Forcados das Caldas já têm 25 anos e organizaram treino aberto na Praça de Touros

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Nos treinos os jovens pegaram duas vacas e um novilho. Da sua performance dependerá a entrada para o grupo de forcados.

Habitualmente treinam em ganadarias, em Vila Franca de Xira, no Alentejo, ou até em Espanha, mas no passado sábado o Grupo de Forcados das Caldas realizou um treino à porta aberta na Praça de Touros da cidade para dar-se a conhecer à população e reunir velhos amigos. Quase 30 “fardáveis” (candidatos a forcados) pegaram duas vacas e um novilho sob o olhar atento do cabo Francisco Mascarenhas, que decidirá quais deles poderão integrar o grupo.

Estar em frente ao toiro naqueles segundos que antecedem a investida é adrenalina pura. Vasco Morgado, 53 anos, que foi o primeiro cabo do Grupo de Forcados Amadores das Caldas da Rainha, diz que “a partir de certa altura a emoção domina mais do que a racionalidade, porque se é verdade que os toiros se pegam com uma técnica e com um funcionamento correcto do grupo, também é certo que há um momento em que domina a irracionalidade, a emoção e a adrenalina”.
Quem o diz até nem fez muitas pegas de caras. Vasco Morgado era “primeiro ajuda”, o que significa que era o forcado que fica imediatamente atrás do que pegava no toiro. Mas esses momentos na arena, sob os holofotes e o nervosismo partilhado de milhares de pessoas, são marcantes e é por isso que neste sábado o antigo forcado está na praça de toiros das Caldas para assistir aos treinos e reviver velhos amigos.
A praça não tem o brilho das noites de tourada. O recinto está coberto de vegetação, as bancadas estão vazias e só marcam presença perto de 80 pessoas (entre as quais cerca de 30 crianças), que se aglomeram num dos lados da arena, a favor do Sol. Também não há música, nem luzes, nem gritos. É apenas um treino aberto do Grupo de Forcados das Caldas, com entrada livre para quem quiser assistir.
Duas vacas e um novilho passam durante a manhã pelo recinto. Pesam entre 300 a 350 quilos, enquanto que os toiros de lide ultrapassam os 500 quilos. Mas isto é apenas um treino e há quase 30 jovens, entre os 16 e os 20 anos, que querem ser forcados e por isso vão-se revezando nas pegas de caras, enfrentando o animal. Diga-se que a maioria das pegas são bem sucedidas.
Vasco Morgado assiste da bancada e explica. “A vaca está a raspar com a mão na terra e com a cara para baixo. As pessoas pensam que isso é sinal de bravura, mas é o contrário. O animal está a encostar-se a um canto e a proteger-se. O forcado agora não deve desafiá-lo. Só se provoca um toiro para investir quando ele está de cara erguida e imóvel”.
A pega concretiza-se. É ainda um adolescente o rapaz que se agarra aos cornos da vaca e aguenta a investida até ser ajudado pelo resto do grupo que imobiliza o animal. Vasco Morgado aplaude. E explica à Gazeta das Caldas a importância da confiança, amizade e coesão num grupo de forcados: “a primeira qualidade para se ser forcado é a capacidade de integração no grupo porque dependemos uns dos outros, a segunda é o gosto pela actividade e só depois é que vem a capacidade de controlar o medo, ou seja, a coragem”.
Daí a importância do cabo enquanto líder do grupo. Ele tem de manter a confiança e coesão, estimular o espírito de corpo, mas é ele que trata também de arranjar contratos com os empresários tauromáquicos. Na corrida, o cabo escolhe na hora o forcado que vai pegar o toiro, em função do seu desempenho nos treinos e das características do bicho.
Já foi há 25 anos que Vasco Morgado foi cabo. Hoje assiste na bancada ao desempenho do seu sucessor, Francisco Mascarenhas, 29 anos, que lá em baixo dirige os treinos e a quem compete escolher, dos 26 candidatos a forcados, quais poderão vir a “honrar a jaqueta” do grupo caldense. Honrar a jaqueta é, por analogia com o futebol, o mesmo que defender a camisola. “É a cagança do nosso grupo, é o gosto, a união, o orgulho e a amizade entre todos”, resume o antigo forcado.

FORCADOS SÃO DE LISBOA

Francisco Mascarenhas é o quarto cabo dos forcados caldenses, ao lado de Vasco Morgado que há 25 anos fundou o grupo

O Grupo de Forcados Amadores das Caldas da Rainha foi fundado em 1993 e Vasco Morgado manter-se-ia à frente dos seus destinos até 2000, sucedendo-lhe Francisco Calado e Nuno Vinhais. Hoje, grande parte dos seus elementos são de Lisboa “porque a malta na altura começou a ir para a universidade e vieram os amigos e muitos entraram no grupo”. O actual cabo, Francisco Mascarenhas, é da Abrigada (Alenquer) e o próprio reconhece à Gazeta das Caldas que grande parte dos elementos do grupo que lidera são de Lisboa.
Em 2013, quando o grupo fez 20 anos, Vasco resolveu participar numa pega. Tinha 48 anos, a coisa correu bem, mas conta que fez uma nódoa negra numa perna desde a virilha até ao joelho. “Se fosse quando eu era jovem, aquilo era um beliscão. Não há dúvida que a idade conta”, desabafa. E não é por acaso que alguns dos “fardáveis” que correm agora na arena em frente ao novilho ainda têm acne na cara.
A julgar pela quantidade de crianças que há neste treino-convívio (toda a gente se conhece), há futuro para a actividade. Há pais que levam os filhos, às vezes ao colo, à arena para tocarem no animal quando este está imobilizado pelos forcados.
Vasco Morgado reage com surpresa à pergunta “o que acha dos movimentos anti-touradas?”.
“É a primeira vez que me fazem essa pergunta. Acho que é tudo fruto da ignorância e contra a ignorância pode-se pouco. É uma ignorância teimosa porque não têm a mínima noção do que se aprende nos grupos de forcados – a amizade, a honestidade, a lealdade. E depois há muita hipocrisia porque os toiros crescem em liberdade na natureza e vivem com dignidade, ao contrário dos animais criados para a alimentação”. O aficcionado critica ainda que se dê “mais importância à causa animal do que à causa humana, quando há pessoas a morrer de fome e nas guerras”.