Crónica do Québec (Canadá) – A vetustez das nossas infra-estruturas

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Como já mencionei anteriormente, Montreal foi até meados dos anos setenta do século XX a capital económica do Canadá. Ainda continua a ser a única cidade deste país que organizou uma Exposição Universal. Vancouver, na Província da Colômbia Britânica na costa do Pacífico, em 1986, tal como Lisboa em 1998 receberam Exposições Mundiais, mas Montreal faz parte do círculo muito restrito das grandes metrópoles que organizaram Exposições Universais.

O ano de 1967, data da Exposição, é considerado por alguns o  apogeu económico da cidade. Sob a batuta de Jean Drapeau, «Maire» (Presidente da Câmara) visionário e numa época em que, como costuma dizer-se, ainda era permitido sonhar, esta cidade entrou definitivamente no grupo das grandes metrópoles. As grandes obras públicas cresceram de forma exponencial. Como exemplo, juntando-se às duas pontes então existentes, uma dos anos 1850, e outra dos anos vinte do século passado, construiram-se mais duas travessias que ligam a grande cidade à margem Sul do rio São Lourenço (depois disso nada),  a Ponte Champlain, do nome do explorador francês, que é actualmente a ponte canadiana com maior volume de tráfego diário, e outra através dum túnel que, sob o rio e numa distância de cerca de 1500 metros liga Montreal à cidade de Longueuil onde habitamos. Para parque da Expo, construiu-se uma ilha artificial no meio do rio, a ilha Notre-Dame onde hoje se encontra o casino da cidade e está situada a pista de Fórmula Um, e inauguraram-se milhares de quilómetros de auto-estradas.
Antes do início da decadência económica, o mesmo «maire» ainda organizou os Jogos Olímpicos de Verão de 1976, nos quais o atleta lusitano Carlos Lopes apenas foi vencido na Maratona pelo finlandês Lasse Viren, que segundo alguns estaria dopado, já que depois dessa prova não voltou a obter resultados dignos de registo, ao contrário do grande campeão português. O Estádio Olímpico da cidade é hoje o seu símbolo mais importante, mas a sua construção foi objecto de imensas polémicas tendo os custos iniciais sido ultrapassados dezenas de vezes. Como resultado,  andámos todos durante cerca de 30 anos a pagá-lo, através duma taxa especialmente criada para o efeito.
Precisamente no ano dos olímpicos, 1976, o Partido Quebequense, pró-independentista, vence as eleições provinciais e forma governo. Imediatamente após, as sedes de algumas das maiores corporações canadianas, começam paulatinamente a mudar-se para a vizinha Toronto, na província do Ontário, levando consigo o conhecimento dos seus dirigentes e o poder económico que os mesmos representavam. Devido a esta lenta decadência relativa, a manutenão das grandes infra-estruturas foi descurada. Pode dizer-se que, se em 1976 havia em Portugal  25 quilómetros de auto-estrada entre Lisboa e Vila Franca, e hoje é o que todos conhecemos,  no Québec de hoje, existem praticamente os mesmos quilómetros que ja existiam nesse longínquo ano. Se a isto acrescentarmos que a manutenção tem sido altamente deficiente, nesta época do ano sobretudo, a considerada época do degelo, conduzir nas nossas estradas ou nas ruas das nossas cidades é uma autêntica aventura, tal o número de buracos que temos de evitar. Alguns dos vários viadutos da cidade estão em tal estado, que um deles na saída Norte da cidade, ruiu em 2006,  tendo o incidente provocado dois mortos e seis feridos, que na altura passavam sob o mesmo.
Este acidente foi o último sinal de alarme de que as autoridades municipais, provinciais e federais  necessitavam para finalmente empreenderem grandes trabalhos de demolição dos velhos viadutos típicos da década de sessenta do século passado, substituindo-os por belos arranjos a nível do solo, com as vias todas no mesmo plano e, sinais dos tempos, lindos arranjos verdes envolventes que, uma vez projectados convenientemente garantem a mesma fluidez de tráfego que as feias e inestéticas vias a diferentes alturas do solo. Ao mesmo tempo estão em construção vários quilómetros adicionais de auto-estradas, que ao contrário das actuais passarão a ter custos de utilização. Lembro-me que, quando aqui cheguei em 1976, ainda a maioria das grandes obras públicas, pontes e auto-estradas eram portajadas. A pouco e pouco e durante a vigência do governo do partido quebequense, tornaram-se 100% gratuitas. Um pouco à imagem das Scut em Portugal afinal. Os governos, através de actos irresponsáveis e populistas, numa busca incessante de votos, prometem o impossível. Passado pouco tempo, dão o dito por não dito. Neste momento no Québec todos sabemos antecipadamente que, as grandes obras públicas em construção, pontes e autos-estradas, vão ser devidamente portajadas. Quando os políticos são acusados de terem deixado as velhas  infra-estruturas chegar ao estado lamentável em que se encontram actualmente, por manisfesta falta de manutençao, os nossos dignos representantes, desculpam-se com a dureza do clima canadiano. No entanto basta-nos atravessar a fronteira dos nossos vizinhos do Sul, aqui apenas a sessenta quilómetros, para abandonarmos as nossos vias dignas duma Bagdad na altura da guerra do Golfo, e entrarmos em autênticos tapetes de alcatrão escuro, sobre os quais conduzir é um exercício de  prazer. Assim,  cada vez que pagamos a nossa portagem numa estrada dos Estados Unidos, temos a certeza de estarmos a contribuir para que, a próxima viagem de carro em terras de Tio Sam, ao contrário do que acontece no Québec, seja ainda mais agradável que a actual.