Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Populares” de Olho Marinho

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Gazeta das Caldas
O rancho do Olho Marinho é o segundo mais antigo do concelho de Óbidos

“Somos como uma família, já passámos algumas crises mas também vivemos momentos muito felizes”

Adoptaram o mesmo nome do primeiro rancho folclórico que existiu no Olho Marinho, na década de 60. Chamam-se “Os Populares”, têm 37 anos e já se estrearam em três palcos internacionais: Suíça, Alemanha e República Checa.

São actualmente compostos por 33 elementos, dos quatro aos 73 anos, e querem em breve reactivar o rancho infantil que está parado há mais de um ano. Sonho maior é a remodelação da casa que compraram há três anos com o objectivo de transformá-la na sua sede.

Dia 26 de Novembro. É domingo e no Salão Paroquial do Olho Marinho o ambiente é de festa: há mesas recheadas de comida, insufláveis para os mais novos, música para todos. Celebra-se o encerramento de época do Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Populares” de Olho Marinho. O grupo vai fazer uma pausa em Dezembro e regressa aos ensaios no início do próximo ano.
Este tipo de celebrações é fundamental para criar laços entre o rancho e a população mas, não menos importante, para provar a algumas pessoas da terra que o grupo está vivo e unido. Quem o afirma é Paula Marques, ensaiadora do rancho, revelando que no ano passado o grupo atravessou a maior crise em 37 anos de existência. “Os pares foram saindo e saindo, até que ficamos sem elementos em número suficiente e estivemos parados quase um ano”, conta a responsável, acrescentando que a população já comentava que o rancho tinha acabado. “Isso causou-me uma grande mágoa, depois de tanto trabalho para manter o grupo, ouvir alguns dizerem com satisfação que o rancho tinha terminado”, explica Paula Marques. Os ensaios retomaram por iniciativa do acordeonista Nelson Cozinheiro, que propôs arrancarem com o número de pessoas disponíveis na altura pois pior seria ficarem parados. Como existiam poucos rapazes (no máximo cinco), durante algum tempo foram as raparigas que dançaram no lugar dos homens.
“A verdade é que com o passar do tempo foram chegando mais pessoas, algumas delas que já tinham saído e decidiram voltar”, acrescenta Paula Marques, que dá conta que actualmente o rancho do Olho Marinho tem 12 pares, num total de 33 elementos. A esperança é que daqui a pouco tempo o grupo possa também vir a recuperar a sua formação infantil, que sempre fez parte da história do rancho.

“IR AO ALGARVE FOI COMO SAIR DO PAÍS”

A primeira direcção do rancho constitui-se em Janeiro de 1980 e é também esta a data oficial da fundação do grupo. Contudo, as actuações começaram três anos antes com brincadeiras de Carnaval. “Dançávamos pelas aldeias aqui próximas e angariávamos algum dinheiro em peditórios”, recorda-se Nazaré Simão, 73 anos, lembrando que no primeiro ano conseguiram juntar três contos (15 euros).
Cadaval foi das localidades mais distantes onde actuaram pela primeira vez, mas a ida ao Algarve, em 1986, foi inesquecível. A maioria dos elementos nunca tinha saído até tão longe de Olho Marinho, por isso aquela viagem foi quase como se estivessem a sair do país. O mais engraçado é que na altura as raparigas e os rapazes iam em carrinhas separadas para as actuações. E havia sempre um grupo de mães que acompanhava as filhas. Nessa época não havia cá misturas.
Quando foram actuar ao Algarve, a direcção teve que andar a bater à porta das famílias para pedir autorização para os mais novos poderem ir.
Paula Marques conta um episódio protagonizado pelo dançarino Joaquim Clemente, hoje com 47 anos. “Ficámos num hotel e ele nunca tinha visto uma torneira de casa de banho, então gabou-se muito contente que tinha tomado banho numa grande banheira, mas não sabia é que podia ter sido de água quente em vez de água fria!”, recorda a responsável.
Ainda nessa altura e até 1990, “Os Populares” de Olho Marinho utilizavam os típicos trajes carnavalescos: a mulher vestia uma saia encarnada, uma blusa e avental brancos, mais um lenço na cabeça; o homem usava calça e colete pretos, camisa branca, sem esquecer o seu barrete. A mudança para os trajes etnográficos ocorre porque o rancho começou a reparar que nos festivais em que participava existiam cada vez mais grupos a adoptar trajes representativos das tradições das suas localidades. Olho Marinho não quis ficar atrás e iniciou um período de recolhas junto da população mais idosa da aldeia, recolhendo testemunhos e fotografias de famílias para saber como se vestiam as pessoas por volta de 1930.
Compraram-se os tecidos e Nazaré Simão foi uma das senhoras que esteve envolvida na confecção dos novos trajes. Há 27 anos só se alteraram as roupas do rancho adulto, sendo que este ano também se iniciou a transição com os elementos mais novos. A lavadeira, a tremoceira, a ceifeira, a vindimeira, o homem da rega, os noivos e os ricos são algumas das figuras representadas pelo rancho de Olho Marinho.
“Como a nossa terra tinha muita água, existia aqui muita actividade agrícola”, refere Paula Marques, que dá conta da importância que tinha a fonte da aldeia (actualmente seca) que funcionava não só para se ir buscar água, mas também como ponto de encontro das pessoas. Dos namorados, por exemplo: “as raparigas saíam de casa com as bilhas na mão e a desculpa que iam buscar água à fonte, mas a verdade é que iam também encontrar-se com os namorados, os rapazes que vinham do trabalho no campo”, explica a ensaiadora, acrescentando que ainda hoje são visíveis as marcas das bilhas gravadas na pedra da fonte. Na sua opinião, “a fonte é sem dúvida o ex-líbris da nossa terra e prova disso é que quase todas as músicas que dançamos lhe fazem referência”, frisa.

