ANNUS MIRABILIS

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Criar

Morrer é natural. É, aliás, uma das poucas certezas que se pode ter na vida, sendo outra a de que tudo está em permanente mutação. Assim sendo, esta evidência é válida não só para as pessoas e demais seres vivos, como também para os objectos e situações, e para todo o tipo de organizações, desde a família e o grupo de amigos até à equipa de trabalho e à organização com ou sem fins lucrativos. Não surpreende enquanto fenómeno inevitável, mas choca-nos a sua ocorrência inesperada, sobretudo quando tudo se faz para evitar essa perda. E mesmo quando a morte está à vista, não diminui a dor de ver partir (e de ver sofrer, se for o caso) aqueles (ou aquilo) por quem se criou afeição e apego.

Camões descreveu, como ninguém, esta mudança dos tempos e das vontades: “continuamente vemos novidades, diferentes em tudo da esperança: do mal ficam as mágoas na lembrança, e do bem (se algum houve) as saudades”. É assim mesmo o ciclo da vida – nascer, viver e morrer – e o guião da existência, havendo também para aí gente que chora quando vende o carro ou a casa, ou que – pasme-se – por egoísmo ou altruísmo hiper-realista, decide não gerar filhos para os poupar (e a eles próprios) ao sofrimento e à morte. E o que dizer daqueles que ameaçam morrer, dos que se fingem mortos ou dos que (se) matam por motivos fúteis e egocêntricos, por vezes em condições espectaculares, apenas para ganhar audiência e fama?
Morrer é natural, mas a morte tem de ser compreendida no seu contexto. Morrem os indivíduos, mas não morre a humanidade, contribuindo a morte, inclusivamente, para a regeneração da sociedade, desde que haja, evidentemente, nascimento de novos seres em número e qualidade suficientes para repor e incrementar os que desaparecem. E é aqui que reside o nosso problema e principal desafio: CRIAR. Criar os filhos que irão substituir os pais que envelhecem, criar as empresas que irão substituir com vantagens as que não evoluem e declinam, criar os objectos e eventos que irão merecer a preferência dos consumidores, interessados em novidades, oportunidades e alternativas.
Obviamente que temos de cuidar da saúde dos que existem, ajudando-os a manterem-se vivos, a evoluírem e a adaptarem-se, enquanto isso for possível e razoável. Mas, simultaneamente, é preciso investir na criação, na inovação, no empreendedorismo e na internacionalização, com coragem e atitude, alargando as nossas fronteiras geográficas e mentais, ou, como dizia Camões, realizando “obras valerosas” que nos vão ”da lei da morte libertando”. As Caldas da Rainha reúnem condições ímpares para se desenvolverem como a terra da criação e dos criadores, criando para a comunidade, criando para o país e criando para o mundo. Tem talento, tem recursos naturais e edificados, e tem o mercado que quiser, assim queira e saiba atrair os milhares de consumidores que esperam pelo seu apelo.