A esquerda social e a esquerda política

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Há um mistério sociológico e político na sociedade portuguesa. A célebre maioria sociológica de esquerda não faz a convergência política com que a devia representar. Ou seja, o que seria normal é que a esquerda social se quisesse ver representada politicamente pela esquerda política. Por uma esquerda afirmativa, de convicções, não por uma esquerda a fingir.

Em que tipo de representação política se revê quem se envolve quotidianamente em trabalho social pela defesa de um hospital, ou do Serviço Nacional de Saúde em geral, na defesa da Escola Pública, pelo bem-estar dos animais abandonados ou pelo fim da tourada com espectáculo bárbaro e primitivo. Quem se envolve num projecto associativo pela protecção de um habitat natural, pela consciencialização ambiental de todos nós, pela sua sustentabilidade, contra a voragem do lucro imediato e a qualquer custo, não encontra certamente outra representação política que não seja na esquerda das convicções.

Quem se inscreveu activamente nos movimentos sociais nos últimos anos não se pode enganar. Quem saiu à rua contra as políticas de direita que nos tiram direitos, que nos chantageiam para enriquecer bancos, que nos baixam os salários, cortam pensões, secam a economia, fecham pequenos negócios, não pode voltar a votar na esquerda fingida, e muito menos pode votar na direita desmascarada, mais troikista que a troika, que nos quer convencer agora de uma retoma que ninguém vê nem sente em lado nenhum.

A esquerda social que se bate diariamente por uma sociedade melhor deve convergir com a política consonante com esses valores. Quem lança projectos e faz voluntariado para ajudar outros na doença, minorar o sofrimento e ajudar incondicionalmente na recuperação física e emocional dos tempos difíceis. Quem retira do seu tempo familiar a disponibilidade para ajudar pessoas politicamente perseguidas do outro lado do mundo, como a Amnistia Internacional de que sou impulsionador e fundador do núcleo local, são pessoas que sabem onde está a representação do que defendem.

Quem se revê ou junta em torno de um Conselho de Cidade, entidade de estímulo e incentivo à democracia participativa, de que fui também membro da comissão instaladora e da primeira direcção eleita, ao todo durante cerca de cinco anos, são cidadãos que sabem bem quem participa activamente em projectos e causas e sabem distinguir dos que aparecem a “cavalgar a onda” da cidadania como ferramenta de marketing.

A esquerda social que se constitui de todos os pequenos grupos, que apesar de fragmentados e muitas vezes afastados, constituem um movimento social pela mudança, no desejo comum de uma vida melhor para todos, deve reforçar nestas eleições locais a esquerda política.  Por uma razão simples: a esquerda social e a esquerda política, juntas são mais fortes e reforçam-se mutuamente. Juntas podem melhor promover a mudança necessária para que todos sejamos mais felizes onde vivemos.

Lino Romão