Jovem arquitecto caldense venceu prémio Secil Universidades

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arqO caldense Gonçalo Duarte Pacheco, 26 anos, que fez uma tese de mestrado sobre o projecto Aeroporto (+) Montijo, foi agora distinguido com o Prémio Secil Universidades.  
Gazeta das Caldas conversou, por correio electrónico com o caldense (que agora vive em Lisboa) por causa desta distinção e aproveitou a ocasião para o questionar sobre a arquitectura e o urbanismo da sua terra natal. Gonçalo Duarte Pacheco considera que a cidade tem falhas entre as novas zonas e o centro histórico e que o plano de regeneração urbana não as corrigiu.

GAZETA DAS CALDAS – Em que consiste o projecto do Aeroporto (+) Montijo? Fale – nos um pouco sobre este trabalho académico.
GONÇALO PACHECO – O projecto surgiu da necessidade de avaliarmos a nossa estrutura aeroportuária na área Metropolitana de Lisboa na cidade do Montijo e incide na elaboração de um aeroporto complementar ao da Portela. Relativamente ao projecto, a construção do Aeroporto (+) Montijo, cujo conceito se encontra enraizado nas definições mais contemporâneas do termo Cidade-Aeroporto, define um raio de influência muito superior por parte do Terminal Aeroportuário nas cidades vizinhas. A conjugação entre cidade e Aeroporto torna-se possível porque os aeroportos definem-se hoje em dia como importantes centros de actividade económica, altamente empregadores, tendo a capacidade de revitalizar cidades e regiões. Para associar estas duas entidades o projecto formaliza um conjunto de cinco percursos urbanos de transporte público ligeiro, que unificam todo o sistema Aeroporto (+) Montijo.

GC – Em que consistem esses cinco percursos urbanos de transporte público?
GP – Os cinco percursos surgem provenientes do conjunto de edifícios que compõem o sistema. Um dos percursos é turístico, que tira proveito do estuário do Tejo, contemplação, onde estão colocados restaurantes, hotéis, mercados, etc. Outro é industrial e serve os que trabalham do e para o aeroporto. Existe um terceiro ligado aos passageiros que, em escala, podem utilizar a cidade enquanto aguardam pelo voo. Existe ainda outro percurso urbano que tira partido dos principais espaços públicos existentes da cidade. Todos eles têm em comum o terminal do Aeroporto, que  no seu interior gera também um espaço público.

GC – Já tinha concorrido antes a esta ou a outras distinções? O que ganhou?
GP – Por norma não se concorre a este prémio de livre vontade. Neste processo do prémio Secil Universidades, a eleição dos concorrentes foi feita pela faculdade. Foi um processo de escolha que aconteceu, como consequência do trabalho efectuado. Durante o desenvolvimento da dissertação, nunca se soube quem iria participar.

GC – O que sentiu quando soube que era um dos premiados com o prémio Secil?
GP – Uma grande alegria. Desde pequeno que oiço falar deste prémio, pelo facto de o meu pai ser engenheiro e uma referência em todo o meu processo de crescimento. Senti, a partir do momento em que soube do prémio, o orgulho que significou para todos na família e, isso sim, foi muito gratificante.

GC – Qual a área da arquitectura que mais lhe agrada? Qual o seu projecto de sonho?
GP – Creio que, como arquitecto, a arquitectura enquanto modelo de actuação, interessa em todas as áreas da sociedade. De forma quase transversal e intemporal, não desliga dos aspectos históricos, sociais, económicos, políticos e artísticos… Nesta ideia permanece a procura constante e a inquietação permanente que nos permite pensar todas as áreas da arquitectura, desde a aplicação de um material até a uma escala mais urbana como a cidade. A exigência desta procura está em contribuir de forma positiva em todos os contextos.

