A Câmara de Óbidos está disponível para aceitar este ano apenas quatro das 11 competências que a administração central começou por delegar. Esta decisão foi corroborada na Assembleia Municipal de 30 de Janeiro pela maioria social-democrata que aprovou a proposta do executivo, enquanto que os deputados da CDU e do BE mostraram-se contra o princípio da transferência de competências, votando a não aceitação. Os deputados socialistas abstiveram-se por entenderem que essa é uma decisão do executivo.
Os deputados municipais de Óbidos reuniram, extraordinariamente, no último dia do mês de Janeiro para se pronunciarem sobre as propostas de delegação de competências para a autarquia. A Câmara de Óbidos decidiu exercer já este ano as competências ao nível da Habitação, Gestão do Património Imobiliário Público sem Utilização, Vias de Comunicação e Estruturas de Atendimento ao Cidadão, entre um conjunto de 11 diplomas já publicados pela administração central. Também deliberou transferir para a OesteCIM as competências que são propostas no que respeita à Promoção Turística, Julgados de Paz (Justiça), Projectos Financiados por Fundos Europeus e dos Programas de Captação de Investimento e Apoio aos Bombeiros. O presidente da Câmara, Humberto Marques, explicou que foram “muito cautelosos” nas propostas e aceitaram apenas as que “melhor satisfaziam os interesses dos munícipes e que não metiam em causa o aumento da despesa na autarquia”. No que respeita ao atendimento ao cidadão, a Câmara irá continuar a assegurar os serviços que já presta, enquanto que ao nível da Habitação, embora não existam imóveis sociais a transferir, há interesse em aceitar essa competência para que o concelho integre o Plano Nacional de Habitação. Há também disponibilidade para aceitar as Vias de Comunicação, que consiste na gestão das estradas e que, de acordo com o autarca, tem a vantagem de facilitar a vida dos munícipes ao nível dos licenciamentos de casas, em que estes deixam de ter que pedir avaliações às Infraestruturas de Portugal. “Já temos técnicos que fazem a avaliação, pelo que não precisamos de aumentar o número de funcionários”, disse Humberto Marques, fazendo notar que o diploma se reporta a estradas nacionais apenas nos troços definidos de perímetro urbano. No que se refere ao Património Imobiliário Público Sem Utilização a autarquia pretende receber a listagem dos imóveis para confrontar se estão registados na Conservatória e se pretendem apresentar projecto para algum desses edifícios. Humberto Marques disse discordar da “forma e processo” como é feita a descentralização de competências porque considera que há áreas que são nucleares ao Estado e que não podem ser transferidas. Além disso, considera que as competências que estão a ser passadas para os municípios são “matérias meramente administrativas, como se as autarquias fossem organismos amputados de conhecimento e de capacidade para tomar decisões de outra natureza”. O autarca disse ainda que o envelope financeiro não é claro e que, embora possam adiar a recepção, até 1 de Janeiro de 2021 terão que exercer as competências, “a bem ou a mal, com ou sem dinheiro.”
O PS é favorável à descentralização e autonomia do poder local e está de acordo com os princípios do diploma. Contudo, há situações a afinar, como a “falta de recursos financeiros, humanos e patrimoniais que podem por em causa algumas destas funções ou atribuições”, reconheceu a deputada municipal socialista, Cristina Rodrigues.
A mesma deputada realçou que o faseamento previsto no diploma tem o mérito de dar tempo às autarquias e às comunidades intermunicipais para se prepararem para um futuro próximo.
“Sabemos que há fragilidades, mas este é um diploma com o qual estamos de acordo e que as próprias autarquias devem saber aproveitar, uma vez que são os órgãos mais próximos das populações”, defendeu.
O PS decidiu votar favoravelmente as transferências de competência previstas para a OesteCIM por entender que a concentração nas comunidades municipais cria um efeito de economia ou de escala que pode ser benéfico. “Há certamente muitas matérias que devem ser vistas agregadamente quebrando o isolamento de cada um dos concelhos”, explicou Cristina Rodrigues.
