domésticos terá contribuído para a construção de novos mundos.
Tão diversa, estonteante e rica foi a oferta do programa do FOLIO, tornando difícil a escolha do ponto e vírgula excelso que me ajude a partilhar com o leitor o canto poético que me invadiu.
Por razões de afinidade, sintetizo em dois destaques o meu olhar de proximidade ao FOLIO.
O templo da editora ABYSMO, cujo programa “Foi Quase um Prazer” vivido com a energia que se exigia, foi palco de saudáveis acções subversivas, cruzando, numa justa homenagem, os inúmeros olhares da amizade construída com e pelo João Paulo Cotrim (1965-2021).
No sábado, véspera do encerramento do FOLIO, fomos desafiados a acompanhar o autor Alexandre de Sousa no voo inaugural do seu livro “Horizonte num mar de Nuvens”.
O propósito da escrita do livro, voa em cima do Centenário da Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul, realizada em 1922 por Sacadura Cabral (1881-1924) e Gago Coutinho (1869-1959). A sua experiência profissional como aviador, permite ao autor a construção duma narrativa que nos aproxima da viagem, tornando-nos viajantes nos hidroaviões utilizados na epopeia. Esta viagem tem mais ingredientes narrativos, desafio os leitores a saboreá-los, embarcando na leitura do livro, numa livraria perto de si.
A Arte é por condição vanguardista, deve despertar outros olhares, antecipando o pensamento que aporta resistência em vez da estafadíssima e reaccionária resiliência, que por estes tempos invade os discursos.
As manifestações artísticas em modelos de Festa – Literatura, Teatro, Dança, Música, Artes Plásticas – organizadas para nos trazer em quantidade o contacto e acesso facilitado aos múltiplos públicos, aproxima-nos ao pulsar contemporâneo, do que se vai produzindo nos mais diversos cantos do mundo, com um efeito repercutor nos viajantes das Artes, promovendo antídotos a extremismos, que vêm assolando a sociedade contemporânea.
Esta constatação deve obrigar, de modo natural, os poderes públicos cada vez mais a gizar estratégias concertadas entre si e em parceria territorial, na promoção das múltiplas facetas da Arte.
Na bagagem dos aviadores acima referidos ia uma garrafa de vinho do Porto, marca Adriano da Casa Ramos Pinto, para ser bebida em situação extrema. No Museu Adriano Ramos Pinto está exposta a garrafa histórica, assinada pelos dois aviadores lusitanos.
Um brinde à Arte e ao impacto que provoca na construção de novos horizontes!
Um cálice de Porto, sff! ■ 1Verso do poema JOSÉ de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)