Mi-carême

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O título desta semana não corresponde a nenhuma vaidade, sequer vontade, mais ou menos serôdia, de demonstrar que o escriba sabe francês, mas, e isso sim,  procura revelar uma data cronologicamente relevante e, ainda, actual.
Mi-carême, ou seja, a meio da Quaresma, é, na língua de Camões, um marco civilizacional que se deve à Igreja Católica francesa.
A quaresma, propriamente dita, continua actual para a Igreja portuguesa e, por isso, mereceu da conferência episcopal o estabelecimento, em 1984, de normas para o jejum e a abstinência nas dioceses portuguesas.
E por força delas os cristãos são especialmente convidados à prática da penitência: na Quaresma e em todas as Sextas-feiras do ano.
A abstinência consiste na escolha de uma alimentação simples e pobre. A sua concretização na disciplina tradicional da Igreja era a abstenção de carne e, daí, o conselho de manter esta forma de abstinência, particularmente nas sextas-feiras da Quaresma.

O jejum é a forma de penitência que consiste na privação de alimentos; faz-se, limitando a alimentação diária a uma refeição, embora não se exclua a toma de alimentos ligeiros às horas das outras refeições.
O jejum e a abstinência são obrigatórios em Quarta-Feira de Cinzas e na Sexta-Feira Santa.
Esta realidade levanta, no entanto, questões de dieta alimentar e económicas – diminuem as reservas do organismo e o consumo de certos alimentos.
Por essas razões e pelas sociais de permitir um momento de intervalo, surgiu o mi-carême.
E daí os bailes de mi-carême e, nas “papas”, os crêpes e os beignets, como guloseimas próprias.
Os beignets (chamados de acordo com a região de França, “merveilles”, “tourtisseaux”, “corchevets”, “nouets”, “ganses” ou ainda “bugnes” , “oreillettes” ou  “bottereaux”)  são preparação tradicional daquela data.
E porquê os crepes e os beignets? Porque permitia utilizar ingredientes perecíveis, já que até o consumo de ovos era interdito na Quaresma.
O problema é que os ovos só se conservam uma vintena de dias, ou seja, metade dos quarenta que dura a Quaresma, ou seja, o tempo que separa o Carnaval da Páscoa.
Daí as citadas iguarias, pretexto para o consumo dos ovos…
Sendo que todos sabemos o que são crepes, será que também sabemos o que são os beignets?
A palavra beignet é de origem Celta e significa aumentar.
Em França o beignet está associado definitivamente como a comida do Mardi Gras e do Mi-carême
Nos Estados Unidos são conhecidos como donuts.
Na Espanha são os Buñuelos.
Cá no burgo são, por exemplo, os sonhos, ao fim e ao cabo, pastéis que levam sempre farinha e ovos, acompanhados ou não por outros ingredientes, salgados ou doces; a sua variedade vai dos ditos às bolas de berlim, dos cuscurões aos peixinhos da horta! Denominador comum: farinha, ovos e  fritura!
Passada a Mi-carême, vinte dias mais tarde é a Páscoa.
E voltam os ovos.
Por tradição, para além das amêndoas (que parecem ovos pequeninos) e dos ovos (símbolo da vida), existe o pão-de-ló e os folares que, especialmente os padrinhos,  ofereciam às crianças.
Mas para os folares há que reservar espaço gráfico suficiente. Voltaremos ao assunto, havendo engenho e arte.