Os dadores de sangue são uns heróis

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Fátima Santos
Fátima Santos é actualmente a principal responsável pela Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Caldas da Rainha - Beatriz Raposo

Desde 1976 que existe na cidade uma associação que trabalha em parceria com o Instituto Português do Sangue e da Transplantação de Lisboa (IPST). A sua missão? Salvar vidas. A Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Caldas da Rainha organiza todos os anos recolhas de sangue em vários pontos do concelho: em 2017 foram dinamizadas 14 acções nas quais participaram 1250 dadores.
Gazeta das Caldas falou com esta associação, que gostaria que houvesse mais sensibilidade por parte das empresas e instituições caldenses para que se pudessem organizar mais recolhas de sangue nas Caldas da Rainha.

A entrada de Fátima Santos para a Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Caldas da Rainha aconteceu por acaso. Foi há 20 anos que ficou desempregada quando o Centro de Emprego lhe falou da existência deste organismo: precisavam de alguém que estivesse 100% disponível para ajudar à gestão diária da associação. Fátima Santos aceitou e desde então esta tem sido a sua actividade principal. Ao núcleo responsável pertencem ainda Antonieta Faro (a fundadora) e Alfredo Simões.
“Há muitas causas nobres, mas esta mexe com a saúde e isso deixou-me desde o início muito sensibilizada”, conta Fátima Santos à Gazeta das Caldas. Encontramo-la na sede da associação, na Praça 5 de Outubro. Mas há uns anos a entrevista poderia ter-se realizado na Rua Diário de Notícias ou nos Pavilhões do Parque, onde a associação já teve as suas instalações.
Curiosamente, Fátima Santos não pode dar sangue. Durante muito tempo pesou menos de 50 quilos (peso mínimo exigido aos dadores) e embora agora já pese 53 quilos, é uma pessoa que desmaia com alguma frequência. “Não posso contribuir dessa forma, contribuo através da associação. Deixa-me muito feliz saber que já encaminhei muitas pessoas para serem dadores”, afirma, realçando que é muito gratificante organizar uma recolha de sangue e “ver todos aqueles heróis reunidos e bem dispostos, sempre prontos a ajudar, até quando surge um apelo urgente”.
Heróis? Sim. Heróis porque dedicam parte do seu tempo a salvar vidas – uma dádiva de sangue pode servir para salvar até três vidas – e porque vestem a camisola desta causa com enorme responsabilidade. “Há vezes em que os dadores não têm disponibilidade para aparecer numa recolha, então fazem questão de aparecer na seguinte. E muitos ficam tristes quando sentem que não puderam ajudar numa determinada ocasião”, diz Fátima Santos.
Para uma pessoa poder doar sangue basta pesar pelo menos 50 quilos, fazer um estilo de vida saudável e ter entre 18 e 65 anos (há dadores mais velhos, desde que apresentem uma declaração médica em como estão aptos para a dádiva). A maioria dos dadores escolhe sê-lo porque já teve um familiar ou amigo doente que precisou de uma transfusão. “Mas também há bastantes ex-militares que antigamente doavam sangue com frequência e continuam a fazê-lo enquanto reformados, ou então pessoas que são influenciadas pelos pais que foram um exemplo neste aspecto”, explica Fátima Santos.
As dádivas de sangue são fundamentais porque há situações no dia-a-dia dos hospitais que não podem ser resolvidas com comprimidos, antibióticos ou supositórios, sendo a única abordagem terapêutica a utilização de sangue. Segundo o IPST – responsável por fornecer 60% do sangue aos hospitais – são necessárias 1200 unidades de sangue por dia para cobrir as necessidades de transfusão sanguínea a nível nacional.

“PRECISAMOS DE JOVENS DADORES”

Outro dado do Instituto Português do Sangue e da Transplantação de Lisboa é que tem havido uma redução do número de dadores com menos de 25 anos. A percentagem passou de 18,4% em 2004 para 14,8% em 2016. Fátima Santos também dá conta deste problema e salienta que embora a associação das Caldas tenha “bastantes dadores jovens, são sempre precisos mais, até porque estes vão contribuir para influenciar outros da mesma idade. Temos pessoas que já deram sangue muitas vezes e estão a envelhecer”.
Após a terceira dádiva de sangue no período de um ano é atribuído ao dador o Cartão Nacional de Dador de Sangue, onde é registado todo o seu histórico de doações e que dá direito à isenção das taxas moderadoras no acesso às prestações do Serviço Nacional de Saúde.
A dádiva de sangue é um processo semelhante ao de uma análise de sangue. Demora cerca de 30 minutos, entre preencher um questionário, fazer a tiragem clínica com um médico e a recolha de sangue efectiva (470 mL). No final é recomendado que o dador faça uma pequena refeição – há sempre uma mesa com sandes, sumos e bolachas – de forma a evitar que tenha sintomas de fraqueza. Quando o inquérito foi introduzido, alguns dos dadores ficaram reticentes em responder embora soubessem que toda a informação é tratada com a máxima confidencialidade. Isto porque “há perguntas que eles consideravam embaraçosas”, conta Fátima Santos, a quem também coube a tarefa de sensibilizá-los para a importância deste questionário. “Mais do que assegurar a qualidade do sangue, que depois é sempre tratado em laboratório, trata-se de proteger o próprio dador, garantindo que não corre nenhum risco”, acrescenta.
Perguntas relacionadas com o comportamento sexual do dador – se já teve contactos sexuais a troco de dinheiro ou drogas, se tem alguma doença sexualmente transmissível ou se trocou de parceiro sexual nos últimos seis meses – constam do inquérito entregue aos dadores. Mas há mais factores de risco: uma pessoa que tenha sido operada há pouco tempo, que tenha feito uma tatuagem há menos de quatro meses, que se encontre a tomar antibiótico ou que esteja grávida não pode doar sangue.

