O ciclista argentino que quer levar cartas ao Papa

0
1369
Matyas Amaya
Matyas Amaya à entrada de Óbidos com a sua bicicleta “Liberdade”, na qual transporta cerca de 60 kg de carga

Matyas Amaya, o ciclista argentino que está a percorrer o mundo há mais de quatro anos e transporta cartas para entregar ao Papa Francisco, passou pelo Oeste no final da semana passada. À Gazeta das Caldas disse que esta viagem fez sobressair o amor que tem pela família – com a qual tinha uma relação difícil -, fê-lo ser mais humilde e ensinou-lhe que as coisas simples são as que o fazem mais feliz.

Matyas Amaya, de 33 anos, esteve nas Caldas dois dias, 17 e 18 de Novembro. Visitou Óbidos no sábado e o Bombarral no domingo, de onde seguiu para a Ericeira, rumo ao sul do país.
Nas Caldas gostou de ver que se conservam os monumentos históricos. Também gostou dos prédios forrados a azulejo e da história da cidade retratada na azulejaria, por exemplo na estação dos comboios. “Não vi isso noutra parte do mundo até agora”, observou. O que também não passou despercebido foi a louça malandra das Caldas. “É uma coisa que me vai ficar na memória e vou levar um exemplar para um dia oferecer a uma rapariga”, gracejou o viajante argentino.
Matyas Amaya ficou nas Caldas dois dias porque encontrou uma família caldense que o acolheu. Viaja sem itinerário e sem planos, e quando chegou às Caldas não tinha onde ficar, o que o levou a colocar um post no Facebook à procura de alojamento. “Havia uma pessoa, Gilberto Pereira, que seguia a minha viagem pela Internet, e quando ele soube que eu estava nas Caldas deixou de fazer as suas coisas para me procurar. Fez com que passasse dois dias espectaculares e conhecesse coisas que não conheceria se estivesse sozinho”, contou.
Matyas Amaya diz que esta hospitalidade que encontrou em Portugal só tem paralelo no que vivenciou no Brasil. Uma vez que viaja sem dinheiro, no continente americano trabalhava em troco de comida e de um lugar para dormir. “Lá é muito fácil arranjar trabalho, na Europa é diferente, mas graças às pessoas posso continuar a minha viagem”, disse. Para obter alguma receita, tem impressas fotografias que tira nos locais onde passa e que dá a quem lhe oferece algum donativo. Tem pernoitado em quartéis dos bombeiros, como aconteceu em Óbidos e no Bombarral. Quando não é possível, passa a noite numa tenda.

70 MIL QUILÓMETROS PERCORRIDOS

Esta viagem começou a 5 de Abril de 2012 em San Juan, na Argentina, de onde é natural. Cumpriu 65 mil quilómetros no continente americano e está agora na Europa, onde pretende ligar Portugal e a Rússia até 2018, a tempo do campeonato do mundo de futebol.
Pelo meio vai passar pelo Vaticano e esta é uma missão que o move. Na bagagem leva cartas de pessoas que encontra pelo caminho e que têm algo para dizer ou entregar ao Papa Francisco.
De resto, há muito de espiritual nesta viagem de Matyas Amaya, que deixou um bom emprego e uma vida boa para demonstrar que “com poucas coisas consegue-se fazer muito, com esforço e sacrifício”, afirma. Trabalhava num laboratório farmacêutico e cansado de lhe dizerem que podia viajar porque tinha carro e dinheiro, agarrou na primeira bicicleta que os pais lhe deram, nos anos 90 – que baptizou de “Liberdade” – e pôs-se ao caminho.
Esta experiência tem sido uma lição de vida e Matyas Amaya diz que é hoje uma pessoa mais humilde do que quando começou. “Dei-me conta de que as pessoas estão muito preocupadas com o que não têm e não percebem que podem ser felizes com coisas muito simples”, diz.
Por outro lado, o relacionamento com a família é hoje muito melhor, apesar da distância, do que era há quatro anos. “Quando estava em casa não falei com o meu pai por muitos anos, dava-me mal com o meu irmão. A minha viagem valorizou a minha família, estamos mais unidos que nunca e falo com eles a cada dois ou três dias”, conta o ciclista.
Este é um tema que aborda sempre que tem a possibilidade de estar com jovens e adolescentes, a quem aconselha a fazerem uma viagem de pelo menos um mês, como uma peregrinação a Fátima, ou o Caminho de Santiago. “É nestes momentos que nos damos conta da importância da comida que a mãe faz, ou das palavras que o pai nos disse e que não compreendemos na altura e até ficámos zangados”, sustenta.
A família está sempre presente nas fotografias, que são a primeira coisa que vê quando olha para o quadro da bicicleta. “Nos momentos mais difíceis basta olhar e dá-me uma força que nem sei que tenho”, acrescenta.

TREINO, ESFORÇO E SACRIFÍCIO

Na sua “Liberdade”, que pesa 22 kg, Matyas Amaya transporta uma carga que ronda os 60 Kg. “Sei que tenho coisas a mais”, afirma, mas diz que tem dificuldade em desfazer-se de pequenos objectos que lhe dizem tanto. É o caso das várias peças da bicicleta que se estragaram e teve que substituir, mas que quer guardar “pelo que fizeram por mim”, sublinha. Também leva consigo as cartas para o Papa Francisco e coisas que lhe dão, mesmo quando diz que não precisa. É o caso de roupas que não vai usar, mas que transporta até encontrar quem precise.
Já com cerca de 70 mil quilómetros percorridos, Matyas Amaya tem uma fórmula para gerir o esforço, que também é uma lição de vida que lhe foi passada por um monge budista no Brasil, com quem passou sete meses. “Disse-me que temos que praticar quatro coisas: espiritualidade, sentimento, a parte física e a parte mental”, relata. Todos os dias percorre entre 20 a 30 quilómetros, o que encara como um treino. Uma vez por semana tem que se esforçar mais e faz sensivelmente o dobro. E uma vez por mês tem que fazer um sacrifício, pedala até não poder mais. Até agora o máximo que conseguiu foram 80 km num dia.
Realça que ao longo desta viagem conheceu muitas pessoas de diferentes culturas e estratos sociais, mas as que mais o ensinaram foram “as mais humildes”.
Matyas Amaya não tem a certeza se terminará esta aventura dentro de dois anos, quando chegar à Rússia. Mas sabe que, “quando chegar ao topo desta montanha e olhar para trás, para tudo o que fiz, terei um sorriso no coração”.