Investigador caldense em Cambridge surpreende o mundo com descoberta científica na área das células estaminais

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cambridgeA notícia correu mundo. Um estudo realizado na Universidade de Cambridge em parceria com a Universidade de Coimbra identificou uma maneira de transformar células adultas em células pluripotentes (iPSCs). A relevância desta descoberta é tal que as iPSCs poderão no futuro ser utilizadas no tratamento de doenças neurodegenerativas. Mais: a aceitação do organismo humano aos transplantes poderá ser quase total pois será possível usar células iguais às do paciente, evitando-se assim que este passe o resto da vida a tomar imunossupressores. Mas o mais interessantes desta descoberta é que ela provém de um caldense!
Rodrigo Luiz dos Santos, de 26 anos, é da Cumeira (Santa Catarina) e, graças a um artigo que publicou na conceituada revista Cell Stem Cell, foi notícia nas revistas de especialidade e na imprensa generalista do mundo inteiro.
Gazeta das Caldas “falou” através do correio electrónico com este investigador em Cambridge que nos conta o seu percurso de vida.

GAZETA DAS CALDAS – A sua descoberta foi notícia no mundo inteiro. Isso encheu-o de orgulho?
RODRIGO SANTOS – Nem por isso. Entreguei-me a cem por cento ao projecto e fico contente por tê-lo finalizado. Aprendi muito e com a minha investigação criei novo conhecimento cientifico. Isso sim, foi bastante gratificamente para mim.
GC – É assim tão óbvio que as iPSCs podem vir a combater doenças como o Alzheimer e a Parkinsson?
RS – Eu acredito que sim. Vários cientistas já mostraram resultados comprometedores em macacos. Para além disso, está neste momento a ser realizado um estudo clinico em humanos no Japão usando estas células para a cura de doenças relacionadas com a perda de visão.
GC – Foi longo o percurso até chegar a Cambridge. Onde fez a escola primária?
RS – Fiz a escola primária na Cumeira, a escola básica em Santa Catarina e o secundário no Externato Cooperativo da Benedita. Depois fui para a Universidade de Coimbra, onde fiz a licenciatura e o mestrado em Bioquímica.
GC – No seu percurso académico que professores mais o marcaram?
RS – O professor Lalanda Ribeiro. Foi meu professor de Matemática no 10º e 11º ano no Externato Cooperativo da Benedita. Penso que até hoje foi o melhor pedagogo que alguma vez encontrei. Um professor que ensinou mais que Matemática. O seu amor pelo ensino e o seu modo de vida marcaram-me muito.
GC – Porquê a sua apetência para as ciências? É uma vocação que já veio desde a infância?
RS – Sempre gostei muito de ciências. Já na primária as minhas disciplinas preferidas eram Matemática e Estudo do Meio. Esse gosto cresceu com o tempo e influenciou muito a escolha do meu curso superior. Fui para Bioquímica pois é um curso construído sobre quatro áreas do saber: Biologia, Química, Física e Matemática.
Durante o curso entrei em contacto com a investigação científica que os meus professores estavam a conduzir nos seus laboratórios e decidi que também queria ser investigador.
Entrei assim no Programa Doutoral em Biologia Experimental e Biomedicina, onde durante um ano tive aulas com professores de todo o mundo. Após esse ano, decidi que queria continuar o meu doutoramento a investigar o comportamento das células estaminais, e para isso juntei-me a um laboratório da Universidade de Cambridge, onde estou até hoje.“AS ACTUAIS POLÍTICAS DE INVESTIGAÇÃO EM PORTUGAL NÃO EVITAM A FUGA DE CÉREBROS”
GC – Acha que a investigação científica portuguesa fica muito aquém do que de melhor se faz lá fora?
RS – Eu acho que há muito boa investigação a ser feita em Portugal. Há centros de investigação em Coimbra, Lisboa e Porto que são competitivos a nível mundial. A ciência é feita de pessoas, e onde quer que esses “bons cientistas” estejam vai haver “boa investigação”.
