“Chocou-me algumas conversas que já tive sobre o casamento em Marrocos”

0
851

nemig

Diogo Martins Faria Daniel
Bombarral
27 anos
Larache, Marrocos
Engenheiro Civil – director de obra
Percurso escolar: Escola EB 2,3 Fernão do Pó,  Escola Secundária Raul Proença, Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, Universitat Politécnica de Catalunya – Escola Tècnica Superior d’Enginyers de Camins, Canals i Ports de Barcelona

 

O que mais gosta do país onde vive?
A simpatia, a hospitalidade, o sentimento de partilha que há no povo marroquino (pelo menos neste povo com quem me cruzo) e a enorme crença religiosa que têm. Uma das situações que mais me marcou foi o período do Ramadão. Durante esses dias os trabalhadores chegavam a estar 10 horas sem comer e sem beber, debaixo do calor forte de Agosto a juntar com o trabalho difícil, foi uma situação que me impressionou muito. Para eles este esforço purifica o coração e fazem-no para sentirem o que as pessoas pobres sentem ao passarem fome. Num desses dias fui convidado pelo guarda da obra para jantar com ele, na hora “autorizada” para comer nesse período (no momento do pôr-do-sol). Foi marcante um homem pobre, que vive do que a terra lhe dá, oferecer-me o seu jantar com um enorme agrado e ser quase uma ofensa se eu rejeitasse. Partilhou a sua refeição comigo, com uma alegria e satisfação enormes e isso marcou-me muito pois tinha bem noção das dificuldades que ele passa.

O que menos aprecia?
O lixo, a sujidade e a falta de higiene. Em Larache há muito lixo no chão. Ao pé de minha casa há uns descampados preenchidos de lixo. Cheguei a ver três ou quatro cabras dentro de um caixote do lixo a comerem, e também um cavalo no meio da cidade com a cabeça enfiada num contentor a comer o lixo. No que se refere à falta de higiene, no meu ponto de vista, esta pode estar associada à cultura deste povo. Uma vez um soldador da obra ofereceu-me uma tâmara. Eu peguei com a mão esquerda e ele disse-me: “Mão esquerda não. Mão direita. Mão direita é que é para comer. Mão esquerda é para limpar o rabo” (perdoem-me a linguagem objetiva de explicação).

De que é que tem mais saudades de Portugal?
Do surf, de Pastel de Nata e de Travesseiros de Sintra, de caminhar na Calçada Portuguesa, de me sentar num restaurante e poder beber uma cerveja ou um vinho ao jantar (os restaurantes marroquinos não vendem bebidas alcoólicas devido à religião), de Gin Tónico, do Baleal, de sair à noite em Lisboa, de ir ao cinema. Já para não falar, como é óbvio, das saudades da família, dos amigos e da namorada.

A sua vida vai continuar por aí ou espera regressar?
Sem dúvida que irei regressar. Costumo dizer que nós portugueses sempre fomos Descobridores. Sempre fomos Conquistadores. Sempre fomos, somos e sempre seremos. Portugal é o melhor País do Mundo. Amo o meu País. É lá que é a minha casa. É lá que eu vivo. É lá que me sinto bem. Portugal é o Melhor País do Mundo. E não preciso de visitar todos os países do mundo para o saber. Mesmo que visite todos os países do Mundo. Portugal é a minha casa. É a nossa casa. Somos “Pequenos” mas temos tudo. Temos boa comida, bons vinhos, bom sol, boa praia, boas ondas, boa noite, boas paisagens, boas discotecas, boa televisão, boa cultura, boa música, bons profissionais, bom futebol, somos bonitos, somos evoluídos. É bom sairmos do nosso país para vermos e conhecermos outros mundos, mas o nosso país é o Nosso País. Portugal é o melhor País do Mundo. Ainda assim aproveito para expressar que acho que falta uma coisa em Portugal: mais espírito de entreajuda entre os Portugueses. Ajudem-se mais uns aos outros. Apoiem-se mais uns aos outros. Amem-se mais uns aos outros. E deixem de virar costas uns aos outros, de não se preocuparem uns com os outros e de não se sentirem uns aos outros. Sejam Amigos. Amigos à séria. Amigos Verdadeiros.
Esta minha experiência é para ganhar “Escola de Vida”, é para ganhar currículo e experiência profissional, para ganhar e poupar dinheiro. Amo o meu país e voltarei para ele sem dúvida em pouco tempo. Como termina a música “Prece” da Amália: “Das mãos de Deus tudo aceito, mas que morra em Portugal.”.

