Um psiquiatra caldense na Suíça

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A crise económica que se tem acentuado nos  últimos anos leva os mais novos (e mais qualificados) da região a escolher outros países para fazer a sua vida. O país e a terra natal passaram agora a ser apenas o local de férias, à medida que os consecutivos cortes anunciados pelo Governo levam a que cada vez mais gente opte por emigrar.
Rodrigo Graça Santos, 38 anos, é médico psiquiatra e foi viver para a Suíça com a sua família. O seu terceiro filho já nasceu na República Helvética.
Em entrevista à Gazeta das Caldas, feita por correio electrónico, este psiquiatra contou porque optou por emigrar e como em breve vai transitar do sector público para o privado. Vai trabalhar numa clínica privada em Lausanne que fornece tratamento psiquiátrico e psicoterapêutico de qualidade a quem precisa e e independentemente das capacidades financeiras dos doentes. Aceitou porque “o projecto tem já alguns anos e consegue ser lucrativo”.GAZETA DAS CALDAS – Há quanto tempo vive com a sua família na Suíça ?
RODRIGO SANTOS: Vivemos na Suíça desde finais de 2007. Por um lado, sempre tive curiosidade em ver o que se passa além fronteiras e, por outro, a formação que estava a fazer em Cirurgia não estava a satisfazer-me. Não me sentia completamente realizado.
A Psiquiatria era uma paixão de longa data, a par com a Cirurgia. Pensei que o lado mais humanista desta disciplina poderia realizar-me profissionalmente de outra maneira, com uma proximidade diferente e mais empática do sofrimento humano. A Suíça é uma referência mundial em Psiquiatria e surgiu a oportunidade de fazer a minha formação num hospital suíço. Após consenso familiar, decidimos abraçar esse projecto sem hesitar.

GC: Como foi a adaptação de todos?
RS: A cidade que escolhemos para viver foi muito acolhedora – Sion. Nas suas dimensões é semelhante às Caldas. As pessoas receberam-nos de braços abertos e, apesar da distância, podemos dizer que nos adaptamos bem, não sem algumas saudades. Dizer que os suíços são xenófobos e frios é, muitas vezes, uma injustiça.

“O comércio tem horário limitado e as escolas não funcionam de manhã à noite”

GC: A vida que fazem na Suíça é muito diferente da que tinham em Portugal?
RS: Em primeiro lugar vivemos com muito mais calma e tempo para estar em família. Em cada lugar onde estamos acabamos por reproduzir o mesmo mundo que é o nosso. Há uma constância que não depende do país onde vivemos. E, claro, na Suíça há a “Loja portuguesa”! Por outro lado a sociedade na Suíça está organizada de maneira a favorecer um ritmo de vida mais pausado e virado para o interior de cada família. O comércio tem horário limitado, as escolas não funcionam de manhã à noite. E, claro, há muito menos solicitações sociais (o que é também uma certa desvantagem). Mas num período de vida familiar com crianças pequenas, o investimento no núcleo familiar é algo de natural e inevitável.

GC: Qual é a sua opinião sobre o sistema de saúde na Suíça? É muito diferente do português?
RS: O sistema de saúde suíço tem um financiamento misto público e privado. Os cidadãos são obrigados a contrair um seguro de saúde privado (subsidiado se não têm condições económicas). Os hospitais concentram-se na prestação de serviços hospitalares, no sentido estrito do termo, e a maioria das prestações ambulatórias como a consulta externa são asseguradas por clínicas e consultórios privados.
O seguro de saúde (mesmo o mais barato) permite o acesso aos cuidados nos hospitais públicos e livremente nos consultórios privados. Em termos de qualidade, quanto às estruturas, equipamentos e “hotelaria”, o serviço é muito bom. No que toca a serviço ultra-especializados e de ponta com investigação, também se encontram alguns muito bons em especial nas neurociências. Porém, nos serviços gerais, a maioria dos doentes são tratados por médicos sem especialidade ou no início de carreira e com pouca experiência. Em muitos casos a qualidade não é superior ao que encontramos em Portugal.