“QUERÍAMOS MAIOR SENSIBILIDADE DAS INSTITUIÇÕES”

O Centro da Juventude, a Escola Técnica e Empresarial do Oeste, o Cenfim, a Promol, o Centro Pastoral de Santa Catarina, a Escola de Sargentos do Exército e o ginásio Balance são alguns dos locais onde a Associação de Dadores Benévolos de Sangue das Caldas realizou colheitas nos últimos tempos. Contam ainda com uma unidade móvel para organizar acções na rua.
“Às vezes queremos ir a mais sítios, mas a abertura das instituições não é assim tão grande, não há muita sensibilidade… É preciso insistirmos com paciência, fazer muitos telefonemas”, conta Fátima Santos, salientado que gostava que esta realidade mudasse ao ponto de serem as próprias entidades a procurá-la para que se realizassem mais recolhas de sangue no concelho. No ano passado foram dinamizadas 14 colheitas que envolveram a participação de 1250 dadores.
A Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Caldas da Rainha foi criada no dia 11 de Novembro de 2016. No mês passado foi distinguida pela Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de Sangue como associação do ano. “Não estávamos à espera deste reconhecimento, foi uma surpresa. Não é pelos prémios que trabalhamos e lutamos diariamente, mas é sempre gratificante recebe-los”, conclui Fátima Santos.

Perguntas frequentes

Poderei dar sangue? Quais as condições para o fazer?
Podem dar sangue pessoas com hábitos de vida saudáveis, que tenham entre 18 e 65 anos e que pesem pelo menos 50 kg. Pessoas mais velhas só podem dar sangue caso o seu médico de família declare que continuam aptas para o efeito.

Já dei sangue este ano. Posso repetir a dádiva?
Pode repetir desde que respeite os intervalos entre as doações. Os homens podem dar sangue até quatro vezes por ano e as mulheres até três vezes, com um intervalo mínimo de dois meses entre as dádivas.

Estou a amamentar. Poderei dar sangue?
A dádiva de sangue durante a amamentação pode reduzir as reservas de ferro, afectando a quantidade deste nutriente no leite materno. Recomenda-se que fiquem suspensas por três meses as mães que terminaram o período de amamentação, excepto nos casos em que a amamentação dure há mais de 12 meses (nesta última situação, as mães são consideradas aptas).

Estou a tentar engravidar. Poderei dar sangue?
A mulher grávida ou que poderá estar grávida (com algum atraso menstrual) não pode dar sangue. Também não deve dar sangue a mulher que estiver sob algum tratamento de infertilidade.

Estou a fazer medicação para o colesterol. Poderei dar sangue?
A medicação para o colesterol não é impedimento para a dádiva de sangue, desde que se sinta bem.

Estou a tomar antibiótico. Poderei dar sangue?
O antibiótico não é impedimento para a dádiva de sangue, mas a doença infecciosa subjacente sim é. Os agentes infecciosos (bactérias, fungos ou vírus), apesar de localizados, podem ser encontrados no sangue circulante. Nos casos de infecção aguda (limitada no tempo) poderá dar sangue sete dias após terminar o antibiótico desde que os sintomas que motivaram o tratamento tenham desaparecido.

Fiz um tratamento dentário. Poderei dar sangue?
Se o tratamento consistiu numa destartarização, ajuste de aparelho ortodôntico, branqueamento ou polimento dentário, pode dar sangue 24 horas após o tratamento. Mas intervenções como a extração dentária, obturação ou a colocação de implantes implicam uma espera de sete dias.

Fui operado. Poderei dar sangue?
Poderá dar sangue quatro meses depois, caso não tenha tido quaisquer complicações e não tenha recebido transfusões de sangue. Caso contrário, a espera pode alargar-se aos seis meses.

Mudei de parceiro sexual. Poderei dar sangue?
A mudança de parceiro sexual implica um período de suspensão de seis meses. As doenças sexualmente transmissíveis são também transmissíveis por transfusão sanguínea, pelo que um parceiro novo é sempre uma incerteza.

Fiz uma tatuagem ou coloquei um piercing. Poderei dar sangue?
Uma tatuagem ou um piercing obrigam a uma suspensão de quatro meses.
Posso contrair alguma doença quando dou sangue?
Não há qualquer possibilidade de contrair doenças através da dádiva de sangue, pois todo o material é esterilizado, descartável e utilizado uma única vez.

Quais os direitos do dador de sangue?
O dador de sangue tem direito à salvaguarda da sua integridade física e mental, à confidencialidade dos seus dados, ao reconhecimento público, à isenção das taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde do SNS, ao seguro do dador, ao acesso gratuito ao estacionamento nos estabelecimentos do SNS, a ausentar-se das suas actividades profissionais pelo período necessário para a dádiva de sangue.
Medalhas atribuídas aos dadores de sangue: Diploma das 10 dávidas; Medalha cobreada (20 dádivas); Medalha prateada (40 dádivas) e Medalha Dourada (60/100 dádivas). O primeiro é atribuído pelo presidente do IPST e as medalhas pelo Ministro da Saúde.

E os dadores de medula óssea?
A medula óssea é um tecido que existe no interior de todos os ossos e que tem a função de produzir as células que compõem o sangue (glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas). A medula óssea não se fabrica em laboratório, pelo que o transplante de medula óssea está dependente da existência de dadores. Todas as pessoas que se inscrevem para a dádiva de sangue podem-se candidatar a serem potenciais dadores de medula óssea, sendo que sempre que surge um doente a necessitar de um transplante, procura-se um dador compatível na base de dados.