O arquipélago das Berlengas é formado por três grupos de pequenas ilhas e rochedos: o maior e único com ocupação humana é a Berlenga. Há ainda as Estelas e os Farilhões-Forcadas. É Reserva Natural desde 1981 e Reserva da Biosfera desde 2011. Venha conhecer melhor este tesouro natural ao largo de Peniche

Do Cabo Carvoeiro a vista alcança sem dificuldade uma “jangada de pedra” de tom rosa. Flutua a 5,5 milhas náuticas da costa, o equivalente a 10 km. É a Berlenga. Em dias de céu limpo, surge enorme no horizonte, aplanada e de contornos bem definidos.
Raul Brandão tinha razão. Fica-se “cismático” ao vê-la, escreveu no livro “Os Pescadores”, em 1923.
A ilha enche o olho. De tal forma que anula os recifes situados na vertente noroeste. Poucos reparam na existência dos Farilhões, ilhéus de topo pontiagudo e rocha escura.
Parecem estar lado a lado como se de um todo se tratasse. Não é bem assim. Distam da Berlenga quase tanto quanto esta dista da costa de Peniche. E são, na verdade, muito diferentes na constituição geológica, nas formas e também no impacto que geram quando observados de perto. Poderia Leonardo DiCaprio ter andado por aqui a filmar “A Praia”? Talvez não. Não há areal por perto, a temperatura do mar é quase glacial e o azul escuro indica águas profundas.
A zona de Peniche é um laboratório natural para o estudo da Geologia. O arquipélago das Berlengas, em concreto, é um ponto ideal para aulas de campo. Isso mesmo propõe o livro “A Região de Peniche como Laboratório para o Estudo das Geociências”, da autoria de José Romão e Mónica Sousa.
É Francisco Félix, professor de Biologia e Geologia na Escola Secundária de Peniche, que sugere a leitura enquanto explica a origem do arquipélago.
“As rochas que deram origem à Berlenga formaram-se no interior da Terra e a formação daquele granito está datado de há 307 milhões de anos”. O tom advém de um feldspato (tipo de mineral) de cor rosada.
Nas Estelas aflora o mesmo tipo de rocha magmática. Já os Farilhões são formados de rocha metamórfica (gnaisses e micaxistos), ainda mais antiga.
“Constituem picos de uma montanha submarina, que alarga consideravelmente abaixo do nível das águas do mar”, referem José Romão e Mónica Sousa.
Tanto a Berlenga como os Farilhões formaram-se em profundidade, explica Francisco Félix, “e, agora, se nós as vemos, significa que foram levantadas em determinado momento e por isso estão expostas”.

Berlenga já terá estado submersa

Há mais de 200 milhões de anos, não existia água neste ponto do planeta. A zona integrava a Pangeia, o supercontinente que agrupava todos os blocos terrestres que hoje se conhecem e estão separados por mar.
“À medida que a Pangeia se vai fraturando, vão aparecendo algumas bacias”. Uma delas é a Bacia Lusitânica que, numa das margens, tem o interior de Portugal e, na outra, o que se designa por “horst” das Berlengas. Seria um bloco de território maior e “muito mais elevado, de que agora já só vemos um pedaço porque foi desgastado pelos fenómenos erosivos”, explica o professor.
É a ocidente deste “horst” que, posteriormente, se dá a abertura do Atlântico Norte. Se tivesse ocorrido a oriente, poder-se-ia ter perdido a Berlenga para a costa norte da América.
Depois de emergirem, Berlenga e Farilhões estiveram expostos aos mesmos fatores erosivos. Se estes amaciaram a Berlenga e encresparam os Farilhões, isso deve-se ao tipo de rocha distinto que dá corpo a cada uma das ilhas. Acredita-se, no entanto, que a superfície do planalto da Berlenga possa já ter estado abaixo do nível do mar.
Por serem rochas muito antigas, as duas ilhas apresentam linhas de costa muito fraturadas e com numerosas reentrâncias. “O mar explora com mais vivacidade as zonas de frcatura, o que vai conferir depois aquele aspeto dos carreiros”, esclarece Francisco Félix.
Os carreiros mais surpreendentes e visitados são os da Inês, do Mosteiro – onde se situa a praia – e, na vertente oposta, o do Cação. Porém, a Berlenga está repleta de geoformas interessantes e curiosas de que são exemplo cavidades, pontes e arcos naturais como aqueles que se veem na Cova do Sonho, Cabeça de Elefante e Furado. Resultaram da ação mecânica das ondas sobre a base da arriba. Em milhares de anos, esse abraço forte e constante do mar tem conferido à ilha uma rara beleza.

