Em 1997 foi criado o Centro de Recuperação de Animais Selvagens de Montejunto, numa parceria entre voluntários e várias entidades. Desde 2007, data em que começou a laborar, o centro recolhe animais feridos, que ali são tratados e alimentados, para depois serem devolvidos ao seu habitat.
Na tarde de um sábado, pouco depois de almoço, subimos a encosta da serra de Montejunto em direcção à aldeia da Tojeira. Na apertada estrada atravessamos toda a aldeia sem encontrar o Centro de Recuperação de Animais Selvagens. No alto, praticamente a 240 metros de altitude, eis que damos com ele. É o último edifício da aldeia e está ali bem à nossa direita.
Somos recebidos por Paula Lucas, que é voluntária no CRASM há quatro anos. De trato afável, vai-nos contando um pouco da sua rotina enquanto prepara a comida para os animais. “Todos os dias damos frango cru aos animais, mas tem de ser preparado, porque alguns comem com osso e outros sem”, contou, acrescentando que, no Inverno, a carne é aquecida em água.
Mora na primeira casa da aldeia, exactamente no extremo oposto e todos os dias trabalha nas limpezas na casa de outras pessoas. Ainda assim, cinco dias por semana encontra tempo para vir cuidar dos animais. “É tudo uma questão de organização, se não vier mais cedo, venho mais tarde”, disse. Acrescenta, a sorrir e sem completar a ideia, que “ver como eles entram e como saem…”
E agora chega de conversa, que os animais esperam a sua refeição diária. Com as portas bem fechadas, entramos no primeiro túnel de voo. Este é dedicado às aves de rapina diurnas e é um espaço amplo, vedado por cima e pelos lados, com um pequeno tanque ao centro.
Lá dentro vemos oito águias de asa redonda, dois milhafres, uma águia calçada e cinco faisões. “Dão-se todos bem”, assegura Paula Lucas, enquanto recolhe os restos da refeição anterior e os coloca num balde. Tira ossos de frango e maçãs bicadas e deixa uma nova refeição.
Túnel a túnel vai alimentando todos os animais. De gaivotas a cágados, passando por corvos, cegonhas, garças, peneireiros, bufos reais, corujas, entre muitos outros e até… uma simpática raposa, a Zorra. Os maiores animais que o centro já recebeu foram grifos, lontras e texugos. De Torres Vedras, da praia de Santa Cruz, chegam vários gansos patolas petroleados, que depois de uma primeira limpeza são encaminhados para o CRAS de Quiaios, que se dedica apenas a animais marinhos.
Animais atropelados, baleados ou que provém de apreensões
Filomena Barros, responsável pelo Centro, também ela voluntária, já nos acompanha há algum tempo. E é ela que nos explica o que acontece quando um animal ingressa no CRASM. “Recebemos animais que nos são entregues por particulares, pelo Serviço de Protecção da Natureza da GNR de Caldas, que tem um comportamento muito positivo e é o que, da região, nos traz mais”. Além disso, o próprio Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas também entrega animais que precisam de cuidados.
Já falámos de que tipo de animais são estes, mas porque precisam de cuidados? Porque provêm de apreensões ou estão feridos. No primeiro caso o maior risco é o imprinting do animal (o nível de habituação ao ser humano e, por conseguinte, a falta de competências para a vida selgavem). Por exemplo, as gralhas mantidas em galinheiro tendem a imitar o cacarejar das galinhas. Já em termos de feridos “são principalmente tiros e atropelamentos”, explicou Filomena Barros.
Quando o animal chega abre-se uma ficha com informação e onde é descrita toda a evolução do mesmo. Feridos ou não, ficam 24 horas no internamento, que são pequenas jaulas apenas com respiradores. Isto serve para acalmar o animal, limitar-lhe os movimentos no caso de estar ferido e perceber se se alimenta.
