Serviço médico na periferia – I parte

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Joaquim Urbano | DR

O Serviço Médico na Periferia (SPM) foi um programa criado por despacho ministerial de 23/06/1975. Consistia, na colocação obrigatória durante um ano, em zonas especialmente carenciadas de cuidados de saúde, de jovens médicos após a conclusão do Internato de Policlínica ou Internato Geral com a duração de 2 anos, dos quais 16 meses cumpridos em ambiente hospitalar e 8 meses em Centros de Saúde.
Decorreu de 1975 a 1982 e era condição de acesso à formação especializada.
O SPM foi avaliado e renovado em 1976 pelo Decreto-Lei nº 580, de 21/07, que o considerou parte integrante das carreiras médicas e necessário à admissão ao Internato das Especialidades (após concurso de seriação, que consistia na realização de um teste, baseado no “Harrison”- Tratado de Medicina Interna, só modificado em 2019), era ainda necessário aos concursos para os quadros de instituições públicas, incluindo os Serviços Médico Sociais da Previdência (então designados por “caixa”) e, foi então, reconhecido como passo decisivo na construção do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que viria a ser criado através da Lei nº 56, a 15 de setembro de 1979.
O Serviço Militar Obrigatório foi considerado equivalente ao SMP para a progressão na carreira, incluindo o acesso ao Internato da Especialidade, após o concurso de seriação.
Para a sua origem concorreram vários fatores de que destacamos: o reconhecimento dos maus índices sanitários do País, nomeadamente as elevadas taxas de mortalidade perinatal, infantil e materna e baixa esperança de vida, no contexto de ausência de saneamento básico, eletricidade, rede de água, elevado grau de analfabetismo e grande isolamento; a consagração no programa do MFA, de alargar a toda a população cuidados de saúde básicos que no interior era apenas assegurada de forma precária, mas esforçada, por escassos médicos residentes; a vinda de muitos jovens médicos e estudantes de medicina das Faculdades de Luanda e Lourenço Marques, criadas já em plena guerra colonial (1960/70); a incapacidade formativa dos Hospitais Centrais (escolares) que se encontravam objetivamente sobrelotados.
A formação complementar destes jovens médicos que, então centrada numa prática médica quase exclusivamente hospitalar, favorecia a sua fixação futura nos grandes centros, sofreu uma significativa alteração.
O SPM e o início da realização do Internato de Policlínica e da formação complementar em algumas especialidades médicas que, por esta altura, começou a ser possível efetuar (em parte) nos Hospitais Distritais, foram fatores decisivos para a fixação de jovens clínicos fora dos grandes centros e contribuíram para a consolidação do exercício de uma Medicina mais solidária e humanista, num contexto de efetiva proximidade.
O processo iniciava-se com o levantamento dos concelhos e do número de médicos adequados às necessidades dos mesmos. A distribuição dos diversos grupos de médicos era efetuada por sorteio para os locais em que houvesse concorrência, considerando as zonas Norte, Centro, Sul e Ilhas e decorria em Lisboa, Porto e Coimbra.
Ainda hoje é minha convicção a inegável importância que o SMP teve na atual organização da saúde e no lançamento do SNS.
Alguns milhares de médicos participaram nesta experiência gratificante, inovadora e irrepetível, cuja recordação se vai perdendo no tempo.