ALBERTO CORTEZ – da Lousã para as Caldas da Rainha para trabalhar na SEOL

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Gazeta das Caldas

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85 anos

Uma neta, três bisnetas e um bisneto

Eu sou o único sobrevivente dos primeiros quatro funcionários da SEOL (Sociedade Eléctrica do Oeste Limitada). Na verdade os outros três, os engenheiros António Vidigal, Carlos Dantas da Cunha e Fernando Pinto Correia, eram bem mais velhos do que eu, que tinha 17 anos quando em 1948 vim para as Caldas trabalhar na recém-criada empresa. Nem mobília tínhamos para o escritório. Mas já lá vamos.
Nasci em Lisboa em 20 de Dezembro de 1930 e não tenho memória dos meus pais pois morreram quando eu tinha dois anos. Éramos seis irmãos e fomos dispersos entre familiares que nos criaram. Calhou-me uma tia que vivia na Lousã e tinha o marido emigrado nos Estados Unidos. Foi ela que me criou. Fiz a escola primária e o Curso Complementar de Comércio (antigo 7º ano) em Coimbra.
Ia e vinha nos velhos comboios do ramal da Lousã e foi a esta vila que regressei quando tive o meu primeiro trabalho na empresa Licor Beirão. Tinha 16 anos. Só lá fiquei um ano, primeiro em part-time com um salário de 300 escudos (1,50 euros) por mês e depois o dobro quando passei a tempo inteiro.
Mas eu também estudara música. Sempre gostei de música e andei no Conservatório de Coimbra. E foi através de um maestro da Filarmónica da Lousã que cheguei à fala com um engenheiro da Companhia Eléctrica das Beiras, para a qual eu tinha concorrido a um emprego, sem sucesso.
A única coisa que ele disse que me poderia arranjar era um emprego nas Caldas da Rainha, mas inicialmente recusei. Não queria ir para tão longe, onde não conhecia ninguém. Mas, curiosamente, tinha lá passado umas semanas antes quando andei a ajudar um funcionário na distribuição de cartazes do Licor Beirão.
A minha tia ainda tentou por quatro vezes que eu fosse para os Estados Unidos, mas como o marido não quisera naturalizar-se americano, não pode chamar-me. E como ela própria e os meus primos também queriam ir ter com ele e eu já estava criado e preparado para a vida, acabei por vir a aceitar o trabalho nas Caldas da Rainha.
E foi assim que cá cheguei. Com 17 anos e uma mala. Para trabalhar na SEOL.
Convém aqui esclarecer que nos anos 40 a electricidade não fazia ainda parte do quotidiano de grande parte dos portugueses e que havia todo um trabalho a fazer para levar a luz eléctrica a todo o país. Quem explorava a energia eléctrica nas Caldas da Rainha era a Empresa Mineira do Lena que, a partir de uma central termoeléctrica em Porto de Mós (alimentada a carvão), trazia a electricidade até esta região.
Até que em 1948 foi criada a SEOL que tinha três sócios: a Companhia Eléctrica das Beiras, a Hidroeléctrica do Alto Alentejo e as Companhias Reunidas de Gás e Electricidade de Lisboa. A empresa foi criada a 28 de Janeiro e eu vim trabalhar em 13 de Abril.

O meu local de trabalho era no café

O meu local de trabalho era – ou deveria ser – num rés-de-chão do Bairro Viola na rua Mestre Francisco Elias. Mas aquilo estava ainda tudo em obras. O Bairro Viola só ficaria concluído nesse ano e o escritório nem sequer tinha mobília. Aliás, o Bairro Viola naquele tempo era longe do centro da cidade. Ficava num descampado e era o limite do lado norte das Caldas.
Por isso, nos primeiros meses o meu local de trabalho era no café (agora fechado) que fazia esquina entre a Rua Mestre Francisco Elias e a Fonte do Pinheiro. Eu estava ali sentado e quando via passar alguém com ar de querer alguma coisa da SEOL, eu abordava-o. Normalmente era algum recado para o Eng. Vidigal.
No resto eu ia aos correios e escrevia cartas. À mão porque nem sequer tínhamos máquina de escrever.
Só mais tarde vieram os móveis, enviados de Lisboa e passamos a ter um escritório. O material veio mais tarde, as máquinas de escrever, as máquina mecanográficas de fazer contas. E então sim: comecei a trabalhar mais a sério e a pôr em prática os meus conhecimentos do Curso Complementar de Comércio. E garanto que eu estava bem preparado.
Nesse tempo Portugal foi também abrangido pelo Plano Marshall (um vultuoso programa de investimento dos Estados Unidos para ajudar a reconstruir a Europa do pós-guerra) e a SEOL beneficiou de investimento para expansão da rede eléctrica. Só que as contas eram muito rigorosas porque os americanos eram muito exigentes. E nunca falhamos com nada.
Mas o jovem que eu era também se divertia. Comecei a namorar com 17 anos, poucos meses depois de chegar às Caldas. Vivi inicialmente no Hotel da Copa (que ocupava quase um quarteirão entre a Rua Coronel Andrada Mendonça e a Rua Dr. Miguel Bombarda). Eu ganhava 750 escudos (3,74 euros) por mês e não me sobrava nada porque era tudo para pagar o alojamento e as refeições. Depois fui aumentado para mil escudos (cinco euros) e mudei-me para um quarto alugado na Rua da Electricidade e depois para outro quarto na Avenida da Independência Nacional, onde fiquei até me casar (em 1954 com 25 anos).
Nas horas livres ia muito para a sede do Sporting Clube das Caldas ver jogar ping-pong e mais tarde comecei a jogar futebol no juniores do Sporting. E também participava nas actividades da Acção Católica e cheguei a pertencer à JOC (Juventude Operária Católica).
Em 1960, então, com 30 anos eu já era chefe de secção da SEOL, mas aceitei um emprego em Lisboa, na Sacor, que ficava na Rua do Alecrim. Em 1970 conclui um curso superior de Contabilidade no ISCAL e nesse mesmo ano fui trabalhar para a Leacock & Cª Lda. no Funchal como director financeiro. Estive lá quatro anos e em 1974 regressei às Caldas da Rainha para trabalhar na F. A. Caiado, também como director-financeiro. Reformei-me em Maio de 1992, com 62 anos.
Depois disso tenho mantido uma colaboração regular na direcção da Santa Casa da Misericórdia das Caldas. Ocupo parte dos meus dias a ler. E tenho ainda um part time como TOC (Técnico Oficial de Contas) numa empresa das Caldas.
Dizem que não há amor como o primeiro e o meu trabalho na SEOL ficou-me sempre como uma recordação muito grata. Formávamos uma boa equipa, uma rapaziada fora de série – brincávamos muito, mas tínhamos muito interesse pelo trabalho e praticamente construímos a SEOL porque partimos do zero. Quando eu saí, contando com pessoal técnico que tinha sido transferido da Empresa Mineira do Lena, éramos à volta de uns 50.
Ainda hoje continuo ligado espiritualmente à SEOL e fiquei com uma certa mágoa quando em 1975 a empresa foi absorvida pela recém-criada EDP.