Medidas de austeridade do governo levaram cerca de um milhar a manifestar-se pelas ruas das Caldas

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A concentração teve início pelas 15h00 na Praça 25 de Abril e terminou quase três horas depois

 

Marcada para as 15h00 de sábado na Praça 25 de Abril, a manifestação “Que se lixe a troika! Queremos as nossas vidas!” começou tímida, mas com o passar do tempo e as vozes que se faziam ouvir de apelo à luta, foram-se juntando mais pessoas, de várias gerações, com um objectivo comum – mostrar a indignação contra as medidas de austeridade impostas pelo actual governo.
A organização caldense estima que tenham estado mais de mil pessoas neste protesto, que durou mais de duas horas e mostrou que também as Caldas alinhou pelo mesmo diapasão do país, em que saíram às ruas entre 800 mil a um milhão de pessoas, fazendo desta provavelmente a maior manifestação ocorrida no país e na cidade desde o 1º de Maio de 1974.

“O povo unido jamais será vencido”, “A luta continua, o povo está a rua”, ou ainda a variação “A luta continua, Coelho para a rua”, foram algumas das palavras de ordem que os manifestantes entoaram na tarde de sábado nas Caldas da Rainha. Depois de uma concentração na Praça 25 de Abril, onde vários cidadãos denunciaram as medidas de austeridade do actual governo e mostraram o seu desagrado com as exigências da Troika, a luta continuou com o desfile pelas ruas da cidade. Com passagem pela Rua Heróis da Grande Guerra, Largo Conde de Fontalva, Rua General Queirós, Rua das Montras e Rua Miguel Bombarda, a manifestação foi angariando cada vez mais adeptos que, entusiasticamente e de forma ordeira, manifestavam o seu descontentamento com a política do governo de Pedro Passos Coelho.

Alguns dos cartazes que exprimiam o pensar do povo que saiu à rua

“Estamos a viver uma situação crítica e temos que nos mexer”, incentivou o jovem João Reis, que participou pela primeira vez numa manifestação, neste caso para se manifestar contra a Troika “que nos anda a asfixiar”. João Reis pediu mais mobilização das pessoas, mas está consciente que esta é uma “região difícil, com uma cor partidária muito vincada”, disse, referindo-se à larga expressão social-democrata que existe no concelho.
Também Gaspar Santos, apelou aos jovens, como ele, para deixarem os computadores e “mexerem-se”, por um país melhor.
“Portugal é o país da União Europeia em que os mais ricos e mais pobres têm maior

 

A policia acompanhou a manifestação, que decorreu de forma ordeira e pacífica

 

disparidade de números”, denunciou Octávio Mateus, outro dos manifestantes, que criticou também os luxos dos políticos, cujo pagamento os cidadãos não conseguem suportar. O jovem defendeu ainda que o país só se poderá desenvolver pela igualdade social, como é o exemplo de países como a Suíça, Dinamarca, ou a Noruega, e deixou um apelo a um maior investimento na educação. “Isto só lá vai com gente educada, com formação”, acredita. Esta opinião foi corroborada por uma antiga professora, da Foz do Arelho, que apelou aos jovens para “acordarem” e “baterem o pé” pelos seus direitos, pois “fartaram-se de estudar e não conseguem arranjar trabalho, não são como o ministro

 

O elevado número de participantes era bem visível na chegada à Rainha

 

Miguel Relvas que consegue comprar disciplinas”.
Maria Santos também está descontente com a situação que o país atravessa. Denuncia que o governo está a prejudicar o povo, principalmente a “classe produtiva, que é a privada e que produz, só para não mexer nos direitos estabelecidos do cavaquismo, nomeadamente os 75% da despesa púbica que é feita com os funcionários públicos”. Na sua opinião, há que “quebrar o mito dos direitos adquiridos na função pública e mudar a Constituição de uma vez por todas, porque o que é inconstitucional é eles não poderem ser despedidos e nós, privados,

 

Depois de percorrer as principais ruas da cidade, a manifestação voltou à Praça 25 de Abril e terminou ao som do hino nacional

 

podermos”, argumentou.