Relativamente às competências para a autarquia, os socialistas abstiveram-se por entenderem que quem sabe as condições que tem para aceitar ou recusar é a maioria que gere o município. “Entendemos que não nos devemos atravessar nessa opção e faremos uma abstenção relativamente a todos esses pontos”, justificou a deputada socialista.
Risco de sustentabilidade financeira
Os deputados do PCP e do BE estiveram alinhados na recusa da aceitação das competências transferidas pelos decreto-lei sectoriais, tanto para o município, como para a OesteCIM.
A deputada comunista Sílvia Correia alertou para os riscos ao nível da sustentabilidade financeira para as autarquias e do facto das transferências serem vistas como um “mero alijar” de responsabilidades do Estado. Para além disso, há o perigo de afastamento “excessivo” do Estado de áreas específicas em que seja essencial o seu papel, concretizou.
Sílvia Correia realçou que, em praticamente todos os domínios, apenas são transferidas competências de “mera execução, o que coloca as autarquias numa situação semelhante à de extensões do poder central e multiplica a situações de tutela à revelia da Constituição, contribuindo para corroer a autonomia do poder local”.
O PCP reclama o início de um processo “sério e de descentralização inseparável da consideração da criação de regiões administrativas”. Pede ainda a reposição das freguesias que foram agregadas e o início do processo para a autonomia dos municípios, nomeadamente através da sua capacidade financeira.
“Total desresponsabilização” do Estado
Já o BE considera que esta descentralização “viola o princípio constitucional da subsidiariedade” e entende que as competências devem ser executadas pelo governo. O deputado bloquista Fábio Capinha, considera que esta descentralização irá agravar as assimetrias regionais, uma vez que a “municipalização de competências nessas matérias não pode comprometer a universalidade e igualdade no acesso da população aos serviços prestados nas áreas a transferir”. Na sua opinião, este processo vai promover “total desresponsabilização” do Estado em funções sociais de âmbito universal como a Educação, Saúde e Cultura. Outro problema da descentralização, de acordo com os bloquistas, é a falta de meios técnicos e de recursos humanos para a sua concretização. Ao aceitar as competências as autarquias têm que assumir responsabilidades e a execução dos diplomas quando, “na maior parte dos municípios não existem recursos humanos para que tal seja possível nem possibilidade ou orçamento para assegurar a contratação dos mesmos”, salientou Fábio Capinha. Este deputado alertou ainda para o facto das autarquias, para suprimir esta falta, concessionarem os serviços a entidades privadas ou empresas municipalizadas. Para o BE este processo está a ser feito ao contrário, ou seja, transferem-se primeiro as competências e depois “logo se vê o resultado ou se adequa melhor o orçamento, o que é absolutamente inaceitável”, concluiu o seu deputado.
Quase 65% dos municípios aceitaram pelo menos uma transferência de competências em 2019
Dos 278 municípios portugueses, 180 aceitaram assumir este ano pelo menos uma das competências actualmente exercidas por entidades e organismos da administração central. Um nível de adesão “muito significativo”, considera o Ministério da Administração Interna em nota de imprensa, tendo em conta que o quadro prevê um período transitório até 2021 para que os municípios avaliem as suas condições para o desempenho das novas competências. No entanto, houve 98 municípios que não aceitaram nenhuma competência, além de que a grande maioria só aceitou algumas. Entre as competências mais aceites estão o Património Imobiliário sem Utilização (171 municípios), as Estruturas de Atendimento ao Cidadão (154 municípios), as Associações de Bombeiros (149 municípios) e as Praias (144 municípios). Já as Vias de Comunicação, Justiça e Habitação foram aceites por 129 municípios, cada, enquanto que o Estacionamento Público, apenas por 119 municípios, de acordo com os dados provisórios da Direcção Geral das Autarquias Locais.
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