«Brasil – Uma biografia» de Lília Schwarcz e Heloísa Starling

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Gazeta das Caldas

ImageO livro apresenta 691 páginas no total e tem 503 páginas de ensaio a dar ideia concreta do país que é um continente e onde tudo é grande. As 188 páginas incluem notas, bibliografia, cronologia e índice remissivo. Não por acaso em 2008 na Festa do Livro do Ceará houve notícia dum manual escolar editado no Paraná que incluía um mapa brasileiro onde o Estado do Piauí não constava. Data de 1630 o primeiro texto sobre a História do Brasil assinado por Frei Vicente do Salvador: «Nenhum homem nesta terra é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do seu bem particular». País de contrastes, o luxo e o lixo convivem lado a lado, tal como a Constituição avançada e o preconceito silencioso e perverso: «No país o tradicional convive com o cosmopolita; o urbano com o rural; o exótico com o civilizado – e o mais arcaico com o mais moderno coincidem, um persistindo no outro, como uma interrogação.» Tom Jobim advertiu «o país não é para principiantes», um país cujo nome vem do latim: «deriva do nome «brasilia» cujo significado é «côr de brasa» ou «vermelho». Depois da madeira, o açúcar deu origem a outra civilização: «o doce de cana se fez às custas do travo da escravidão. Amargo açúcar, ardida doçura.» Essa civilização vivia dos escravos que na Baía chegavam a 75 por cento da população e eram: «as mãos e os pés do senhor do engenho porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda.» A escravidão «moldou condutas, definiu desigualdades sociais, fez da raça e da cor marcadores de diferença fundamentais, ordenou etiquetas de mando e obediência, criou uma sociedade condicionada pelo paternalismo e pela hierarquia.» Por exemplo a capoeira era originariamente uma luta mas foi mostrada como uma dança. A escravidão criou um universo de disfarces e de negociações.» O conde de Assumar governou o Estado de Minas (1717-1721) com mão pesada e escreveu para Lisboa que «Minas é habitada por gente intratável. A terra parece que evapora tumultos, a água exala motins, o ouro toca desaforos; destilam liberdades os ares, vomitam insolências as nuvens, influem desordens os astros; o clima é tumba da paz e berço da rebelião.» Essa rebelião que levou muita gente em Vila Rica (Ouro Preto) a gritar «Viva o povo e morte aos enviados d ´el-rei». O imperador D. Pedro gostava de astronomia e em 1883, no Carnaval, brincavam com o seu interesse: «De tanto olhar para o céu, nosso Imperador vai perder o caminho da terra.» De facto ele voltava-se para a Europa, afastando-se do imaginário local e transformava-se num monarca como os outros. Mais tarde Gilberto Freyre exprimiu as três raças: «Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena e/ou do negro.» A questão da escravatura não punha a escravatura em questão e, um ano e meio depois da abolição oficial, o Hino Nacional proclamava: «Nós nem cremos que escravos outrora / Tenha havido em tão nobre país». E Lima Barreto escreveu o seguinte: «É triste não ser branco». São Paulo e Rio de Janeiro sempre tiveram rivalidades; Osvaldo de Andrade chamava a São Paulo a «locomotiva» que puxava os vagões do Brasil e no auge da luta de 1932 chegou a ser proclamado: «Por São Paulo com o Brasil se for possível; por São Paulo contra o Brasil se for preciso!». Nas «Memórias do Cárcere» de 1953 Graciliano Ramos recorda o encarregado dos presos na Ilha Grande no tempo de Getúlio Vargas: «Vocês não vêm corrigir-se; vêm morrer». O mesmo Getúlio suicidou-se em 24-8-1954 deixando uma mensagem: «saio da vida para entrar na história» O general Médici disse em 1968 uma frase terrível: «o país está muito bem; o povo é que vai mal.» De todos os crimes da ditadura militar (1964) o mais repugnante foi cometido contra os indígenas: «matanças de tribos inteiras, torturas e toda a sorte de crueldades foram cometidas contra indígenas brasileiros por proprietários de terras e por agentes do Estado, caçadas humanas feitas com metralhadoras e dinamite atirada de aviões, inoculações propositadas de varíola em populações indígenas isoladas e doações de açúcar misturado com estricnina.»
Este livro está escrito para o leitor do Brasil e aparecem palavras como «cacatuas» (188), «grita» (198), «anular» (274), «hidrelétricas» (409), «indenização» (445) «boia fria» (485) ou «anistia» (487) além da abreviatura da OPEP surgir como «Opep», entre muitas outras. Nota-se a falta de aspas na página 474 antes do nome da canção «A estrada e o violeiro» e Mário Lago é referido na página 395 como «compositor» e não como actor ou ficcionista. A frase mais famosa do romance «O leopardo» de Lampedusa aparece na página 235 como «Se queremos que tudo continue como está é preciso que tudo mude» quando o príncipe terá dito, depois de votar, «É preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma».
(Editora: Temas e Debates / Círculo de Leitores, Capa: Victor Burton)