Um retiro para os frades

A ocupação da Berlenga é tema em que o real e o imaginário por vezes se confundem e, na literatura disponível, as teses sobre a presença humana nem sempre convergem.
A página on-line do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) indica que “esta ilha de Saturno” – assim a designavam os historiadores da antiguidade – era “um lugar sagrado onde no primeiro milénio antes de Cristo se celebrava o culto de Baal-Melkart”, senhor das cidades fenícias.
Acredita-se que a Berlenga terá sido um porto de abrigo de importância estratégica nas rotas marítimas dos celtas, fenícios, romanos e outros povos. Dos romanos, em particular, restam cepos de âncoras perdidas no fundo do mar e outros vestígios, informa o ICNF.
No topo da encosta do Bairro dos Pescadores, onde se desembarca na chegada à ilha, são ainda visitáveis as ruínas de um pequeno edifício de pedra que seria um posto de vigia e controlo ou um farol. Ali foram encontrados fragmentos de cerâmicas, como taças, almofarizes e jarros que remetem para a presença de romanos na ilha a que atribuíram o nome de Londobris.
Ao longo do tempo, a Berlenga foi sendo frequentada por navegadores muçulmanos, vikings, corsários franceses e ingleses.
A ocupação permanente acontece no início do século XVI por uma comunidade de frades jerónimos que aí construiu o Mosteiro da Misericórdia da Berlenga para acudir aos náufragos. Porém, o ataque permanente de corsários levaria os frades a afastarem-se do arquipélago.
Depois do abandono em 1548, o mosteiro da Berlenga foi-se degradando. Acabaria por ser demolido em 1651 deixando poucos vestígios. No mesmo local encontra-se atualmente o pavilhão Mar e Sol.
Com o objetivo de reforçar a defesa de Peniche, em meados do século XVII, por ordem de D. João IV, foi edificada uma fortaleza na ilha: o Forte de São João Baptista. Esta sentinela avançada veio a revelar-se fundamental “para travar o ataque de uma esquadra espanhola, que tinha por objetivo raptar a rainha D. Maria Francisca de Sabóia na sua chegada a Portugal, à época do seu casamento com D. Afonso VI”, refere a investigadora Catarina Oliveira, num artigo publicado na página on-line da DGPC.

O que fazer na Berlenga

Há muito por explorar na ilha e o difícil, mesmo, é escolher a direcção que se pretende seguir

Se antigamente apenas o “Cabo Avelar Pessoa” fazia a travessia para a ilha, hoje são muitos os operadores turísticos a prestar esse serviço várias vezes por dia. O site e a aplicação LifeBerlengas disponibilizam a lista completa de empresas e os respetivos contactos. O ponto de embarque é a Marina de Peniche e a duração média da viagem é 30 minutos.
Reentrâncias, enseadas, grutas, ilhéus e rochedos. A formação geológica da ilha da Berlenga, associada aos agentes erosivos, deu origem a verdadeiras obras de arte. O relevo é escarpado e abundam as fendas terrestres e submarinas. As grutas são, por isso, dignas de visita e há vários operadores marítimo-turísticos a fazerem essas incursões. São imperdíveis a gruta do Furado Grande, a cova do Sono, o arco da Tromba do Elefante, o vale da Quebrada, o carreiro dos Cações ou a falésia Maldita.
No que diz respeito à observação de cetáceos, os golfinhos são os mais comuns, mas outras espécies de cetáceos podem ser observadas nas águas da Zona de Proteção Especial das Berlengas. O mais avistado é o golfinho-comum. No entanto, também o roaz ou a baleia-piloto podem ser observados. É um privilégio e um espetáculo inesquecível ver os golfinhos a acompanhar as embarcações e a brincar com as ondas que elas formam.
O valor biológico da área marinha que envolve o arquipélago foi um dos argumentos para a classificação como Reserva da Biosfera.
E quem sobe ao Farol das Berlengas nunca mais se esquece. Em dias de céu limpo, a vista alcança o recorte do litoral português de um lado e as Estelas e os Farilhões do outro. As visitas podem ser feitas à quarta-feira, entre as 14h30 e as 17h00, e no primeiro e terceiro domingo de cada mês, das 10h00 às 12h30.
Devido à covid-19 os horários e a lotação sofreram alterações. Aconselha-se um contacto prévio com a Direção de Faróis, através do email dfarois.rp@amn.pt.