GC: Prepara-se agora para uma mudança profissional, após dirigir o serviço de Psiquiatria num hospital público. Porque é que decidiu mudar-se para o sector privado?
RS: Desde que cheguei à Suíça (e na maior parte do tempo em Portugal) trabalhei essencialmente em hospitais públicos (excepto na minha passagem pelo Montepio). Isso é natural quando se está em formação. No último ano e meio tive a oportunidade de ser chefe de serviço adjunto, estando responsável por uma unidade de internamento de crise de 17 camas (com uma de cuidados intensivos).
Foi um desafio extraordinário onde aprendi muito sobre a gestão de equipas e de situações de crise. Há alguns meses surgiu a oportunidade de abraçar um projecto novo – trabalhar com uma equipa de médicos e psicólogos numa clínica privada em Lausanne. Esta pequena clínica tem uma filosofia interessante. Fornece tratamento psiquiátrico e psicoterapêutico de qualidade para todo o tipo de doentes, independentemente da gravidade da doença (incluído deficiência mental) e independente das capacidades financeiras. O projecto tem já alguns anos e consegue ser lucrativo.

GC: Como vive a comunidade portuguesa na Suíça?
RS: A maior parte da comunidade  portuguesa nas regiões onde vivi está relativamente bem integrada. Os núcleos familiares e locais reproduzem-se aqui. Acabam por viver próximo de elementos da sua família e da sua aldeia. A entreajuda é uma regra muito presente e mesmo invejada pelos meus colegas suíços.
Os chamados centros portugueses (em geral cafés e clubes futebolísticos) são o ponto de encontro da comunidade. O meu contacto com estes emigrantes passa muito pelo meu papel como médico. Existe também um bom espírito de entreajuda com outros colegas médicos portugueses com quem tenho trabalhado, dois dos quais tenho formado no meu serviço. O ambiente é talvez mais espontâneo e informal do que em Portugal.
“Os salários parecem altos mas o custo de vida é proibitivo”

GC: Quais são as principais diferenças entre a Suíça e Portugal?
RS: Aqui está uma pergunta muito difícil. Onde há homens existem os mesmos problemas e dificuldades. A Suíça não é um país sem corrupção, sem compadrio, sem cunhas nem sem burocracia.
Uma primeira diferença que salta aos olhos é que o país é cuidado como se fosse uma pedra preciosa. Os campos são cultivados ou no mínimo limpos, as ruas tentam estar limpas. Não há lugar (em geral) para grafitis.
O referendo é a principal arma de uma democracia de proximidade e participativa (mas também com elevadas taxas de abstenção). No entanto, tudo se paga. Os salários parecem altos, mas o custo de vida é proibitivo. A habitação é escassa e cara, assim como a alimentação. Acabam por ser dois mundos diferentes mas que se tocam numa mesma base civilizacional e cultural.

GC: Como gerem as vindas a Portugal? Gostariam de vir mais vezes?
RS: Em geral tentamos vir nas férias escolares. Os miúdos passam as férias de Verão nas Caldas com os avós assim como o Natal e a Páscoa, nós acompanhamo-los quase todo o tempo. É importante para nós que eles estejam bem enraizados. Fortes na sua cultura e identidade patriótica.

GC: Pensam regressar a Portugal um dia?
RS: O nosso objectivo sempre foi voltar após terminar a minha formação. O destino quis que a situação do país se agravasse. Neste momento hesitamos. Pensamos na educação dos filhos, na nossa estabilidade financeira.
No próximo ano teremos de reflectir e tomar uma decisão. Tudo depende dos projectos que possa ter ao nível da minha actividade clínica. O meu sonho é poder reproduzir em Portugal um projecto semelhante àquele que vou abraçar em breve: poder dar um tratamento psiquiátrico atempado e de qualidade a todos.

Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt