Desde o início da guerra, que já chegaram às Caldas da Rainha 336 cidadãos oriundos da Ucrânia

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As alunas ucranianas e a professora de Português, que lhes dá aulas à quarta-feira

A esmagadora maioria chegou entre março e meados de abril do ano passado. São sobretudo mulheres e crianças, que ficaram a residir na região e estão a integrar-se, tanto ao nível laboral como escolar, sendo que o maior entrave é a língua

Katerina Pen veio, na manhã de quarta-feira (15 de março), na sua scooter de mobilidade reduzida, do Casal Queijo, no concelho do Bombarral, para as antigas instalações da Colmeia (nas Caldas da Rainha) para assistir aquela que foi a sua primeira aula de Português. Natural de Mariupol, conseguiu sair da cidade bombardeada no leste da Ucrânia há perto de um ano. Chegou a Portugal a 10 de abril do ano passado, juntamente com o filho e o marido (que é seu cuidador pois Katerina é inválida) e os seus seis cães, e foi morar com a mãe, que já reside neste país há 23 anos. Encontrou por cá um país “calmo, com pessoas bem dispostas”, onde se sentiu bem acolhida.
Em Mariupol já não tem casa. Foi bombardeada, tal como a dos pais e dos sogros, pelo que não tem para onde voltar, apesar de ainda lá ter o pai, que sabe que está vivo, depois de ter estado quatro meses sem saber do seu paradeiro. Agora, em Portugal aprende Português, tal como o filho, de 18 anos, que frequenta o 10º ano no Bombarral e “já tem uma namorada portuguesa”, conta, contente, a mãe.
Lesia Behey fugiu, com a filha de 10 anos, logo no primeiro dia de guerra na Ucrânia, a 24 de fevereiro de 2022, e demorou uma semana a chegar às Caldas, para se juntar à irmã. Como a ideia inicial era a de regressar a Lviv em pouco tempo, a menina ainda estudou online na escola ucraniana, mas mês e meio depois, foi para escola caldense para o quarto ano. Agora frequenta o quinto ano na EBI de Santo Onofre. A refugiada ucraniana toma conta da filha e também da sobrinha pois a irmã é camionista, juntamente com o marido. Está à procura de trabalho, mas tem de ser em tempo parcial, de modo a poder continuar a tomar conta das crianças.
É a permanência da guerra que mantém mãe e a filha nas Caldas enquanto que o marido está na Polónia. Lesia quer muito voltar mas a filha habituou-se e já não pretende regressar. “Nos primeiros dois meses chorava porque queria voltar, mas agora gosta e quer continuar nas Caldas”, conta à Gazeta.
Tal como elas muitos outros refugiados, a sua grande maioria mulheres e crianças, esperam que a guerra acabe para voltar à terra natal, outros já voltaram e outros ainda, optaram por refazer a vida onde foram acolhidos.
Desde o início da guerra, que já chegaram às Caldas 336 cidadãos oriundos da Ucrânia. A esmagadora maioria chegou entre março e meados de abril do ano passado, sendo que nos últimos três meses apenas chegaram sete famílias.
O local de apoio aos refugiados ucranianos está agora situado na antiga Colmeia (junto ao Bairro Azul) onde possuem duas salas, uma destinada às crianças e outra, de convívio e onde uma professora voluntária dá aulas de Português. Também continuam a distribuir, entre segunda e sexta-feira, bens pelas famílias que necessitam, embora a situação agora se torne mais difícil ao nível dos alimentos, pois já não possuem fundos para os adquirir. O concerto solidário da cantora Rebeca, em março do ano passado, rendeu 4600 euros, que foram entregues à Cruz Vermelha para gerir na entrega de bens alimentares para os refugiados, tendo o resto do dinheiro sido gasto o mês passado. “Agora não sei como vamos suportar a ajuda”, conta Yara Pernay, natural de Chernivcy (na Ucrânia), mas que vive em Portugal há mais de duas décadas e é uma das cinco voluntárias que garantem o funcionamento diário da Colmeia.
Os voluntários estão a receber donativos de bens alimentares, às segundas, quartas e sextas-feiras, das 10h00 às 18h00, e contam com o apoio da associação MVC e da Oeste Internacional Community Volunteers (OICV). “Neste momento temos 72 famílias que são apoiadas pelo centro, com alimentação uma vez por mês”, explica Yara Pernay, acrescentando que dão prioridade na ajuda às mãe com crianças e sem pai em Portugal, devido à dificuldade que têm em arranjar trabalho.
De acordo com a voluntária, que desde que começou a guerra tem tido uma ação muito ativa no acolhimento dos seus compatriotas, “as famílias estão a integrar-se” e diz estar particularmente feliz por saber que as crianças estão todas na escola e na creche. Os mais novos são, aliás, a maior preocupação de Yara, que gostaria que tivessem um maior apoio ao nível da língua portuguesa, sobretudo no tempo de férias. Explica que há algumas diferenças ao nível do ensino, nomeadamente o facto de em Portugal serem 12 anos de escolaridade obrigatória, enquanto que na Ucrânia são 11, que quando ingressam no ensino secundário têm de escolher uma área ou que podem chumbar por faltas. Também o apoio psicológico que foi facultado aos mais novos “correu mal” por causa da língua, conta a voluntária que muitas das vezes disponibilizava o seu único dia livre, o domingo, para servir de tradutora.
Também a Câmara das Caldas tem apoiado na integração dos refugiados através do Gabinete de Acolhimento aos refugiados, nomeadamente ao nível da regularização no país, no acesso a habitação e despesas associadas à mesma, bens de primeira necessidade e cuidados de saúde, na inserção em mercado de trabalho, na intermediação cultural e no acesso à aprendizagem de Português como língua de acolhimento. “De forma continuada, desenvolvemos uma articulação com mediadores culturais que, desde a primeira hora se associaram à atividade do gabinete criado para o efeito”, refere a autarquia. Dos agregados familiares inicialmente registados, permanecem a residir no concelho 189 cidadãos ucranianos, refugiados de guerra.
Continuam a ser prestados os apoios, embora agora em menor quantidade, tendo em conta que alguns agregados foram para outros locais e outros regressaram à Ucrânia. Este ano a Câmara está a preparar um conjunto de outras iniciativas com vista, já não à instalação de refugiados, mas à integração dos cidadãos que permanecem no concelho, “com especial enfoque nos menores, no âmbito da educação, da formação e da integração pela arte e pelo desporto”.
O município também disponibilizou soluções habitacionais, nomeadamente instalações da Câmara e através de diligências junto do Ministério da Agricultura, que cedeu as instalações do Centro Profissional de Formação do Coto. Igualmente, alguns munícipes disponibilizam-se para se constituir como famílias de acolhimento. Atualmente o município continua a apoiar sete agregados familiares ao nível da habitação. ■