Percursos pedestres

O carreiro dos Cações e o carreiro do Mosteiro quase separam a ilha da Berlenga em dois, a ilha Velha e a Berlenga. Existem dois percursos que permitem visitar cada um destes lados. O trilho da Berlenga parte do bairro dos pescadores e termina na Fortaleza de São João Baptista. Tem um grau de dificuldade difícil. Pelo caminho, pode ver e subir ao farol – se for dia de visita – e admirar as muitas falésias que marcam os contornos da ilha.
O percurso da Ilha Velha liga o bairro dos pescadores às buzinas e tem um grau de dificuldade médio.
A circulação fora dos trilhos é proibida. Aconselha-se a leitura do código de conduta da ilha.

Chegar ao Forte

Para chegar ao Forte de São João Baptista, a não ser que esteja hospedado na fortaleza, não tem outra forma que não seja a pé. Se assim for, prepara-se para descer e subir muito. O percurso é difícil, mas vale a pena. Erguida no século XVII, encerra histórias de luta e resistência dignas de serem ouvidas. Se viajou para a ilha numa embarcação com o nome Cabo Avelar Pessoa, o forte é o local indicado para saber mais sobre este homem.
Apesar da baixa temperatura, o verde cristalino da água da Praia do carreiro do Mosteiro convida a mergulhos e a braçadas. Neste momento, a frequência da praia está condicionada, não só devido à covid-19, como também pelo estado pouco seguro das arribas. Se vai à Berlenga exclusivamente para fazer praia, é aconselhável a recolha prévia de informação sobre a possibilidade de usufruir daquele espaço.

Observação de aves é outra das atracções da ilha

Há quatro espécies de aves marinhas que se reproduzem no arquipélago

São quatro as espécies de aves marinhas que se reproduzem no arquipélago: cagarra, roque-de-castro, galheta, gaivota-de-patas-amarelas. O airo, símbolo da reserva natural não nidifica desde 2002. Para quem gosta de aves, as Berlengas são um local interessante para visitar durante a altura da migração pós-nupcial (setembro a novembro), pois algumas aves migradoras procuram refúgio na ilha, e podem ser facilmente detetadas devido à ausência de árvores e vegetação densa.
A ilha é particularmente interessante, também, ao nível da observação de flora. E, neste caso, não se iluda o chorão não é uma planta nativa e, apesar do verde que confere à ilha, tem sido uma das principais causas do desaparecimento da flora endémica. Em matéria de vegetação, vale a pena ir à procura do que é único no mundo: a arméria-das berlengas, a pulicária-das-berlengas e a herniária-das-berlengas.
Mas se é o mergulho que o atrai no contacto com a natureza, não hesite. Cardumes de sargos, safias e de carapaus, paredes cobertas de gorgónias, grandes peixes-lua e impressionantes meros fazem das Berlengas um dos melhores locais para mergulho recreativo no país. São ainda vários os pontos onde se pode fazer mergulho para ver barcos afundados que, entretanto, foram colonizados por vida marinha. Existem várias escolas e empresa que promovem este tipo de atividades.
O snorkeling – mergulho em águas rasas – não permite visitar os mais bonitos e emblemáticos locais submarinos em torno da Berlenga, mas já permite àqueles que não são mergulhadores admirar um pouco a vida submarina da ilha.