As memórias dos tempos de escola e, particularmente, da entrada na mesma pela primeira vez, são imperecíveis, por mais anos que passem. Gazeta das Caldas quis conhecer as histórias de alguns dos seus leitores, que estudaram no concelho, noutros pontos do país ou nas antigas colónias
“A alegria do reencontro com os amigos”
Filipe Sousa
Padre de Salir de Matos e Coto e capelão do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha
“O meu primeiro dia de aulas foi há muito tempo e, mais do que o dia em si, recordo com nitidez os preparativos que antecediam esses dias. O ir à escola a pé ver os horários afixados na vitrine, copiar o horário para um horário de papel que as livrarias distribuíam no momento da compra do material escolar, o cheiro dos livros recém-imprimidos e a curiosidade das novas matérias, principalmente se tinham desenhos ou imagens”, conta o padre Filipe, de 40 anos, natural de Mafra.
“Depois era a alegria do reencontro com os amigos e os recreios curtos que não deixavam contar as peripécias das férias grandes que cada um teve, já com saudade das próximas”, recorda ainda. ■
“Uma novidade muito grande”
Fátima Abreu
Técnica superior na Biblioteca das Caldas
Para Fátima Abreu, o primeiro dia de aulas do 1.º ano, numa escola pública, representou uma “novidade muito grande”, porque tinha vindo, há poucos meses, num transatlântico, de uma pequena aldeia do norte de Portugal, com não mais do que dez famílias, para Luanda, Angola. “Era das mais novas, tinha só, na altura, seis anos, e entrava-se com sete. Tive uma certa dificuldade em adaptar-me à escola, por ser numa grande cidade, com alunos de todas as etnias. Mas ficava muito admirada especialmente com a professora, com a forma como falava”, continua. Como tudo era novo e tão diferente, “não prestava muita atenção aos conteúdos, mas mais ao meio envolvente”. “Não foi assustador, porque sou aventureira, mas com demasiados conteúdos para a minha preparação”, recorda a técnica superior, que remata afirmando que, ainda assim, “gostei”. ■
“Mais emotivo o que antecedeu o primeiro dia”
Isabel Costa
Professora de Português/Francês aposentada
“Para mim, mais emotivo que o primeiro dia de aulas é o que o antecedeu”, recorda a professora aposentada da Escola Raul Proença, de 67 anos. “Vivia numa plantação de chá, no Gurué (Moçambique). A minha irmã já andava no Colégio do Sagrado Coração de Maria”, onde as freiras convidavam os alunos a levarem, por vezes, os irmãos mais novos, para estes se irem habituando. “Para mim, era uma aventura fantástica. Lembro-me da sensação do jipe recolher aquela garotada e de nos conduzir ao longo das plantações imensas”, recorda, com emoção. Da escola, salienta a doce memória da Madre Ascensão, que a ensinou a ler e a escrever e que também dava educação física, sempre trajada. Ali estudou até 1974, quando teve de voltar para Portugal, e descobriu a sua vocação graças a uma professora de Português/Francês do liceu, também chamada Isabel. ■
“A curiosidade de aprender a tabuada e a ler”
Paula Leitão
Assistente na Biblioteca das Caldas
“Foi na Escola Primária do Bairro da Ponte que iniciei o meu percurso escolar. Tinha seis anos, estávamos em outubro de 1976”, recorda Paula Leitão. “O trajeto para a escola foi feito a pé e quem me acompanhou foram a minha mãe e irmã. A mãe ia-me fazendo recomendações, porque haveria de fazer as deslocações sozinha. Recordo, desse dia, o portão de entrada estar apinhado de crianças e mães. As mães limitavam-se a ver os filhos passar a porta grande de acesso ao edifício e a avisar para o comportamento. A minha sala ficava no rés do chão. Era uma turma mista de duas dezenas e meia de crianças, sem bibes, obedientes e atentas. Recordo-me ainda da bata branca da professora, o cabelo grisalho preso num carrapito, o seu sorriso amável, a quantidade de crianças para conhecer e a curiosidade de aprender a tabuada e a ler.” ■
“Foi a primeira vez que saí de casa”
Paulo Marques
Professor de Sociologia, Psicologia e História da Cultura e das Artes na ETEO
Paulo Marques vive nas Caldas desde 2018, mas frequentou a escola primária em Sacavém. O primeiro dia de aulas, em pleno Verão Quente de 1975, foi vivido sem demasiados medos ou angústias, apesar do “grande choque” – à época, não havia creches nem jardins de infância, salienta o professor. “Foi a primeira vez que saí de casa para ir para algum sítio, foi só aos 6 anos.” A escola ficava num rés-do-chão de um prédio mesmo em frente à sua casa, que foi rapidamente apetrechado para o efeito, já após o 25 de Abril, considera. O recreio ficava na garagem. A escola era pequenina e proporcionou-lhe um ambiente mais calmo e à sua medida que o das duas escolas primárias (do Estado Novo) existentes naquela freguesia, que recebia muitos alunos das redondezas. ■