Por defeito nascemos equipados com uma pré configuração egoísta, mas que nos é essencial à sobrevivência nos primeiros meses de vida.
No período narcisista da adolescência inflacionamos as nossas virtudes, deslumbrados que estamos com a suposta superioridade do ego.
Com o tempo, ou aprendemos a apaziguar o excesso de amor-próprio adotando impulsos que nos reforçam a integridade, evoluindo para seres eticamente fiáveis ou, transformamo-nos em versões cínicas e cinzentas de nós mesmos.
Como a ausência de investimento nos outros corresponde à lógica contemporânea dominante, cuja doutrina económica com base no capitalismo impele à satisfação ambiciosa dos desejos, faz com que o investimento de uns seja exclusivamente na definição de estratégias individualistas para o alcance do sucesso profissional.
Consequentemente, é o baixo nível de respeito próprio que inspira o currículo XPTO, mas que não VITAL, num capricho restrito às pomposas hostes carreiristas-partidárias do poder instituído. Nesse jogo de aparências ofuscantes, qualquer “nico de gente” apenas precisa se tornar versado no insuficiente, na mediocridade, no desprovido de conteúdo e no mau gosto. É-se autor elástico o bastante para que, sem pudor, recorrer ao abuso dos sinónimos mais improváveis e que qualquer processador de texto disponibiliza. Obtém-se um código de “palavras caras” como recurso para ocultar a superficialidade e simular o conhecimento pretensioso e hermético. Depois, um júri parcial para quem o requisito é ser-se do partido premiará generosamente esta apologia do eu. Bastando para tal redigir um relatório autobiográfico em formato gif, animado por num infindável loop em que a conclusão se funde com o início, com o meio, sem fim. E pronto. Alcança-se estatuto através da distinção académica, num artifício comportamental que não é percecionado como fútil e ridículo pelo próprio, mas como exagero de ostentação, por todos os restantes.
É como o efeito da dicção à “benzoca” e como, o apenas oferecer para beijar um lado da face para contrariar o que é a prática comum. Códigos de afirmação social que só funcionam entre os seus praticantes elitistas porque, para todos os restantes, são cómicos de tão absurdos. Tudo hashtags #psd#cds!
É destes quadrantes políticos que o despudorado autoelogio impera, o que por aqui também contamina determinados cronistas provenientes dessas mesmas formatações. Os indivíduos vaidosos que perderam o sentido de modéstia e humildade e que através das narrativas valorizam o seu próprio desempenho, fazendo alarde de suas façanhas pessoais. O que em nada abona a favor da classe política que, por este tipo de abusos, é cada vez mais penalizada pela abstenção, ao se tomar a parte pelo todo.
Face à desonestidade intelectual dos Infelicianos Impedimentos Duarte desta vida, não será melhor recorrer à via das manifestações, do fazer comícios e recitar slogans revolucionários que não alimentam a falsa superioridade sobre o próximo, de cujas vozes não se conhece aberrações similares, capazes de instituir um regime de esforço e trabalho diligente para que a obtenção da recompensa advenha da preparação, da aptidão e do talento?
Felizmente as democracias modernas tem mecanismos de autorregulação que permitem a qualquer um escrutinar, mais tarde ou mais cedo, a verdade. No entanto, a nossa democracia está a precisar de abrir concurso para a integração da auditora meritocracia que, até agora, só tem tido trabalho precário.
Maria João Melo
rainhaemcalda@gmail.com