A “veia culinária” de Rafael Bordalo Pinheiro

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Referi, quando me ocupei do azeite de Alexandre Herculano, que este foi o responsável pela Real Biblioteca da Ajuda e das Necessidades.
Ficou registo de jantares, com outros grandes das nossas letras, na casa de função que ocupava junto ao Palácio.
São notas dos que participaram e que mostra a importância por eles dada ao convívio bem pensante e a que a degustação de iguarias servia de veículo.
Disso é documento bastante o “Cozinheiro dos Cozinheiros”, também já referido!
Essa dupla “função” revestiu ainda outras formas, também privadas mas mais alargadas e participadas, como foram as associações gastronómicas.
Nas suas “Histórias e curiosidades gastronómicas“ ao referir o associativismo gastronómico, que considera pouco expressivo, José Quitério evoca o Clube dos MaKavencos.
Fundado em 1884 – “essa academia de esturdios e bons garfos”, como lhe chamou Aquilino Ribeiro – por iniciativa de Francisco Almeida Grandela, e contou, entre os seus inúmeros membros nomes, como Rafael Bordalo Pinheiro. Só estas duas personalidades, da maior relevância por estas bandas, justificam largamente a curiosidade de qualquer um.

“Ficou definitivamente instalado nos baixos do teatro da Rua dos Condes (…). Reuniam às sextas-feiras, sem pompa, mas com a circunstância da constante presença feminina, a cargo de actrizes, cantoras e coristas. Não eram autorizadas discussões sobre política e religião – de resto, o leque de opções partidárias ia de extremo a extremo. Pelos estatutos era mesmo proibido aos ministros e a outras entidades frequentarem o Clube.
Com a data de 7 de Abril de 1904, Rafael Bordalo Pinheiro enviou, de Lisboa, a Paulo Plantier (o já referido editor do Cozinheiro dos Cozinheiros) a sua receita a que chamou eiróz do mar à patriota.
Confesso não ter dados que me permitam saber a razão do título dado à iguaria; talvez tudo se deva ao estado emocional da sociedade portuguesa, à época, ainda na ressaca do ultimato inglês e, vá-se lá saber, sob a “inspiração” dos versos de Afonso Lopes de Mendonça, letra do hino nacional…
A eiróz, essa presumo-a apanhada na lagoa de Óbidos. Não resisto, pela sua originalidade coeva, a passar-lhes a respectiva receita:
– Põe-se dentro de um tacho, não muito grande, uma chávena com o fundo para cima, enrola-se uma eiroz em volta da chávena, em seguida deita-se-lhe uma colher de vinagre quatro ou cinco de vinho branco, duas ou três colheres de manteiga, das de sopa, (assim como as anteriores), meia folha de louro, um dente d’alho, e bastante pimenta.
– Tapa-se muito bem o tacho, pondo-se-lhe em cima da tampa (ou prato que a substitua), um ferro, ou qualquer peso, para evitar que saia o vapor. Deixa-se ferver meia hora em lume brando, sacudindo de vez em quando o tacho, sem o destapar. Serve-se logo em prato coberto.