Tanta gente numa cidade de águas mornas

António Peralta, da organização, estava visivelmente satisfeito com a adesão da manifestação. “Não esperava que tivéssemos tanta assistência pois estamos numa cidade de águas mornas”, disse. Relativamente à situação do país, António Peralta considera que a Troika “é que está a sugar o dinheiro aos portugueses, pois levam-nos juros altos que não temos possibilidade de pagar. São ladrões e o nosso governo colabora com eles”, denuncia.
O ex-emigrante criticou os gastos e privilégios do governo português e deu o exemplo da Holanda, onde

 

João Reis, Gaspar Santos e Fernando Rocha foram alguns dos participantes a mostrar publicamente o descontentamento com o rumo que o pais está a levar, As intervenções cidadãs ocorreram de forma espontânea e sem qualquer organização prévia e rígida.

 

“os deputados vão para o parlamento de autocarro e não têm ajudas de custo”.
Entre os cidadãos mais activos no protesto estava Carlos Fernandes, natural das Caldas e emigrante no Luxemburgo. Actualmente em Portugal, o chef de cozinha ficou preocupado com as notícias que ouviu sobre a situação do país e quis mostrar a sua indignação. “O que mais me indigna é ver que há reformas vitalícias altíssimas num país que não tem dinheiro, assim como a ideia falsa de que estamos a receber esmolas do estrangeiro e essas pessoas continuam com todo o tipo de luxos, desde carros de alta cilindrada a reformas vitalícias e viagens”, disse, fazendo notar que a austeridade é só para alguns.
Carlos Fernandes, que integrou o movimento caldense, lembra que começaram a mobilizar-se apenas quatro dias antes da concentração e que, durante esse tempo, andou a entregar panfletos na rua, de porta em porta e pelos cafés, juntamente com outras pessoas da organização.
Apesar da sensibilização feita, Carlos Fernandes não estava à espera que a adesão fosse tão grande. “Foi uma grande surpresa pois se viessem 100 pessoas eu ficava contente, mas assim fiquei muito mais porque é importante que o povo saia à rua para se fazer ouvir”, disse à Gazeta das Caldas.
Foi por um “imperativo de consciência” que Catarina Paramos, jurista e coordenadora de formação, colaborou na organização do protesto nas Caldas. Considera que está em jogo a vida dos portugueses, pois o conjunto de medidas propostas pelo governo “aumentam as desigualdades e o desemprego”. Essas medidas “optam pelos rendimentos da banca e da finança em detrimento dos direitos constitucionalmente consagrados, privilegiam o capital e punem o trabalho, e constituem um modelo que não nos dá qualquer hipótese de futuro”. Na sua opinião, a “união entre as pessoas é um acto de sobrevivência”.
Depois de ter estado no início da manifestação nas Caldas, Catarina Paramos, que é também presidente da concelhia caldense do PS, rumou a Lisboa para participar no protesto que se realizava na capital. Como sabia que havia pessoas interessadas em partilhar boleias para aquela manifestação, de modo a reduzir despesas de deslocação, sugeriu que o encontro fosse feito mais cedo para que, simbolicamente, se pudesse participar nas Caldas e em Lisboa. “Fomos, pelo menos, dois carros com cinco pessoas cada, algumas das quais não se conheciam anteriormente”, contou à Gazeta das Caldas, acrescentando que cada um dos participantes tinha as suas ideias, o que proporcionou uma discussão aberta antes, durante e depois da manifestação. “Um exercício de cidadania que também é uma lição de como podemos ser mais fortes juntos e, ao mesmo tempo, mais eficazes”, disse.
Catarina Paramos realçou que participou na manifestação como cidadã anónima. “Qualquer tentativa de se fazerem aproveitamentos políticos de uma iniciativa como a do dia 15 é um erro para o qual não contribuirei”, declarou.