“Larache é uma cidade costeira, semelhante a Peniche. Há muito e bom peixe!”

Fui expatriado para Marrocos através da empresa onde trabalho (Teixeira Duarte, S.A.) com o objetivo de fazer parte da equipa de Direção de Obra. A obra está inserida na construção da Linha de Alta Velocidade de Marrocos (TGV Marrocos). Consiste na execução de fundações do viaduto sobre o Rio Loukkous, que se caracterizam por serem fundações profundas de grande diâmetro, isto é, estacas de 1,6m de diâmetro com profundidade máxima de 72,5m, num total de 221 estacas e 12600 m executados.
Como sou expatriado e não emigrante, a minha chegada a um país é “mais fácil”. A empresa disponibiliza-me casa, carro, computador, e viagens a Portugal em número limitado. Levanto-me todos os dias às 6h15 para começar o dia com uma reunião em obra às 7h00. Os dias passam a correr. Não tenho horas de saída do trabalho. Pode ser às 20h00, como pode ser às 2h00 da manhã. Dou por mim a perceber que são 21h00 e o que queria ter feito às 9h00 da manhã ainda está por fazer porque entretanto surgiu algo com mais urgência. A minha função é gerir a obra, que vai desde gestão de pessoas, equipamentos, materiais, reuniões com o cliente para discutir planeamento e faturação de obra, à necessidade de comprar garrafões de água para os trabalhadores, cabos para as máquinas de soldar, transporte de trabalhadores. Faço o que for necessário para o avanço da Produção da Obra.
Estou cá há quatro meses, mas parece que já cá estou há oito. Tempos livres só ao domingo e existem porque educo-me para existirem. Após alguns domingos a trabalhar, senti que tinha mesmo que parar um dia por semana para descansar. Quanto aos preços, estes são relativamente iguais a Portugal. Uma refeição num restaurante pode custar entre cinco a 15 euros. Normalmente alterno almoço em casa com almoço em restaurante, bem como os jantares. O café e a cerveja são caros. Café a 80 cêntimos. A cerveja custa quatro euros uma garrafa de 25cl. O pão custa 20 cêntimos. Luto para ter pelo menos uma hora para fazer desporto ao fim do dia, o que geralmente só acontece uma vez por semana devido ao grande volume de trabalho.
O clima é parecido com Portugal. Apanhei dias de Agosto com 40 graus e sei que vou apanhar dias de Novembro com muita chuva e frio. Relativamente à comida, creio que posso dizer que em Larache não se come a típica comida marroquina. Larache é uma cidade costeira, semelhante a Peniche. Há muito e bom peixe.
Relativamente a choques sociais, para além dos que já referi anteriormente, ver mulheres de burca impressiona e já dei por mim várias vezes a pensar: “As mulheres não muçulmanas não sabem a sorte que têm.” Também me chocou algumas conversas que já tive sobre o casamento em Marrocos. Um homem pode casar com quatro mulheres e, apesar da liberdade em termos sociais ser afirmada, se o homem sair à rua para tomar um chá com os amigos a mulher geralmente fica em casa e não sai sem o conhecimento do marido. Se sair e for “descoberta”, é repreendida e pode levar a divórcio imediato. A mencionar ainda o modo de estar e de cumprimentar entre os homens marroquinos, geralmente com aperto de mão e dois beijos.
Blog: www.umtoupeiraemmarrocos.blogspot.com

Diogo Martins Faria Daniel