No internamento estão, actualmente, três açores todos alvo de tiro. “Um tem sete chumbos, outro nove e o outro 14”, contou. Ao lado fica a enfermaria e agora é tempo de cuidar dos doentes. Medicar estes, mudar os pensos àqueles e fazer fisioterapia aos outros. As duas voluntárias vão dando de si e os animais retribuem como sabem.
Em casos mais graves, em que seja necessária a cirurgia, ou os animais são transportados para Lisboa, para a clínica do veterinário Hugo Lopes ou é ele quem se desloca a Montejunto.
Uma parceria entre voluntários, Estado e privados que demorou 10 anos a começar
Hugo Lopes foi um dos voluntários que teve a ideia de criar o centro, em 1997, com José Bernardo. É um projecto da Junta de Freguesia do Vilar, que cedeu o terreno e da Quercus, apesar de ter uma gestão autonóma, está entregue a uma equipa de voluntários.
É regulamentado pelo ICNF e conta com o apoio da autarquia e de parceiros privados. Logo no início foi um privado (EDP) que pagou a infra-estrutura.
Mas o projecto só arrancou em 2007. “Faltava muita coisa, foi preciso angariar dinheiro para arrancar e nos primeiros anos recebemos muito poucos animais”, esclareceu Filomena Barros.
Além de uma sala de trabalho e outra multiusos (usada para formação e educação ambiental), dispõe de enfermaria, duas salas de internamento, oito câmaras de recuperação, um túnel de voo com 20 metros (para aves de rapina diurnas), parque de voo (para aves de rapina nocturnas e outro para aves aquáticas), compartimento de frio/congelação, biotério (uma maternidade de ratos para treinar as aves de rapina), instalações sanitárias, aquecimento de água e arrecadação.
O centro apenas trabalha com voluntários e são, em permanência, seis os que o mantêm, mas contam com a ajuda de muitos outros que a responsável não esquece. “Todos aqueles que contribuem esporadicamente são extremamente importantes”, recordou.
Em termos financeiros, os recursos são angariados através de donativos, formações, merchandising (como a venda de chá e de mel da Serra) e de eventos que o centro organiza (passeios pela serra, jantares ou showcookings com sabores de Montejunto, entre outros). O Aviário do Pinheiro oferece a comida dos animais e a fruta é comprada e oferecida pelas fruteiras.
“Nem sempre a ajuda é monetária, há quem traga toalhas velhas, ferramentas que já não usa, ração… Aqui tudo faz falta”, notou Filomena Barros, até porque “há sempre obras a fazer”.
Outra fonte de rendimento são os apadrinhamentos, que consistem na libertação do animal e que podem, por exemplo, ser oferecidos como presente. “Tentamos que sejam acções partilhadas por várias pessoas e com crianças”, explicou Filomena Barros, contando que já têm levado aves para libertar em festas de aniversário e casamentos.
“O momento em que devolvemos um animal selvagem à sua casa tem algo de mágico”, descreve-nos João Caneira, também ele voluntário desta casa, responsável pela estação meteorológica, exemplificando: “por vezes as aves ficam a planar perto de nós e depois de tanto tempo dedicado àquele animal, para ele poder voltar para a natureza, é quase como um agradecimento”.
Mas antes desse momento, há um processo a atravessar pelos animais: a sua reintegração. Para treinar as aves de rapina um dos exercícios é colocar ratos nos tanques criados nos túneis de voo. Estes ratos provêm de um biotério que existe no centro.
Em termos de sustentabilidade financeira há ainda um outro projecto que passa por vender ninhos artificiais que permitam a aves nidificar em locais escolhidos por humanos. A ideia é que corujas e peneireiros ocupem as casas e acabem com as pragas de ratos. Esta foi uma iniciativa que resultou em Espanha, mas que não tem tido grande adesão nesta região.
Além de tudo isto, o CRASM colabora na educação ambiental dos alunos. Tem um centro interpretativo da serra e a já referida estação meteorológica, que está sempre actualizada e que pode ser consultada na internet.
O CRASM está aberto a visitas para fins de educação ambiental, ainda que sujeitas a marcação prévia.