Fátima Ferreira

fferreira@gazetadascaldas.pt

“Com a cidadania e com a democracia participativa “ –
Apesar de estar um magnífico dia de sol que podia ser aproveitado para ir à praia ou para passear, as pessoas compareceram em massa e mantiveram-se no local durante várias horas numa atitude que também tem a ver com a cidadania e com a democracia participativa.
Maria Júlia Carvalho – presidente do Conselho da Cidade

“Manifestações absolutamente impressionantes “
Foram manifestações absolutamente impressionantes e bem reveladoras da indignação e do protesto popular generalizado no distrito. Tivemos manifestações das maiores que ocorreram no pós 25 de Abril e nas últimas décadas, como em Leiria e nas Caldas.
É também de salientar uma mistura geracional. Houve jovens, casais e a geração dos pais, que também estavam massivamente representados, o que é uma grande mudança relativamente a outras manifestações, muito marcadas geracionalmente, como o 1º de Maio.
É também de relevar o facto de estas manifestações terem sido convocadas e organizadas por grupos de cidadãos, independentemente das suas simpatias e convicções políticas. E a manifestação não foi contra os partidos, mas genuinamente unitária e popular. É também uma lição para aqueles que passaram ao lado da manifestação, por razões sectárias e incompreensíveis nos dias de hoje.
Heitor de Sousa – membro da Coordenação Distrital de Leiria do BE

“É a revolta do povo contra tanta austeridade “
É a revolta do povo com tanta austeridade. Uma manifestação pacífica, sem organizações partidárias, em que as pessoas mostraram a sua indignação. É uma forma de mostrar ao governo que tem de trilhar outro caminho e ouvir o povo na rua e que terá de ir a todas as camadas da sociedade e não sempre aos mesmos.
Espero sinceramente que isso aconteça e que haja estabilidade política para não entrarmos numa crise ainda pior que a que já temos e não se ponha em causa o trabalho realizado até agora.
Foi realmente um exemplo de civismo que o povo deu. Mais uma vez demonstrou que se alguém tem bom senso neste país é mesmo o povo.
Manuel Isaac – presidente da distrital do CDS-PP e deputado na Assembleia da República

“A TSU tira aos trabalhadores para dar ao patronato”
As manifestações tiveram uma grande participação e isso tem a ver com as medidas que o governo tem tomado ultimamente. Muitas são prejudiciais aos portugueses, mas a da Taxa Social Única, que é a mais mediática, é escandalosa porque tira aos trabalhadores para dar ao patronato. E quem vai beneficiar nem são os pequenos e médios empresários, mas os grandes grupos económicos.
Para nós é evidente que foram grandes manifestações de protesto, que exigiram na rua a mudança de políticas. Mas esta manifestação, que de certo modo foi espontânea, não substitua a luta organizada dos trabalhadores pelos seus direitos, nomeadamente a manifestação convocada pela CGTP para o dia 29 de Setembro e que será mais uma grande contestação a estas medidas.
Vítor Fernandes – membro da Direcção Regional de Leiria do PCP

“A gritante injustiça de uma medida irreflectida”
Foi uma expressão importante da cidadania face à gritante injustiça de uma medida irreflectida, irresponsável e ineficaz. Tirar dinheiro dos trabalhadores para dar aos patrões é uma história que não lembra a ninguém nas democracias modernas.
O essencial era que o governo arrepiasse caminho.
João Paulo Pedrosa – presidente da Federação de Leiria do PS

“É um aviso sério a todos os partidos e a todos os políticos”

Como cidadão e como político não posso concordar que se peça que a troika vá embora  porque neste momento Portugal está num estado de falência, próximo da bancarrota, e precisamos de quem nos empreste dinheiro para que o Estado possa cumprir os seus compromissos. Percebo e aceito que se peçam melhores condições na contracção do empréstimo.
Feita esta observação, a manifestação teve uma grande expressão, juntou pessoas de todas as idades e quadrantes políticos. Como tal, deve ser entendida como um grito de revolta e insatisfação com o Estado a que os políticos conduziram Portugal, nomeadamente com as Parcerias Público-Privadas, o BPN e um conjunto de actos de governação dolosos que contribuíram para que Portugal esteja neste estado.
As pessoas revoltam-se por serem os que menos culpas têm para terem que pagar as consequências desses actos dolosos, para não dizer criminosos, já que os responsáveis não são chamados à responsabilidade. Nenhum partido está isento de culpas, mas alguns pretendem sacudir a água do capote de uma forma irresponsável. Entendo que o governo de Sócrates é o maior culpado.
Esta manifestação é um aviso sério a todos os partidos e a todos os políticos. Se não forem tomadas medidas sérias e justas em consonância coma troika, Portugal pode aproximar-se do caos a breve prazo.
Fernando Costa – presidente da Distrital do PSD e presidente da Câmara das Caldas

J.F.