A linha do Oeste é um exemplo da negligência que tem afectado a ferrovia nacional

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Numa altura de impasse quanto ao futuro da linha do Oeste, a comissão para a defesa daquela estrutura recusa-se a baixar os braços e promete continuar a lutar até que o fantasma do encerramento do transporte de passageiros entre Caldas da Rainha e Figueira da Foz esteja definitivamente afastado. A promessa foi deixada por Rui Raposo, responsável pela comissão, numa sessão pública que na noite de 12 de Junho juntou cerca de 50 pessoas na sede da Junta de Freguesia de Nossa Senhora do Pópulo, nas Caldas da Rainha, cidade onde o comboio chegou pela primeira vez há precisamente 125 anos.
Mais uma vez, a linha do Oeste foi considerada “elemento de desenvolvimento da região” e uma estrutura fundamental para que se assegure “um futuro melhor do ponto de vista ambiental”. Por isso, é preciso que de uma vez por todas o governo decida não encerrar qualquer serviço da linha e avançar definitivamente para a sua requalificação, há tantos anos reclamada, entende Rui Raposo.
Uma opinião partilhada por Francisco Asseiceiro, engenheiro especializado em infra-estruturas ferroviárias, que alertou para a necessidade de salvaguardar o “património valiosíssimo que a rede ferroviária nacional”, posta em risco pelos que defendem que o mais acertado é fazer linhas novas.
Para o técnico, a desvalorização do caminho-de-ferro a que se assiste hoje em Portugal “é consequência do encerramento de actividades produtivas que nos fazem falta e que alimentavam o caminho-de-ferro”, como aconteceu com diversas empresas de siderurgia e de metalomecânica.
Para Francisco Asseiceiro, o futuro passa por ter o caminho-de-ferro a funcionar em pleno, “valorizá-lo, melhorá-lo e integrá-lo na revitalização das nossas actividades produtivas”. Mas para que isso aconteça, há que introduzir mudanças profundas na gestão das empresas públicas de transportes e mudar a actual política de construção de ramais para as fábricas, cujos custos são muitas vezes incomportáveis para essas empresas.
“Deveria separar-se o que é a construção de vias e o que é a operação de transporte pois o governo obrigou as empresas públicas a colocarem o custo das infra-estruturas nas suas contas, o que representa cerca de 90% das suas dívidas”, salientou o engenheiro, apontando que este endividamento serve como argumento à privatização.
LIQUIDAR O QUE NÃO DÁ LUCRO

A intenção de privatizar o transporte ferroviário foi ainda salientada por Abílio Carvalho, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários. O sindicalista referiu que “a aposta tem sido sempre liquidar tudo o que não permitir altas taxas de lucro aos futuros operadores privados, desprezando as vantagens que têm para as populações e as empresas a existência de uma rede de transportes públicos”.
A linha do Oeste é, para Abílio Carvalho, um exemplo da negligência que tem afectado a ferrovia nacional. O sindicalista disse que “ao longo dos anos têm sido praticados horários para deixar gradualmente de servir as populações, têm deixado degradar as estações e a linha, não fazendo nenhum investimento”.
Na sessão de dia 12 foram ainda relembradas memórias dos tempos em que o comboio era um dos meios de transporte mais importantes. Manuel Rodrigues, que foi ferroviário durante 48 anos, parte dos quais como chefe da estação de São Martinho do Porto, lembrou que já nos anos de 1987/1988 se falava no encerramento do transporte de passageiros a norte das Caldas. “Todas as acções de luta têm servido para nos mantermos alerta, mas também para alertar o governo”, realçou, exortando à promoção de mais iniciativas de luta, agora que “a ordem de encerramento chegou e com carácter definitivo”.
Já José Carlos Faria recordou os tempos em que, ainda miúdo, muito do seu tempo livre era passado na estação caldense. O cenógrafo do Teatro da Rainha lembrou que o comboio significou, em tempos, progresso e desenvolvimento, mas acabou por ser afectado pelo que diz ser um “conluio de trucidar aquilo que podia ser a melhor ideia de serviço público”, um “ponto de vista lobístico que não tem a ver com os interesses das comunidades”.
Olhando para o desenho de 1880 onde Rafael Bordalo Pinheiro satiriza o caminho-de-ferro português, José Carlos Faria diz que “não é que a história de repita, mas é pelo menos muito parecida, o que é lamentável”. E em ano do 125º aniversário da chegada do comboio às Caldas, diz que “a melhor forma de comemorar é lutar pela manutenção da linha”.
Às memórias juntaram-se, no fim da sessão, diversos poemas onde se fala de comboios. Obras de diversos autores portugueses lidos por Manuel Freire.

Joana Fialho

jfialho@gazetadascaldas.pt