AS VIAGENS AO ESTRANGEIRO

O rancho de Olho Marinho é o mais internacional do concelho de Óbidos, com três idas ao estrangeiro: Suíça (1995), Alemanha (1999) e República Checa (2007). Embora Paula Marques tenha organizado todas as viagens, só pôde participar na última porque nas outras duas estava grávida. A última viagem (ao Encontro Internacional de Folclore, em Praga) foi também a primeira em que o rancho se deslocou de avião em vez de autocarro e custou ao grupo 22 mil euros.
“Mais uma vez houve uma grande discussão dentro do rancho porque se ia gastar muito dinheiro, então tentei resolver a situação de outro modo”, diz a responsável, que propôs aos elementos que participassem pela primeira vez no Mercado Medieval de Óbidos para angariar alguns fundos. Foram necessários dois anos de trabalho e também a organização de outros eventos (como bailaricos) para o rancho conseguir todo o montante. O mais positivo é que o grupo também conseguiu juntar dinheiro para comprar a sua sede, há três anos.
Até 2014, o rancho de Olho Marinho tinha a sua sede num pequeno edifício cedido pela Junta de Freguesia, que não tinha espaço suficiente para guardar os utensílios e objectos do grupo nem para realizar os seus eventos, como os festivais de folclore. “Sempre usámos o Salão Paroquial para o efeito, mas continuamos sem poder utilizar a nossa sede porque a casa precisa de profundas remodelações”, explica Paula Marques, salientando que realizar as obras é o grande sonho do rancho para os próximos anos.
Outro objectivo é reactivar o rancho infantil (actualmente só actua o grupo adulto, ao qual se juntam os elementos mais novos). “A verdade é que é cada vez mais difícil reter as crianças porque há muitas outras actividades que competem com a nossa, como o futebol. Hoje em dia eles têm tudo, quando no meu tempo se entrava para o rancho para estar em contacto com as pessoas e passear”, explica Paula Marques. Nazaré Simão concorda e acrescenta que se há uns anos podiam recusar a entrada de crianças mal comportadas, hoje todos são bem vindos: “a verdade é que agora somos mais tolerantes, damos-lhes mais liberdade e espaço para as brincadeiras, porque se formos muito rígidos eles também não querem ficar”, conclui a “veterana” do rancho.

37 anos de história…

Janeiro de 1980: Fundação do Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Populares” de Olho Marinho.
1990: Adopção dos trajes etnográficos.
1995, 1999 e 2007: Actuações no estrangeiro, respectivamente na Suiça, Alemanha e República Checa.
2016: Paragem provisória dos ranchos infantil e adulto devido à falta de elementos, com retoma da actividade no final desse ano.
Todos os anos, no primeiro fim-de-semana de Maio, o rancho infantil organiza o seu festival de folclore. Na segunda semana de Agosto é a vez do rancho adulto realizar o mesmo evento.