Depois da utopia o Festival de Óbidos admite revoluções

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Folio
Uma aula pelo conservador da colecção de pintura do Museu Nacional de Arte Antiga | Fátima Ferreira

Mais de 30 mil visitantes terão passado pelo Folio, estima a organização que ainda não possui números concretos desta segunda edição, que decorreu entre 22 de Setembro e 2 de Outubro. O presidente da Câmara, Humberto Marques, considera que o festival está consolidado e em próximas edições será pensado em conjunto por outros municípios do Oeste.
No próximo ano o tema poderá ser as revoluções, como foi sugerido pelo Presidente da República, e que o presidente da Câmara considera que “casa” bem com a utopia, mas a data de realização ainda não está definida pois terá que ter em conta o calendário das eleições autárquicas.

As revoluções, tema lançado pelo Presidente da República, poderá ser o mote da terceira edição do festival. O presidente da Câmara terá que falar com a sua equipa, mas reconhece que se trata de um assunto “muito interessante” e que está associado ao das utopias.
Humberto Marques fez um balanço “extraordinariamente positivo” desta segunda edição, desde logo porque consolida o festival e por abranger um maior número de parceiros em relação à anterior, que estão “muito motivados para o futuro”.
Humberto Marques estima que passaram mais de 30 mil pessoas pelo festival, embora ainda não tenha os números. “Sei que tivemos mais eventos e salas cheias, e as pessoas saíram muito satisfeitas com a programação”, disse.
O autarca destacou o facto desta edição ter uma densidade muito grande de programação e de se ter verificado uma afluência maior de pessoas, bem como o elevado número de notícias publicadas nos meios de comunicação nacionais e internacionais.
Este ano a Câmara de Alenquer já participou no evento e o autarca considera que há condições para que as próximas edições possam ter um “epicentro de organização e pensamento” na Comunidade Intermunicipal do Oeste.
A terceira edição ainda não tem data definida porque em 2017 haverá eleições, que deverão coincidir com a altura em que o evento se costuma realizar.

Rushdie, o “escritor engraçado”

Um dos pontos altos do festival, além da presença do Presidente da República (ver Vida Política) foi a presença do escritor britânico Salman Rushdie, na noite de 30 de Setembro. A procura foi tanta que a organização do Folio teve que mudar a conversa do escritor com a jornalista Clara Ferreira Alves, para um espaço maior, na cerca do castelo. Bem disposto e com um forte sentido de humor, o escritor britânico ironizou sobre a religião, política e as redes sociais, numa conversa que começou com o seu último livro, “Dois Anos, Oito Meses e Oito Noites” e terminou a falar sobre os projectos de escrever séries para Holywood.
Salman Rushdie começou por dizer que foi preciso chegar aos 69 anos para ser revelado como um escritor engraçado, e não sombrio como era considerado, e aconselha as pessoas a começarem por ler os seus livros mais recentes e ir andando para trás, “para quando chegarem aos Versículos Satânicos ficarem com uma ideia diferente”. A obra escrita há 28 anos e que valeu ao escritor uma sentença de morte, foi um “fardo” que tem que suportar, pois ainda hoje é questionado pelos jornalistas sobre esta obra.
Mas essa ameaça dos radicais islâmicos não amedronta o autor, que entende que se pode fazer humor sobre a religião porque esta é “nonsense”. O holocausto é, de resto, dos poucos temas sobre os quais nunca escreveria um livro cómico, disse.
Em hora e meia de conversa, Salman Rushdie falou ainda com ironia das redes sociais, onde está sempre tudo bem, sinal dos tempos de “estranheza” que se vivem. “No Facebook está sempre tudo feliz… falar de alguém que está doente, falar de divórcio, parece impróprio”, disse, acrescentando que quem não põe as fotos nas redes sociais parece não ter vida.
O autor, que não relê os seus livros e que escreve como se de um emprego se tratasse, realça que poucos livros mudaram o mundo. “Moby Dick nem a arte da pesca mudou, quanto mais o mundo”, respondeu a Clara Ferreira Alves.
No mesmo dia, e momentos antes, o ministro adjunto, Eduardo Cabrita, e João Carlos Vasconcelos, director do Jornal de Letras, conversavam sobre jornalismo, utopia e cultura, com este último a dizer que vê a sua  profissão de jornalista como uma forma de cidadania. Entende que a utopia continua a ser essencial em tudo, embora se saiba que “parte delas conduziram às maiores ditaduras”.
O jornalista falou da sua própria utopia, que é conseguir fazer um jornal de cultura, que já dura há 35 anos.
Já o governante, que foge de “fenómenos de grandes multidões”, teve que vir a Óbidos nesta segunda edição visitar o festival de que tanto se fala. “Espero que o Folio supere o Orfeu, que teve apenas dois números e marca a cultura portuguesa”, disse, destacando o exemplo do município de Óbidos, que se está a destacar pela diferenciação.
A alguns metros, na Pousada do Castelo, António José Seguro falava sobre Utopia e Democracia. Perante uma sala cheia, o ex-secretário geral do PS, defendeu algumas regras para elevação da política, como acabar com os paraísos fiscais e taxar todas as operações financeiras.
António José Seguro considera igualmente importante combinar a democracia representativa com alguns elementos da democracia directa, permitindo uma maior participação das pessoas.

O sotaque brasileiro de Camané

Camané cantou melodias românticas de Tom Jobim e encantou o público na noite de sábado. “Eu sei que vou te amar”, foi a primeira canção interpretada pelo fadista português que pediu desculpa pelo sotaque brasileiro, mas utilizou–o porque “é o que dá musicalidade a estas melodias”.
Admirador confesso daquele compositor brasileiro, Camané contou que nos anos 70, quando era miúdo, já ouvia e admirava o movimento de Bossa Nova e estes sons que vinham do Brasil.
Perante o auditório completamente lotado, interpretou temas incontornáveis da sua obra, assim como outros menos conhecidos, mas que lhe dizem bastante, como foi o caso de “Amor em Paz”, “Anos Dourados”, “Insensatez”, “Corcovado”, “Lígia”, “Retrato a preto e branco” ou “Desafinado”. O cantor, que no decorrer do espectáculo disse estar a adorar o silêncio da plateia pois parecia que estava a cantar o fado, brindou o seu público cantando “Inútil Paisagem” como se de um fado se tratasse. “Felicidade” encerrou o concerto, mas Camané ainda voltaria mais duas vezes ao palco para cantar “Garota de Ipanema” e terminar com “Abandono”, um fado de Amália Rodrigues, com que homenageou Tom Jobim.
No último dia de festival houve leitura encenada do texto “Como queiram”, de William Shakespeare, também na tenda da cerca, sob a coordenação de Beatriz Batarda.
Durante todos os dias do festival houve ainda poesia na Casa dos Poetas, leituras e conferências em hotéis, nas ruas e em jardins de Óbidos.
No último fim de semana decorreu o II seminário Internacional Folio Educa.