O menino e o sobreiro

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Gazeta das Caldas - Era uma vez
| D.R.

Era uma vez um menino que todos os dias descia ao rio. Ia pescar. Levava a cana na mão, anzóis e minhocas numa cestinha.
No caminho para o rio havia uma grande árvore, um sobreiro.
Um pastor também por ali passava para ir dar de beber ao rebanho. Era alto, muito magro, tinha o cabelo crespo e branco, e bigodes bonitos. Fazia lembrar um pai natal que tivesse emagrecido depois das festas, ou então um pai natal que tivesse retirado as almofadas com que enganara pessoas pretendendo ser gordo. Talvez também a barba de natal fosse mesmo só para os dias festivos e agora ele as deixasse em casa, de molho.
O menino sabia que, em todas as conversas que tinham, sempre o pastor dava uma resposta interessante, o que o deixava a pensar em assuntos que afinal pareciam não ter nada a ver com as suas interrogações.
Um dia perguntou ao homem porque levava os borregos a beber ao rio. Não seria melhor e menos cansativo dar-lhes de beber em casa?
O pastor sorriu e respondeu:
– Sabes, a água é preciosa e há pouca. Para a ter em casa eu teria de a tirar do rio com um motor e levá-la dentro de tubagens até aos meus campos. O motor é caro, gasta gasóleo que também é dispendioso, a tubagem ia custar dinheiro e por isso eu decidi que passear o rebanho todos os dias é mais interessante. Os meus borregos gostam da erva das margens, por aqui há fartura de comida para eles e posso conversar contigo.
Um outro dia o menino já tinha pescado uma truta que estava dentro da cestinha numa cama de folhas. Ia levá-la à Mãe.
Satisfeito consigo mesmo, o menino contou ao pastor:
– Tenho conversado muito aqui com este sobreiro, enquanto espero a tua chegada com o rebanho. A árvore também me ensina coisas extraordinárias. Quem me ensinou o nome da árvore foi o meu Pai.
O pastor tentou não mostrar a surpresa que esta revelação lhe estava a causar.
– O sobreiro fala contigo?
E o menino que ia pescar, respondeu:
– Ele ouve tudo o que eu lhe conto. Fica muito atento, tão atento que por vezes até aproxima um ou outro ramo da minha cabeça. E quando se ri até deixa cair bolotas para o chão. E até funga de riso. Funga mais quando está vento. Mas ainda nunca teve tempo para me responder.
– Ai não? Perguntou cautelosamente o pastor. E porque será que não responde?
– Penso que não responde porque ele nasceu no tempo do meu bisavô. E faz tanto esforço para crescer bem devagar que não pode cansar-se a palrar. Se se cansasse, como ia poder produzir cortiça?
– O sobreiro cansa-se? Porque pensas isso? retorquiu admirado o pastor.
– Então não vês que ele ainda não aprendeu a andar? Está aqui há mais de cento e cinquenta anos, e ainda não saiu do sítio.
– Mas se ele não te fala como consegues aprender com o sobreiro?
– É simples, disse o menino. Enquanto espero pelas respostas, vou pensando e, acabo sempre por encontrar alguma solução que, imagino, ele me poderia dar. E sempre poderá, um dia mais tarde, responder ao meu filho. Que hei-de ensinar a pescar e há-de vir aqui a este lugar.