CALDAS TORNOU-SE DEPENDENTE DO AUTOMÓVEL

GC – Qual a sua opinião sobre a arquitectura e o Urbanismo das Caldas da Rainha?
GP – O urbanismo das Caldas da Rainha reflecte a condição da maioria das cidades portuguesas. Devido a factores como a especulação imobiliária e à cedência do planeamento urbanístico, a cidade cresceu sem ter em conta a estrutura pré-existente. Expandiu-se demasiado e para isso foi necessário construir tantas estradas, caminhos e ruas mal pavimentadas.
Estes factores originaram um grande limbo entre a cidade histórica e os “dormitórios” em volta. De um ponto para o outro circula-se de automóvel. Este último tem sido o foco do planeamento urbanístico dos últimos 30 anos nas Caldas da Rainha e é visível pelas distâncias que precisamos para percorrer grande parte da cidade. Como foco essencial, tornou-nos dependente dele. Criou-se um anel circular em volta, sem ter em conta o crescimento da estrutura urbana e isso gerou um conjunto de vazios urbanos demasiado grande, que se evidencia em quase toda a circular das Caldas.
Parece-me que dentro deste panorama, volta-se a errar neste último plano de regeneração urbana, uma vez que o primeiro e único pensamento foi o carro e a eliminação forçada e parcial no casco histórico.
Neste plano percebe-se que falha toda a estratégia quando se verifica que não existiu, por exemplo, uma hierarquia do tipo de estratégia para cada espaço da cidade. Este facto originou casos incríveis como o largo Rainha Dona Leonor, que, precocemente, se tornou um estacionamento público. Aqui existiu um esforço demasiado grande no desenho do pavimento, sem efeitos práticos. Em termos urbanísticos, o centro histórico das Caldas da Rainha sofrerá, infelizmente, da mesma incapacidade de dar resposta à importância que tem para a cidade.

GC – Uma vez que estudou a fundo a temática das cidades aeroportuários, o que lhe parece a não opção pelo aeroporto da Ota? Acha que as Caldas da Rainha e o Oeste perderam muito com isso?
GP – Creio que existem várias formas de ver o problema. Neste caso, nunca nos interessou a Ota, pelo facto de estar em causa a componente Portela+1.
A situação económica em que o país se encontra nunca nos permitiu pensar mais do que esta opção, pelos custos que isso tem para Portugal.
Neste ponto de vista, esta é a solução mais vantajosa, pela possibilidade de se criar um terminal independente para as companhias low cost, que como se sabe têm vindo a crescer significativamente. O Montijo constitui-se como um ponto do território central no Estuário do Tejo, e por isso tem a capacidade de gerar um hub que interliga avião, automóvel e  barco, Restituindo o rio como grande ponto de passagem entre margens a unir os dois terminais. Esta, aliás, foi a condição essencial para a fundação da cidade do Montijo, antiga Aldeia Galega, que funcionava como principal eixo de ligação entre Lisboa, Espanha e Algarve.

GC – Como vê hoje a sua profissão no país?
GP – Penso que é necessário ver o problema de duas formas. Por um lado, a prática da arquitectura, que penso, nunca esteve tão bem. Existe hoje uma grande abertura nos campos de investigação, que tem originado resultados muito interessantes nas múltiplas áreas de actividade. A crise permitiu-nos reinventarmos a busca, sobretudo na procura de novos campos de actuação. Percebe-se hoje que o modelo de “cliente procura-se” passou a ser o nosso dia-a-dia e muitos ateliers conseguiram superar esta realidade, muitos deles ganhando concursos no estrangeiro.
Por outro lado, temos uma situação muito precária ao nível da estabilidade do arquitecto colaborador. Nos últimos anos saiu do país um conjunto elevado de arquitectos, tendo sido o maior êxodo de que há memória. Creio ser uma situação muito negativa, uma vez que exportamos pessoas muito qualificadas, onde, grande parte, infelizmente, já não voltarão. O país suporta grande parte dos custos do ensino académico para depois os países estrangeiros absorverem estas pessoas. Isso é algo que não pode acontecer.

GC – Pensa prosseguir estudos?
GP – Penso tirar doutoramento mais tarde. Neste momento estou focado em aprender as diferentes fases de actuação da prática.

GC – Quer ficar em Portugal ou pensa ir trabalhar para fora?
GP – Irei trabalhar fora, por opção. Para a prática da Arquitectura, creio ser muito positiva a experiência de poder trabalhar em diferentes contextos, de forma a ter uma visão mais abrangente da realidade. É uma excelente oportunidade de aprendizagem que nos permite abrir o espectro de soluções e de modos de actuação no território. Nenhum arquitecto fala sobre arquitectura sem ter uma vasta noção das experiências realizadas no mundo. Poder vivenciá-las noutro ponto do planeta, será sempre um bom ponto de partida.
Ainda assim, regressar, estará sempre no topo das prioridades.