Eu estou associado a ambas universidades – Coimbra e Cambridge – e isso permitiu-me verificar que há possibilidade de haver boa ciência em todo o lado. O problema de Portugal está em conseguir atrair, ou reter, talento. As actuais políticas de investigação não conseguem evitar a “fuga de cérebros”.
GC – É um problema de financiamento?
RS – Sim. Fazer investigação de alto nível envolve um elevado financiamento e esse é escasso em Portugal. Para lhe dar um exemplo, no laboratório onde estou na Universidade de Cambridge somos apenas cinco investigadores e temos um financiamento na ordem do meio milhão de euros por ano.
Sem esse financiamento, a investiagação que agora terminei não teria sido possível. Foi por isso que decidi mudar de país e vir para Cambridge. Queria experimentar como é estar num meio onde há os recursos humanos e finaneiros para se fazer ciência de topo. Penso que a questão do financiamento é a maior diferençao entre Portugal e o Reino Unido.
GC – Percebe-se então por que a política para a ciência do actual governo tem sido tão contestada.
RS – Um dos grandes problemas que os cientistas em Portugal enfrentam é a procura de financiamento para os seus laboratórios. Principalmente os cientistas mais jovens, que ainda estão numa fase inicial da sua carreira. Penso que pode haver alterações nesta políticas no sentido de tornar Portugal mais atractivo para os jovens cientistas.
GC – A sua carreira está, então, condenada a ser no estrangeiro?
RS – Para já vou continuar pelo Reino Unido. A investigação que agora terminei tem a ver com a Medicina Personalizada, e quero continuar a minha carreira a trabalhar nesta área. Penso que o futuro da Medicina passa pela Medicina Personalizada, em que cada paciente será tratado de modo diferente de acordo com as suas características, visto que hoje em dia já é possivel recolher toda a informação genética de um indivíduo por menos de 1000 euros.
GC – O que ganham as pessoas em conhecer a sua informação genética? E se vierem a saber algo que não desejam?
RS – Uma grande percentagem das doenças mais debilitadoras têm uma componente genética. A análise do DNA permite determinar a probabilidade de um indivíduo vir a sofrer uma determinada patologia, como cancro ou doença neurodegenerativa, possibilitando um tratamento precoce o que leva a melhores resultados clinicos. Basicamente permite apostar na prevenção.
Os testes genéticos ainda não são de carácter obrigatório, pelo que apenas os indivíduos que pretendem saber os resultados solicitam uma análise ao seu DNA. Além disso, os resultados são sempre privados, pelo que não há o risco de informação privada se tornar pública.
GC – Há quantos anos está na Inglaterra?
RS – Há três anos.
GC – O que mais gosta da Inglaterra e dos ingleses?
RS – O que gosto mais de Inglaterra é a sua multiculturalidade. Tenho amigos de todos os continentes, de todas as raças. Só para lhe dar um exemplo: no trabalho de investigação que agora publiquei estiveram envolvidos investigadores provenientes de Espanha, Itália, Japão, Estados Unidos, Portugal e Bielorússia. O facto de conviver diariamente com diferentes culturas é algo que adoro e que me permite ver o mundo com outros olhos. Dos ingleses, gosto do facto de serem um povo muito “politicamente correcto”. São sempre muito respeitadores. Gosto muito do facto de eles aproveitarem os dias de sol como ninguém.
Basta o sol espreitar que estão logo prontos para um pique nique nos jardins públicos.
GC – E o que é que gosta menos por aí?
RS – Não gosto do tempo. O sol aqui não brilha tanto como em Portugal. E a comida não é de sonho.
GC – De que é que tem mais saudades em Portugal?
RS – Do sol, da comida e das pessoas.
GC – Conta regressar?
RS – Ainda é cedo para falar em regressar em Portugal. Isso também não é algo que me assuste. Actualmente vivemos numa aldeia global, principalmente na União Europeia. A viagens “low cost” vieram permitir estar a poucas horas e a menos de 100 euros de qualquer cidade Europeia. Mas espero um dia voltar a viver em Portugal.

Carlos Cipriano
cc@gazetadascaldas.pt