«Contos completos» de Fernando Pessoa

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Fernando Pessoa (1888-1935) não é apenas o poeta dos heterónimos mas também o prosador capaz de juntar nos seus textos narrativos doses certas de humor, inteligência, absurdo e ironia. Não uma ironia qualquer: «Por ironia entende-se, não o dizer piadas, como se crê nos cafés e nas redacções, mas o dizer uma coisa para dizer o contrário».
Neste livro de 180 páginas, Zetho Cunha Gonçalves organizou um puzzle: «um livro irreverente e indisciplinador, um hino à liberdade e um libelo contra toda e qualquer forma de censura, de prepotência, de submissão e de conformismo». Fernando Pessoa (que para José Régio não era um criador mas um assimilador) coloca em 1926 a história do conto do vigário no Ribatejo apesar de a mesma sempre ter sido referida como citadina e passada junto às estações do Rossio ou S. Apolónia. E, depois de afirmar que «a literatura é uma confissão de que a vida não basta», inventa um Banqueiro anarquista: «As injustiças da Natureza, vá: não as podemos evitar. Agora as da sociedade e das suas convenções – essas, por que não evitá-las?»
Nas fábulas breves F. P. surpreende sempre. Seja na referência a Roma («Cuidado com as lágrimas, quando são estadistas os que as choram») seja em «Eu, o doutor» («Na vida social somos o que os outros nos julgam») ou, de novo, na política: «A política partidária é a arte de dizer a mesma coisa de duas maneiras diferentes». Nos três contos de O. Henry, F.P. mostra-se um hábil tradutor; vejamos o final de um conto: «Sr. Bridger, sou de Kentucky e tenho visto muito em matéria de homens e de bichos. E ainda não vi um homem que gostasse muito de cavalos e de cães que não fosse cruel para as mulheres».
(Editora: Antígona, Organização, prefácio e notas: Zetho Cunha Gonçalves, Revisão: Conceição Candeias)

José do Carmo Francisco

jfranciscogazeta@gmail.com