Raul venceu um tumor cerebral e pedalou da Holanda às Caldas numa viagem de libertação

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Raul e o pai, Robert, quando chegaram às Caldas, deram uma volta à estátua da Rainha | Isaque Vicente

Esta é a história de um jovem a quem a vida colocou barreiras altas para que este pudesse saltar mais alto. É um caso de força e de vontade de viver. Um exemplo de superação e uma demonstração do quão fúteis são os problemas quotidianos da maioria. Esta é a história de Raul Rademakers, um jovem holandês que depois de superar um tumor cerebral disse aos médicos: “vou de bicicleta visitar os meus avós nas Caldas da Rainha, em Portugal!”. E, 2700 quilómetros e 22 dias depois, cá chegou, no domingo passado, para dar uma volta à estátua da Rainha.

 

 

Raul Rademakers é um jovem holandês, filho de Eva Andrade Rademakers, uma caldense que emigrou para a Holanda. Aos dois anos de idade foi-lhe diagnosticado um tumor cerebral que não era maligno, mas que não se conseguia retirar porque a operação era arriscada e poderia deixá-lo em coma.
Este tumor causava-lhe dores de cabeça, ataques de epilepsia e paralisia, afectava-lhe a visão e a memória, o que impedia uma aprendizagem normal. Por outro lado, o jovem acabava sempre por ser internado e por não conseguir acompanhar o progresso lectivo.
Até aos sete anos, Raul não conseguia ter descanso ou dormir uma noite inteira, uma vez que a sua actividade cerebral o levava a acordar várias vezes. Aos dez anos dizia que tinha uma borbulha no cérebro que fazia curto circuito.
Chegado aos 12 anos de idade, Raul havia passado grande parte do seu tempo em hospitais e sob o efeito de medicamentos. Em 2011 um médico disse que, apesar da complexidade, teriam mesmo de o operar porque não podia continuar a tomar tanta medicação.
Foi uma operação complexa, que durou cerca de 14 horas e lhe retirou um tumor de nove centímetros e que não era redondo. Só que, depois disso, o cérebro começou a criar líquidos para ocupar o espaço deixado vago pelo tumor. Este facto já o levou a ser operado cinco vezes depois dessa primeira operação.
Em 2014 a família ainda tentou viver em Portugal, nos Belgas, perto do mar. Durante três meses e meio as coisas correram bem, mas começaram as dores de cabeça e Raul acabou por ter de ser hospitalizado.
Do Hospital das Caldas mandaram-no para Lisboa e de Lisboa para o Porto. Do Porto queriam transferi-lo para Barcelona, mas a mãe disse que não e seguiu para a Holanda, onde dois dias depois Raul estava a ser operado.
Já em 2016 Raul fez uma cirurgia para preencher o espaço deixado vago pelo tumor, que foi um sucesso. Ainda assim, devido aos medicamentos e ao facto de não poder fazer desporto, Raul tinha 143 quilos.

“VOU VISITAR OS MEUS AVÓS ÀS CALDAS”

O médico aconselhou-o então a fazer um desporto e, há um ano e meio, Raul pediu à mãe uma bicicleta. “Até hoje é a vida dele”, conta Eva Rademakers, que teve que deixar de trabalhar para poder cuidar do filho.
No ano passado Raul recebeu a melhor notícia da sua ainda curta vida. O médico disse-lhe que mentalmente estava 99% recuperado e o jovem não perdeu tempo e respondeu: “então vou visitar os meus avós!”. O médico disse que era boa ideia fazer os sete quilómetros que o separavam de casa dos avós paternos holandeses, mas o jovem retorquiu: “Não! Vou visitar os meus avós maternos nas Caldas da Rainha, em Portugal!”.
Raul não quis ir a nenhum dietista ou nutricionista porque já não queria ver mais médicos e hospitais. Fez uma pesquisa, adoptou algumas mudanças na alimentação e começou a treinar, entrou numa equipa de ciclismo e participou em várias provas.
Hoje Raul tem 80 quilos e um porte atlético. A cicatriz da operação começa a ser escondida pelos seus cabelos e o sorriso constante demonstra a felicidade de estar vivo. “Foi como se tivesse renascido”, conta a mãe, notando que o jovem começou tudo de novo. “Ele começou a viver, porque até aqui via a vida sempre atrás de uma cortina”, acrescenta Eva Rademakers.
Ao ouvir a ideia do jovem de pedalar durante 2700 quilómetros, o pai, Robert (que até havia sido ciclista, mas que há mais de duas décadas apenas fazia esporádicos e curtos passeios de bicicleta), disse que não o podia deixar vir sozinho e que, se não conseguisse fazer tudo, iria parcialmente de comboio.
A verdade é que o pai aguentou toda a viagem ao lado do filho (ainda que, já em Portugal, tenha aproveitado para se agarrar a uma carrinha para subir uma montanha). Passaram e passearam por vários sítios, aproveitaram para, autenticamente, viajar, numa viagem de libertação.
Saíram do centro de treinos da sua equipa, em Wielerbaan Geleen (Holanda) a 21 de Julho. Pelo caminho encontraram muito calor e aventuras. Pararam em sítios típicos e comeram comidas tradicionais.
Fizeram um desvio que acrescentou 400 quilómetros à viagem para passarem por Santiago de Compostela. Ao cabo de 22 dias, depois de mais de 2800 quilómetros percorridos e alguns contratempos, como correntes partidas e furos, no domingo, pouco passava das 12h00, quando na Rainha cerca de 20 pessoas, viram chegar a bicicleta de Raul e o saudaram pelo mais recente feito.
O jovem e o pai andaram quase sempre mais de 125 quilómetros por dia e cruzaram-se com os corredores da Volta a Portugal deste ano, liderada por um outro Raul, o Alarcón, da W52-FCP.
“Adoro as Caldas, é um sítio bonito e perto da família. A Foz do Arelho tem qualquer coisa mágica!”, disse à Gazeta das Caldas o jovem que até já conhece as estradas da região. “No último ano viemos de férias de carro, mas trouxe a bicicleta e corri a zona toda”, contou Raul, notando que de dois em dois dias saía de casa de manhã e só voltava à noite. “Este ano, depois de comer e descansar por dois dias, vai ser igual”.
À chegada à Rainha, o jovem disse, num inglês fluente, que “o melhor de tudo foi ver que o meu pai também conseguiu fazer a viagem e tudo o que pudemos ver no caminho”.

A VIVER OS SEUS SONHOS

Esta é a história do Raul Rademakers e de uma família que não sabia quantos anos o filho sobreviveria, que unida enfrentou os momentos de angústia e de espera das operações, a incerteza e os medos, mas que hoje encontrou a paz.
Raul tem o sonho de ser fotógrafo e a maioria das fotografias desta reportagem (excepto a da chegada, claro) são da sua autoria. “Tirei muitas fotografias, mas não tantas quantas queria, porque nem sempre podia parar”, contou.
Nos últimos tempos os dias deste jovem têm sido preenchidos com os seus sonhos: levantar-se às cinco da manhã para fazer o seu estágio num estúdio de fotografia na Holanda e andar de bicicleta quando termina o trabalho. “Já terminei o estágio e no próximo ano vou continuar a estudar”, explicou Raul.